Lava Jato acusa Aras de ser instrumentalizado

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Foto: Reprodução/ Veja

A postura do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, dando declarações nos últimos dias que colocam em dúvida a continuidade da Operação Lava Jato, representa mais uma tentativa do sistema político para enfraquecer tanto a foça-tarefa, como o Ministério Público. Essa é a opinião do ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que integrou a Lava Jato em Curitiba até 2018.

Para ele, desde a escolha de Aras fora da tradicional lista tríplice, é possível constatar que o atual procurador-geral mostra desprezo pela cultura institucional do Ministério Público, não está capacitado para o cargo e é mais um mecanismo na tentativa de enfraquecer o órgão e a Operação Lava Jato.

“Augusto Aras é apenas um mecanismo a mais, uma engrenagem a mais nessa história toda, no sentido de que ele, até pela sua natureza de advogado e não de procurador da República, não tem nenhuma vinculação com o novo Ministério Público, da Constituição de 88. Nosso momento é grave e nós estamos em risco, inclusive de uma submissão talvez, do único órgão que restou depois que a Polícia Federal foi submetida também ao controle político – o último órgão que restou com alguma independência em relação ao sistema político, que era o Ministério Público”, afirma o ex-procurador.

Em entrevista à coluna, Carlos Fernando dos Santos Lima afirma também que o presidente Jair Bolsonaro cometeu estelionato eleitoral e que o ex-juiz Sergio Moro foi ingênuo ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça do governo.

“Bolsonaro encampou, na minha opinião, um estelionato eleitoral evidente, o combate à corrupção chegou a enganar o próprio Sergio Moro, que aceitou sair de uma carreira de mais de 20 anos como magistrado, talvez prestes a ser promovido a desembargador, acreditando que haveria mudanças efetivas no combate à corrupção. Infelizmente, eu acho que foi uma ingenuidade”, analisa.

O ex-integrante da Lava Jato destaca ainda que a “tentativa em curso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)”, para, segundo ele, afastar o procurador natural da Lava Jato, Deltan Dallagnol, em agosto, dirá que tipo de Ministério Público o país terá daqui para frente. Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Carlos Fernando:

Considerando as recentes declarações a respeito da Lava Jato, como você está vendo a condução de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República?

Carlos Fernando dos Santos Lima – Nós estamos vendo agora uma articulação de todo o sistema, que começa com a eleição de Bolsonaro e a renovação do Congresso, não uma renovação no sentido positivo, apenas uma troca de nomes muito forte que aconteceu em 2018 no Congresso Nacional. Esse momento [2018] é um divisor de águas, não só pelo enfraquecimento da Operação Lava Jato com o que aparentemente seria uma vitória – mas na verdade não é –, com a eleição de Bolsonaro. A operação nunca mostrou interesse político em Bolsonaro ou em qualquer outro candidato. Nós internamente éramos bastante divididos, inclusive no Ministério Público, não sei em outras instituições, a respeito dos candidatos que cada um preferia. Em 2018, o sistema percebeu, no caso eu falo pelas principais lideranças que estão no Congresso Nacional, mas também no Supremo Tribunal Federal (STF), de que essa forma de fazer política, esse sistema político que vem se consolidando na nova república, estava seriamente ameaçado. Eles entraram num modo de completa reação independente, inclusive da opinião pública, no sentido de que era preciso fazer alguma coisa para estancar a sangria, aquela velha frase do [ex-senador Romero] Jucá. Nesse caso, eles estão fazendo qualquer coisa, sacrificando inclusive a instituição do Ministério Público Federal, não só pessoas, como Deltan Dallagnol, perseguindo o Sergio Moro, tentando trazer nulidades para a operação, mas sacrificando o próprio modelo constitucional do Ministério Público. E isso é bastante preocupante. E Augusto Aras é apenas um mecanismo a mais, uma engrenagem a mais nessa história toda, nesse mecanismo todo, no sentido de que ele, até pela sua natureza de advogado e não de procurador da República, não tem nenhuma vinculação com o novo Ministério Público, da Constituição de 88. Então, nosso momento é grave e nós estamos em risco, inclusive de uma submissão talvez, do único órgão que restou depois que a Polícia Federal foi submetida também ao controle político, o último órgão que restou com alguma independência em relação ao sistema político, que era o Ministério Público.

