Eleições municipais acordam sucessão presidencial

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A despeito de ainda haver um longo percurso de dois anos e de, para muitos, as eleições municipais não terem efeito nas eleições gerais, alguns dos principais nomes cotados para a disputa presidencial de 2022 se movimentam para testar forças e projetos no pleito de novembro.

O presidente Jair Bolsonaro, hoje sem partido, adota uma postura errática, ora indicando apoio a alguns aliados, ora reforçando promessas de que passará ao largo das eleições de prefeitos e vereadores, pelo menos no primeiro turno.

Alguns de seus principais adversários, porém, traçaram metas mais definidas, de acordo com dezenas de políticos ouvidos pela Folha nos últimos dias.

O PT, principal partido de oposição, tenta se reerguer do tombo de quatro anos atrás, quando foi o que mais perdeu votos e influência, na esteira do impeachment de Dilma Rousseff, e afirma ter dobrado o número de candidatos a prefeito, com foco nas capitais e grandes cidades.

Apesar disso, assiste à tentativa de descolamento de parte da esquerda. O PSB formou com o PDT de Ciro Gomes (CE) uma aliança para chapas conjuntas em várias cidades, incluindo Rio de Janeiro —esta com participação também da Rede Sustentabilidade de Marina Silva.

Em ação parelela ainda na esquerda, o governador Flávio Dino (MA) luta para conseguir nas urnas elevar seu capital político e o de seu partido, o pequeno PC do B, tendo como prioridade a eleição de Manuela D’Ávila (vice da chapa presidencial do PT em 2018), em Porto Alegre, e Rubens Pereira Júnior, em São Luís.

Até agora o principal oponente de Bolsonaro na centro-direita, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), tem como meta manter ou ampliar a hegemonia dos tucanos em seu reduto eleitoral, São Paulo, onde comanda um terço das prefeituras, e no país, tendo em 2016 conquistado administrações que somavam 24% da população brasileira.

Cotados para a corrida presidencial de 2022, o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro de Bolsonaro Sergio Moro e o apresentador da TV Globo Luciano Huck mantêm-se publicamente a distância das eleições de novembro, embora venham participando e se manifestando regularmente sobre questões políticas.

Por causa do novo coronavírus, as eleições municipais deste ano (para escolha de prefeitos e vereadores) foram adiadas para os dias 15 (primeiro turno) e 29 de novembro (segundo). As presidenciais ocorrerão em outubro de 2022.

“O PT vai disputar as eleições nos principais centros políticos do país. Esse dado é totalmente diferente do que ocorreu em 2016”, afirma o deputado federal José Guimarães (CE), responsável pelo grupo de organização das eleições no partido.

“O dado significativo é que eles não conseguiram matar o PT. O PT pode, sim, ter um resultado eleitoral que surpreenda o país.”

Entre as apostas da sigla está novamente a deputada Benedita da Silva, no Rio de Janeiro, Marília Arraes, no Recife, e Denice Santiago, em Salvador. A candidatura de Jilmar Tatto, em São Paulo, sofre resistência de parte dos apoiadores, que têm manifestado adesão à chapa de Guilherme Boulos e Luiza Erundina, do PSOL.

“É claro que ganhar a eleição neste ano, para nós, do PT, é um gigantesco passo para quem tem perspectiva de voltar o poder. Mas depende de tanta coisa que está cedo para fazer prognóstico para 2022”, diz Guimarães.

O partido mantém tentativas na Justiça para derrubar as sentenças que impedem uma candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de ter Fernando Haddad, candidato em 2018, como uma das opções para daqui a dois anos

Apostando em relação mais evidente entre 2020 e 2022, PSB e PDT estão formando dobradinhas para as disputas de São Paulo (Márcio França, do PSB), Rio (Bandeira de Mello, da Rede, ou Martha Rocha, do PDT), Recife (João Campos, do PSB), Porto Alegre (Juliana Brizola, do PDT) e Fortaleza (candidato do PDT, escolhido pelo grupo de Ciro).

A aliança, se der resultado, é embrião para a tentativa de uma candidatura em 2022 que rompa com a hegemonia do PT na esquerda.

“As forças que estão se aproximando podem estar juntas, e espero até que estejam [em 2022]. Vai criando um polo diferente do PT, à esquerda”, diz o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

“Como temos a compreensão de que 2022 passa por 2020, trabalhamos para uma aliança exitosa em 2020 que também possa vir a ser em 2022”, afirma o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE).

Para Pedro Ivo Batista, porta-voz nacional da Rede, o reflexo da atual eleição para daqui a dois anos tem que ser o de barrar o avanço do bolsonarismo e da extrema-direita.

Na centro-direita, o desempenho do PSDB, que tem hoje em Doria um de seus caciques, é visto como crucial para fortalecer ou arrefecer as pretensões presidenciais do governador.

“Esperamos conseguir manter e até ampliar o resultado”, diz o deputado federal Beto Pereira (MS), secretário-geral do PSDB.

A prioridade clara é a reeleição de Bruno Covas, na capital paulista, em uma queda de braço que levantou especulações até de uma inusitada é tácita dobradinha entre Márcio França, candidato do oposicionista PSB, e Bolsonaro, que tem hoje em Doria um de seus principais adversários.

Além da capital paulista, os tucanos tentam a vitória em Boa Vista, com a deputada federal Shéridan, e as reeleições em Porto Alegre (Nelson Marchezan Jr.), Palmas (Cinthia Ribeiro) e Natal (Álvaro Dias).

A Folha procurou Huck e Moro. O ex-juiz federal disse, por meio de sua assessoria, estar concentrado na vida acadêmica e na recolocação profissional. “Por isso, não penso em participar ou endossar candidaturas neste ano. Além disso, acredito que o foco de 2020 deve ser o combate à pandemia e a discussão sobre a recuperação econômica, e não sobre as eleições de 2022.”

Aliados dizem que o ex-ministro tomará sua decisão, como previsto, no ano que vem. “Estamos aguardando o tempo dele. Se eu fosse ele, resolveria no fim do ano que vem. É melhor, pela onda política”, diz a deputada Renata Abreu (SP), presidente do Podemos, um dos possíveis destinos de Moro.

Já Huck não se manifestou. Em live de que participou na última segunda-feira (24) ao lado da professora de direito e comentarista Gabriela Prioli, colunista da Folha, o apresentador citou um ponto que, segundo aliados, o faz ter dúvidas sobre se tornar candidato.

“O que me incomoda hoje na política é a desconstrução do outro, ou seja, se você não pensa como eu, você não pertence a esse planeta, você não tem o direito de falar.”

Apesar disso, em uma hora de live, Huck empilhou uma séries de impressões sobre o que o Brasil precisa para dar certo, discorrendo da educação da Coreia do Sul ao desconhecimento da Faria Lima sobre os reais interesses do povão, pensamentos pontuados com frases que soam como slogans de campanha.

“Estou sentindo isso ao conversar com as pessoas. As pessoas querem voltar a ter o direito de sonhar, querem ter esperança. E para isso tem que ter projeto”, disse, criticando salvadores da pátria com discursos de “sou muito macho, bato em todo mundo”.

“A nossa missão é voar acima dessa camada de polarização, dessa camada que só quer brigar, e explicar às pessoas o que é a política”, afirmou o comunicador.

“Acho que ele está atravessando a rua”, opinou, não necessariamente falando da live, Roberto Freire, presidente do Cidadania, um dos partidos simpáticos ao apresentador.

Folha de SP