Despenca participação de menores nas eleições

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Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

A participação de eleitores com 16 e 17 anos de idade no pleito municipal de novembro será a menor em uma eleição brasileira desde 1990, após o voto facultativo ser instituído na Constituição de 1988. Os dados foram levantados pelo GLOBO a partir de estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e só não consideram a disputa para presidente de 1989 porque não há informações públicas sobre a distribuição do eleitorado por idade naquele ano.

Estão aptos a votar este ano pouco mais de 1 milhão de eleitores desse grupo etário, número 55% menor que o contabilizado em 2016. Esses jovens representam 0,7% do eleitorado contra 1,6% na última eleição municipal. Há 30 anos, eram 3,5% dos votantes. A redução foi a maior da série histórica e ocorreu em ritmo maior que a variação dessa população no mesmo período. De acordo com dados do IBGE, o total de jovens de 16 e 17 anos encolheu 9,5% no país em quatro anos.

A baixa adesão já era observada nos últimos anos, mas se intensificou em 2020 devido à pandemia de Covid-19, na avaliação da Justiça Eleitoral e de pesquisadores. Isso porque o prazo para emissão de títulos de eleitor acabou em maio, quando diversos estados já adotavam medidas de isolamento social, reduzindo o atendimento em parte dos cartórios eleitorais.

Cientista político e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Julio Aurelio defende que a Justiça Eleitoral deveria ter ampliado o prazo para o alistamento, após adiar a data das eleições. Para o estudioso das manifestações de junho de 2013, no entanto, para além do impacto da pandemia, o dado reforça uma tendência dos últimos pleitos: a desmobilização juvenil tem relação direta com a falta de respostas da classe política à agenda dos protestos nas ruas do país ocorridos há sete anos.

— Há um erro nas análises de junho de 2013 que creditam ao movimento a eleição do presidente Jair Bolsonaro. É o contrário. Foi a falta de resposta a junho de 2013 que trouxe Bolsonaro. A corrupção é um problema fundamental, denunciado por junho de 2013. Mas aqueles jovens não estavam contra a democracia — enfatiza o cientista político.

Julio Aurelio avalia que a juventude não se encantou com o “republicanismo conservador” de Bolsonaro, mas também não encontra lideranças democráticas nas quais enxergue a ética pública, tema presente segundo ele em diversas mobilizações no país e no mundo, como o antirracismo.

— O bolsonarismo se apropriou do discurso anticorrupção, mas aponta para menos transparência e está se esgotando. O que os jovens estavam dizendo em 2013 é que a democracia precisa se tornar republicana. Enquanto não se tornar, vai ser suscetível a movimentos autoritários. Hoje a sociedade ficou sem referência política. Isso devia ser considerado por atores políticos preocupados com a democracia. Precisamos de formação de lideranças políticas democráticas através da ética pública, de uma campanha civilista como a de Rui Barbosa há 100 anos.

Pesquisadora do Centro de Estudos do Comportamento Político da UFMG, Myla Freire destaca que é preciso considerar o envelhecimento da população brasileira, mas também explica que uma parcela significativa dos jovens não se identifica com a forma tradicional de fazer política, por meio da vida partidária, e costuma se mobilizar a partir de causas, como o direito à cidade e à igualdade de gênero e raça.

— Essa juventude nasceu em uma democracia, mas, na maioria dos casos, em momento algum foi educada sobre os mecanismos de participação desse regime político, sobre como o Estado brasileiro se organiza ou sobre a importância do exercício da cidadania. Os jovens precisam ser vistos como atores políticos que são e certamente também devem ser educados para isso.

A pesquisadora concorda que a Justiça Eleitoral deveria ter ampliado prazos e atuado para garantir uma participação maior de jovens.

— Pesquisas já têm evidenciado os resultados da atual pandemia sobre o aprofundamento de determinadas desigualdades, como a educacional. E aí também se revela a desigualdade política, sobretudo porque as desigualdades socioeconômicas repercutem na esfera política. É muito difícil imaginar que uma pessoa que esteja desesperada para pagar as contas no fim do mês ou que tenha perdido um emprego se preocupe na mesma proporção com a vida política do que outra sem essas mesmas preocupações — diz Myla Freire.

Moradora de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, a estudante do 1º ano do ensino médio Anna Beatriz Lima Ferreira está entre os adolescentes que não conseguiram tirar o título de eleitor para votar este ano. Ela conta que tentou durante duas semanas acessar e preencher o formulário no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, mas não conseguiu. Devido à pandemia, essa era a única forma de obter o título porque o atendimento presencial foi suspenso nos postos do TRE. O prazo para tirar o título era 6 de maio.

— Entre meus amigos quase todos não são ligados em política e na eleição, não há muito interesse. Para mim é importante. A gente vê os problemas que temos por aqui, onde moro. Educação é a área que mais me interessa e ajudaria a definir meu voto, mas não vou poder participar — lamenta a estudante.

Vitoria Mosciaro, de 17 anos, da Praça Seca, no Rio, também não tirou o título porque não conseguiu agendamento para um cartório próximo de sua residência.

— Gostaria de ter a possibilidade de participar. Confesso que antes eu não tinha muito interesse no assunto, mas agora estou entendendo mais e conseguindo criar minha própria opinião sobre. Como estou ficando muito tempo em casa, eu costumo a assistir mais jornal do que antes, então me acostumei a ver e a também acompanhar para ver se os problemas públicos terão alguma resolução.

Em nota, o TRE do Rio ressaltou que a pandemia provocou a suspensão do atendimento presencial a partir de março e que a Justiça Eleitoral teve que criar um novo modelo, de atendimento remoto, para viabilizar o alistamento. Também lembrou que houve instabilidade em todos os sites dos tribunais que integram a Justiça Eleitoral porque houve alta procura nos dias que antecederam o fechamento de cadastro.

Na década de 1980, o voto aos 16 foi uma reivindicação do movimento estudantil, que conseguiu incorporar o direito na Constituição a partir de uma emenda do então deputado Hermes Zanetti (PMDB-RS). Atual presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), organização que teve papel central na mobilização, Rozana Barroso defende que a exclusão digital dificulta o acesso de jovens nessa faixa etária ao primeiro título, já que a internet é usada para o alistamento, mas também atribui a redução de eleitores aptos a votar a um sentimento de aversão à política.

— É normal que os jovens tenham aversão à política, que achem que é um meio de enganação. Temos um presidente da República que não tem partido. Isso faz com que o jovem pense que a política não serve para nada, que não é um meio de transformação. Além disso, quantas meninas negras e LGBTs não se veem na política? Quando falamos dos políticos, estamos falando de uma maioria formada por homens mais velhos e brancos.

O Globo