Defensoria do PR fará pente-fino em sentenças de juíza racista

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Foto: Divulgação/TJPR

Os núcleos de Cidadania e Direitos Humanos e de Política Criminal e Execução Penal da Defensoria Pública do Paraná convocaram uma força-tarefa para fazer a revisão técnica das sentenças condenatórias proferidas nos últimos 12 meses pelo juízo da 1ª Vara Criminal de Curitiba. A medida se dá em razão da decisão em que a juíza Inês Marchalek Zarpelon, ao calcular a pena de Natan Vieira da Paz, homem negro de 42 anos, afirmou: “Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça […]”.

A convocação de defensores públicos foi publicada em nota divulgada pela Defensoria após repercussão sobre o caso de Natan nesta quarta, 12. A sentença que o ligou a organização criminosa ‘em razão de sua raça’ foi dada em junho, mas começou a circular nas redes sociais após publicação da advogada Thaise Pozzobon. Segundo a Defensoria, a força-tarefa visa verificar se há outros casos similares ao de Natan que não vieram a público. O prazo do edital de convocação se encerra nesta sexta, 14.

A nota de repúdio da Defensoria Pública do Paraná foi mencionada pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, na decisão em que instaurou pedido de providências contra Inês Marchalek Zarpelon para investigar possível lesão à Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e ao Código de Ética da categoria. Antes, o Tribunal de Justiça do Estado já havia informado que a Corregedoria Geral de Justiça havia aberto procedimento para apurar o caso. A Ordem dos Advogados do Brasil do Paraná informou que iria oficiar o Ministério Público do Estado para apuração sobre o crime de racismo.

“Não se pode tolerar, de nenhuma forma e de quem quer que seja, que a raça ou a cor da pele de uma pessoa seja motivo de valoração negativa ou influencie presunções sobre sua conduta e sua personalidade, tampouco que fundamente juízo condenatório ou maior repressão penal. Embora a Constituição Federal traga como objetivo da República Federativa do Brasil a eliminação de preconceitos de origem, raça, cor e quaisquer outras formas de discriminação, o racismo é característica estruturante da sociedade brasileira e necessita ser permanentemente combatido, sobretudo quando praticado pelo próprio Estado”, reforçaram os defensores no texto.

Na decisão de 115 páginas em que condenou Natan a 14 anos e dois meses de reclusão, Inês também imputou penas a outras seis pessoas denunciadas por furtos qualificados e roubos majorados. No entanto, em nenhuma das dosimetrias de penas dos outros acusados houve a indicação sobre ‘raça’.

Logo depois de registrar que Natan era réu primário, sem antecedentes criminais, Zarpelon escreveu: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.

O primeiro registro se deu quando a magistrada analisava a pena de Natan relacionada ao crime de organização criminosa. A ‘circunstância desfavorável da conduta social’ de Natan resultou em um aumento sete meses na pena relacionada ao crime de organização criminosa. A mesma frase foi ainda repetida duas vezes, durante a fixação da pena base por roubo majorado e por furto qualificado.

Após a repercussão da decisão, a juíza divulgou nota de esclarecimento afirmando que ‘nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor’ e que a linguagem ‘quando extraída de um contexto pode causar dubiedades’.

“Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender”, escreveu a magistrada em nota de esclarecimento publicada no site da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar). “Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém”, seguiu.

Confira a íntegra da nota de Inês Marchalek Zarpelon
A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.

O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.

A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.

Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.

A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.

Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.

A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.

Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.

O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.

Estadão