Defesa de foro para Flávio é opinião da PGR, dizem especialistas

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Foto: Dida Sampaio / Estadão

Especialistas consultados pelo Estadão apontam que o parecer da Procuradoria-Geral da República contra ação que contesta o foro concedido ao senador Flávio Bolsonaro no caso Queiroz é um documento técnico, uma opinião do órgão que será deverá ser apreciada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Tribunal, aos quais caberá acolher ou rejeitar o pedido da Promotoria fluminense. O caso foi distribuído por prevenção ao ministro Gilmar Mendes, que deve levar o caso para a Segunda Turma da Corte.

A decisão que transferiu para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense a investigação das ‘rachadinhas’ no gabinete do filho 01 do presidente Jair Bolsonaro à época em que era deputado no Rio foi dada em junho, sendo que dias depois o Ministério Público do Estado apresentou ao Supremo reclamação contestando o entendimento.

No mesmo mês, o ministro Marco Aurélio Mello disse ao Estadão que a decisão da Justiça do Rio ‘desrespeitou, de forma escancarada’ o entendimento do STF sobre o alcance do foro privilegiado. Integrantes do STF que pediram reserva também apontam que a jurisprudência da Corte é clara no sentido de que, quando se deixa uma determinada função pública, também acaba o foro garantido por aquele cargo – como no caso de Flávio.

No entanto, em parecer enviado ao STF, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu que a Corte rejeitasse o pedido da Promotoria, alegando que quando o Supremo delimitou a questão do foro privilegiado ‘ficaram a descoberto diversas situações fáticas’, entre elas a de parlamentares eleitos de maneira ininterrupta e para casas legislativas diversas – como é o caso de Flávio Bolsonaro, que emendou o mandato de deputado estadual com o de senador. Além disso, o vice-PGR alegou não há ‘efeito vinculante’ na decisão do STF que restringiu o alcance do foro. “A decisão, com efeito, não foi proferida em sede de controle concentrado. Não vincula os demais órgãos do Poder Judiciário”, afirmou.

O advogado Pierpaolo Cruz Bottini confirmou a indicação de Humberto Jacques sobre o ‘efeito vinculante’: “É uma orientação relevante (do STF sobre o foro privilegiado), mas deixa espaço para que juízes e tribunais modulem o entendimento diante da diversidade de casos concretos”, disse. O constitucionalista e criminalista Adib Abdouni também aponta que a decisão do Supremo não obriga diretamente que os demais juízes e tribunais acompanhem o entendimento sinalizado, questão que, segundo ele, ‘poderia ter sido resolvida mediante a edição de verbete sumulado vinculante’.

Segundo o advogado Diego Henrique, associado ao Damiani Sociedade de Advogados, o parecer do Ministério Público Federal é levado em consideração pelos magistrados na formação de seus convencimentos, assim como toda a argumentação apresentada pelas partes, mas ‘não há qualquer preponderância’ de tal opinião. Ele explica: “O parecer é meramente opinativo e não vincula o julgador. A Procuradoria-Geral da República exerce, nesse caso, a função de fiscal da lei. Basicamente o órgão faz uma análise legal do caso e emite seu parecer técnico. Ele não é parte, não exerce sua função mais comum que é a de acusação”.

Na mesma linha, o criminalista Conrado Gontijo indica que o documento na verdade é uma opinião do órgão que deverá ser apreciada pelos ministros do Supremo. Em sentido contrário do alegado por Humberto Jacques, ele opina: “O fato é que, em minha visão, diferentemente do que consta do parecer, a decisão de manter o foro por prerrogativa de função de Flávio Bolsonaro contraria a orientação do STF. Com efeito, de acordo com decisões recentes da corte, somente se justifica o foro se os fatos investigados foram praticados durante o mandato e tem relação com ele. Cessado o mandato, cessa a razão de ser do foro. Parece-me que foi exatamente isso que aconteceu”.

A visão é compartilhada por Abdouni, que argumenta que o julgamento do Supremo em 2018 sobre o tema afirmou ‘de forma induvidosa’ que o foro privilegiado por prerrogativa de função se aplica ‘apenas e tão-somente’ aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. “O fato do ex-deputado estadual ter alcançado a vaga de Senador não se mostra capaz de conferir-lhe interpretação diversa, casuísta, tampouco justificaria que a Corte Suprema revisse o entendimento formalizado, sob pena de causar insegurança jurídica”, diz.

“A via recursal aberta confere a evidente possibilidade de reversão do que decidido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, eis que sua manifesta dissonância revela inexistir justificativa razoável para criar-se, diante um caso específico, interpretação outra acerca do alcance ampliado do foro privilegiado”, defende ainda o advogado.

O ex-juiz, advogado criminalista e membro do Instituto de Garantias Penais Marcelo Bessa criticou o documento subscrito por Humberto Jacques: “O parecer enviado pela PGR põe em xeque todas essas decisões e traz uma insegurança jurídica enorme em uma questão que é essencial em uma ação penal, que é saber qual é o juiz ou o tribunal competente para se julgar determinada pessoa. Na verdade, o parecer da PGR rediscute de forma abrangente o que foi decidido na AP 937 e vem gerar mais uma vez perplexidade na comunidade jurídica”.

Estadão