Como o senhor viu a decisão do ministro Edson Fachin, do STF, na última segunda-feira, 3, que proíbe o compartilhamento de dados entre as forças-tarefa da Lava Jato e a PGR?

Carlos Fernando dos Santos Lima – Primeiro, ela está tecnicamente correta. O que nós temos visto muito no Brasil, isso é uma outra crítica que eu faço, é uma superposição exagerada do STF em relação ao próprio sistema de justiça. Nós temos tido um abuso de reclamações e de habeas corpus, recursos em habeas corpus para o STF e o STF passou a ser um juiz ordinário das causas. Nós não temos mais todo aquele trâmite que é o que se espera de um sistema judiciário de primeiro grau, de segundo grau, de recurso especial e extraordinário. Agora não, parece que tudo passou a ser diretamente atribuição do Supremo. E o Fachin tecnicamente já teve a primeira restrição nesse segmento, dizendo que não cabia nesse caso qualquer reclamação. Ela é indevida. Quer dizer, buscar diretamente o STF a respeito desse fato. Entretanto, já enfatiza que o MP não tem hierarquia e não cabe a Aras fazer o que ele deseja, de conhecer investigações de outros. Cada um no MP tem as suas investigações, ninguém conhece a dos demais e é assim que deve funcionar.

Mesmo que a Lava Jato não tenha apoiado um candidato, a operação gerou um certo repúdio da população à política como um todo. O Bolsonaro soube nadar no ambiente que havia sido criado e foi eleito. Hoje fica muito claro, pelas medidas que tomou, que ele na verdade não tinha essa bandeira como algo concreto. Há, na sua visão, alguma crítica possível na forma como aconteceu todo aquele período pré-2018?

Carlos Fernando dos Santos Lima – É como se você estivesse me perguntando: você deixaria de fazer alguma coisa por conta de um resultado político? Agir ou não agir resultam em mudanças na situação política brasileira. Então, se a Lava Jato não tivesse feito, nós teríamos uma prevalência talvez de um partido ou grupamento político. Se ela fez, prevalece outro. O que eu sempre digo é que nós não podemos fazer esse julgamento. Assim como a imprensa deve publicar os fatos, a Lava Jato deveria fazer o seu papel independente de quem seria beneficiado. Infelizmente, esse movimento anticorrupção não existiu com a Lava Jato. Existiu em 2013, talvez se iniciou com o Mensalão, mas ele propiciou um ambiente para um outsider. Isso já era previsível e, nessa onda anticorrupção, diversos surfistas tentaram se aproveitar dela e o melhor, sem nenhuma conotação positiva a respeito disso, que surfou foi o que ganhou as eleições. Isso faz parte da democracia. Então dizer que se você pudesse fazer ou não fazer, se você pudesse controlar as circunstâncias, de certa forma soa meio ingênuo e conspiratório. Infelizmente, no nosso sistema de dois turnos é muito difícil você fazer escolhas, especialmente para a população num segundo turno. Bolsonaro encampou, na minha opinião, um estelionato eleitoral evidente. O combate à corrupção chegou a enganar o próprio Sergio Moro, que aceitou sair de uma carreira de mais de 20 anos como magistrado, talvez prestes a ser promovido a desembargador, acreditando que haveria mudanças efetivas, que eram possíveis mudanças no combate à corrupção. Infelizmente, eu acho que foi uma ingenuidade. Existe aquela máxima do barão de Itararé que de onde menos se espera não sai nada. Eu pessoalmente não acreditava em Bolsonaro, mas não votaria em Haddad também. A verdade é que nós fomos empurrados por uma polarização que acontece no mundo inteiro decorrente da internet, que está destruindo as bases políticas de racionalidade, de iluminismo e isso é bastante preocupante. Entretanto, a Lava Jato é apenas uma das causas, talvez, na eleição de Bolsonaro, mas ela não tem responsabilidade pela eleição dele.

