Pandemia piora cardápio dos brasileiros

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Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Antes da pandemia, Monica Ferreira da Silva, de 50 anos, tinha o hábito de comprar queijo, frutas e verduras. O filho mais novo, de 10 anos, fazia ao menos três refeições por dia na escola municipal do Rio. Banana, que ele adora, sempre tinha, além de pão integral, leite e achocolatado. Com a crise de saúde global, os armários e a geladeira esvaziaram. “Não entram mais essas coisas porque não tem como comprar.”

Ela não está sozinha nessa dificuldade. Um em cada cinco brasileiros relata não ter conseguido comprar alimentos durante a quarentena, segundo pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgada na terça-feira, 25. Dificuldades financeiras e de acesso à merenda escolar influenciam esse quadro, dizem especialistas.

Em maio do ano passado, Monica perdeu a mãe, que bancava a casa. Para dar conta das despesas, trabalhou como diarista, vendia bolos e empadas, mas a pandemia do novo coronavírus atrapalhou. As despesas aumentaram com a permanência do caçula em casa, diante das aulas suspensas.

O filho mais velho, de 26 anos, teve de parar de dar aulas de jiu jitsu, o que resultou em menos dinheiro ainda. A família tenta sobreviver com o auxílio emergencial do governo, que está atrasado, e com a doação de amigos.

“Uma amiga ajudou, deu R$ 100. Outro amigo emprestou mais R$ 100 e vou fazendo compras, pago as contas”, relata Monica, que nesse período recebeu duas cestas básicas de doação, uma em maio e outra em junho. “Antes, a gente não tinha preocupação. Tinha carne moída para fazer com batata, cenoura. Isso não tenho mais. Se compro, tem de ficar dosando para durar uma semana. Compro frango, que é mais barato.”

Quando a comida é pouca, ela deixa para os filhos e se alimenta com mingau. Durante a pandemia, chegou a ter só arroz e água na geladeira. Na terça, Monica, ainda havia manteiga e um litro de leite na casa.

Já na zona leste de São Paulo, Cicera Bezerra da Silva, de 30 anos, está desempregada. O marido faz bicos como ajudante de pedreiro e o filho de 6 anos está em casa. A família mora em São Mateus, na periferia, e há cinco meses não tem renda fixa: só o auxílio emergencial. “Antes da pandemia, era bom. Graças a Deus, nunca comemos sem mistura (carne), mas depois começamos a comer sem. Às vezes falta e antes não faltava”, conta.

Por seis meses, receberam doação de cestas básicas de uma igreja. Se antes a criança tomava até cinco mamadeiras por dia, hoje é só uma, complementada com a comida que dá para comprar. Só entram o essencial e o mais barato: arroz, feijão, ovo e salsicha – este último eles nem gostavam de comer.

O consumo maior de alimentos processados, alertam especialistas, pode elevar as taxas de obesidade infantil. Além disso, faz aumentar o risco de diabete e doenças cardiovasculares.

Mesmo com as dificuldades, Cicera, que não foi alfabetizada, tenta ajudar outras famílias do bairro. “Se a vizinha não tem alguma coisa, dou. Se na minha casa não tem, peço.” Ainda sem boas perspectivas, ela mantém a esperança de distribuir sacolinhas de Natal para as crianças da vizinhança. “Se Deus quiser, vai dar certo. Esse está mais difícil, mas vai dar.”

Segundo a pesquisa do Unicef, a dieta do brasileiro também piorou: um terço (31%) das famílias que têm crianças e adolescentes afirma que aumentou o consumo de produtos industrializados, como macarrão instantâneo e biscoito recheado. Nesse grupo, 20% relatam exagero no fast-food, como hambúrgueres.

A autônoma Jordanna Ferreira, de 30 anos, explica que tenta manter o equilíbrio na dieta da filha, mas alguns alimentos industrializados aparecem entre uma refeição e outra. “Em casa, vamos no básico mesmo, arroz, feijão, macarrão e ovo – que é algo que ela ama e come, praticamente, todos os dias’, diz ela, de Fortaleza.

Jordanna conta que a filha estudava em escola de tempo integral. Com a pandemia e mais tempo em casa, precisou driblar o tempo para conciliar trabalho e cuidados com a pequena. “No começo, tive um medo maior do que estava por vir, não sabia como iria ficar o abastecimento de alimentos e a questão financeira também me assustou. Afinal, a alimentação na escola já estava incluída na mensalidade. Comprei vários enlatados no início da pandemia e agora tenho um estoque pequeno, mas costumo usar em último caso, quando não estou com tempo para preparar uma carne ou frango.”

Estadão