Vítimas de “cura gay” denunciam abusos

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Getty Images / Getty Images

Quando Mike Dorn disse a seus pais que era gay, aos 15 anos, eles tentaram converter sua orientação sexual enviando-o para um acampamento cristão na Califórnia por três meses, onde disseram que ele iria para o inferno. O jovem foi forçado a cavar buracos e era empurrado se desobedecesse às ordens. O trauma de Dorn veio à tona quando ele ficou confinado em sua casa por semanas durante um bloqueio causado pela Covid-19 nos Estados Unidos, em junho, e decidiu compartilhar sua história aplicativo TikTok.

“Eu estava passando por um período muito sombrio estando em casa o tempo todo e sabia que precisava falar sobre isso. Muitas pessoas estavam me enviando mensagens e era essa forma de amor, apoio e família que eu nunca experimentei antes”, disse o intérprete de língua de sinais de 30 anos, cujos vídeos foram vistos 1 milhão de vezes, com milhares de comentários de apoio.

O jovem faz parte de um número crescente de americanos que compartilham suas experiências da chamada terapia de conversão sexual, conhecida no Brasil como como “cura gay”, no aplicativo, em meio a esforços crescentes para proibir a prática, com Canadá, Grã-Bretanha, Israel e México entre os países que refletem sobre as proibições.

Os TikTokers ficaram surpresos com a resposta de centenas de outros sobreviventes e jovens que temem ser forçados a se submeter à prática secreta, que é ilegal para menores em 20 estados dos EUA depois que a Virgínia a baniu em março. Quase 700 mil americanos passaram por terapia de conversão, metade quando menores de 18 anos, de acordo com o Instituto Williams da UCLA, que pode variar de “aconselhamentos” LGBTfóbicos a choques elétricos.

Dorn disse que metade das cerca de 600 mensagens que recebeu no aplicativo eram de sobreviventes da ‘terapia’ de conversão sexual em países como a Grã-Bretanha, México e Indonésia, a maioria dos quais passaram pela adolescência. Várias pessoas, incluindo uma nos Estados Unidos, disseram que receberam choques elétricos enquanto olhavam para imagens do mesmo sexo, algumas delas eróticas.

“Eu não pensei que realmente existisse, porque essa é uma forma extrema de tortura. Pode ser difícil para as pessoas LGBT+ encontrarem apoio quando suas famílias desejam mudar sua sexualidade ou identidade de gênero, ou para lidar com a depressão que geralmente resulta da ‘terapia’ de conversão”, disse Dorn, cujos pais o trancaram em seu quarto por cerca de três meses depois que ele voltou do acampamento.

Shannon Minter, diretora jurídica do Centro Nacional dos EUA para os Direitos das Lésbicas (NCLR), pontua que recebe em média três pedidos de ajuda por ano.

“É muito difícil para os jovens que estão sendo colocados em terapia de conversão, ou ameaçados com essa prática, chegar a alguém”, disse a especialista, que tem ajudado sobreviventes com assistência jurídica e aconselhamento desde 1993.

Para o especialista, é um “milagre” sempre que uma criança nessa situação consegue obter ajuda legal, acrescentando que, embora fosse difícil removê-los legalmente de seus pais, o NCLR teve sucesso em todas as situações em que estava diretamente envolvido.

Embora filmes como “Boy Erased”, de 2018, estrelado por Nicole Kidman e Russell Crowe, estejam ajudando a aumentar a conscientização sobre os danos causados pela terapia de conversão, Minter disse que sua popularidade não está diminuindo nos Estados Unidos.

“Ainda há muitos pais que não querem que seus filhos cresçam para serem LGBT+”, disse ele.

Uma pesquisa do Williams Institute descobriu que 81% dos sobreviventes da terapia de conversão nos EUA foram submetidos a ela por um líder religioso e 31% por um provedor de saúde. As proibições legais dos EUA abrangem apenas profissionais de saúde, não profissionais religiosos.

Depois que sua namorada terminou com ela, Merry culpou sua orientação sexual – o que contribuiu para o fracasso do relacionamento – nos esforços de um conselheiro da igreja para torná-la heterossexual quando ela tinha 17 anos. Então ela foi para o TikTok, onde se sentiu anônima.

“Eu estava em um lugar muito escuro e realmente senti que não tinha nenhuma pessoa física a quem recorrer”, disse Merry, uma estudante de música de 20 anos do estado da Geórgia, no sul dos Estados Unidos, que se recusou a publicar seu nome completo.

Um de seus vídeos, “Como sobreviver à terapia de conversão, parte um”, foi assistido mais de 500 mil vezes desde dezembro e ela recebeu mensagens de cerca de 50 adolescentes em risco de terapia de conversão e 20 sobreviventes, desde adolescentes até adultos. Merry disse que um conselheiro da igreja a forçou a colocar a mão em uma tigela de gelo até derreter enquanto falava sobre seus “pensamentos homossexuais”.

Depois de postar sua história no TikTok, Merry começou a receber cerca de seis mensagens de adolescentes todos os dias. “São relatos aterrorizantes de algumas crianças nas quais acabei procurando uma intervenção legal para tirá-los de lá”, disse ela. Uma menina em Nova York, onde a terapia de conversão para menores é proibida, disse que sua tia e seu tio queriam levá-la para outro estado para tratamento. Merry disse que contatou os serviços de proteção à criança, que enviaram a menina para morar com outros parentes. Ela também foi contatada por um jovem gay de 18 anos que morava em sua cidade e cujo pastor estava tentando fazer com que ele suprimisse sua atração por homens. Merry deu apoio ao adolescente e agora eles freqüentam a mesma igreja LGBT+.

Enquanto isso, Dorn disse acreditar que mais sobreviventes da terapia de conversão deveriam se manifestar para garantir que ela seja proibida.

“Quanto mais contamos nossas histórias, mais educamos as pessoas que nem mesmo percebem que isso está acontecendo. Nossos relatos podem levar a políticas públicar, e esperançosamente, proibições totais”, disse ele.

O Globo