Sobre a escolha de Augusto Aras para o cargo de PGR, a questão da lista tríplice influencia de fato nessa postura ou não tem influência nenhuma?

Carlos Fernando dos Santos Lima – Primeiro que ela já demonstra um desprezo completo pela classe porque existe uma cultura institucional. Todas as instituições têm uma cultura. O Ministério Público tem uma cultura democrática muito forte. Eu participei de muitas lutas. Para você escolher as chefias administrativas, existia participação interna no Ministério Público. E a própria forma pela qual ele desprezou o processo de lista tríplice mostra que ele despreza a cultura do Ministério Público. Até a Raquel Dodge, que também não foi uma grande procuradora-geral, tinha legitimidade – pelo menos no momento da sua eleição. Aras não, Aras é um advogado que dava pareceres eventualmente no MP. Ele tem uma banca, ele pensa e age como uma pessoa estranha ao Ministério Público. Então, o que ele está fazendo agora mostra uma falta de compreensão inclusive do que é e como funciona o MP. Ele compartilha algumas ideias de que tem algum tipo de função hierárquica, coisa que é completamente absurda. O Ministério Público tem uma hierarquia administrativa que serve para determinar quem compra o papel higiênico e quem determina as férias dos procuradores, mas nenhuma sobre as investigações. Cada um tem as suas investigações determinadas segundo a lei e é responsável por elas perante a Corregedoria, não perante a Augusto Aras. Então me parece que tudo isso demonstra que Augusto Aras não era capacitado para ser o PGR, efetivamente.

Alguns movimentos indicam que a força-tarefa da Lava Jato pode acabar. Você tem alguma expectativa de que seja diferente o resultado? Isso te preocupa?

Carlos Fernando dos Santos Lima – É bastante preocupante. Na verdade, nós temos agora uma série de eventos que vão dizer que Ministério Público nós temos daqui pra frente. Uma delas, por exemplo, é a tentativa que vai acontecer agora em agosto de afastar Deltan Dallagnol, o procurador natural do caso, responsável pelo caso desde o seu nascedouro. Isso é bastante preocupante porque quando você tem um Conselho Nacional dominado por essa tarefa, porque os membros do CNMP que eram favoráveis a Aras em setembro do ano passado não foram reconduzidos pelo Senado justamente por esse motivo, porque havia uma encomenda de punição a Deltan. Então nós estamos vivenciando diversos momentos em que o Ministério Público estará sendo colocado à prova. Se nós abalarmos esse princípio do promotor natural, abalarmos a independência do Ministério Público, nós estaremos calando o MP daqui pra frente. Qualquer procurador vai saber que está sujeito ao poder político como se fosse aquele velho conceito de que o prefeito pode afastar o procurador da sua comarca, coisa que não deveria, mas existe no Brasil. A manutenção da força-tarefa é um imperativo porque ela tem muita coisa ainda, uma análise, uma peneira mais grossa de tudo o que foi feito. Se Aras não quiser renovar, ele vai ter que se responsabilizar por tudo que não foi feito. Agora, Aras tem se manifestado contra o método da Lava Jato, contra o método de investigações por forças-tarefas, pretendendo retorno, segundo palavras dele, ao bom, natural e velho método de combate à corrupção, que, na minha opinião, significa a volta à impunidade porque, antes das grandes operações, não existia efetividade de qualquer combate à corrupção. Nós precisamos estar atentos. Infelizmente, o Brasil está polarizado, está amortecido pela pandemia, a imprensa trata tudo como guerra de versões simplesmente. Nós estamos vivenciando um momento muito difícil para o MP. As pessoas podem até não gostar do Deltan – alguns não gostam porque ele é evangélico, outros não gostam pela forma como ele se coloca, mas nenhum desses fatos é suficiente para afastá-lo das investigações. Isso é muito importante que seja enfatizado porque os fatos reais são aqueles fatos que estão no procedimento. Eles são tão ridículos, que nem sequer explicitados de fato eles são.

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