Bolsonarista que chefia OEA lima brasileiro de Comissão de Direitos Humanos

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Foto: Anna Carolina Negri/Valor / Agência O Globo

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) anunciou nesta quinta-feira que irá desistir da nomeação do brasileiro Paulo Abrão para um novo mandato à frente de sua Secretaria Executiva. A renovação do mandato de Abrão havia sido rejeitada porLuis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), desencadeando questionamentos sobre a independência do conselho e uma disputa de poder que se estendia desde o fim de agosto.

A comissão anunciou sua decisão de convocar um novo concurso para o cargo de secretário executivo, e, no comunicado, reafirmou a necessidade de garantir a autonomia e a independência do órgão. Abrão, que atuou como presidente da Comissão da Anistia durante os mandatos de Lula e Dilma Rousseff, estava na Secretaria Executiva desde 2016.

Em janeiro deste ano, Abrão teve sua recondução a um segundo mandato de quatro anos aprovada de modo unânime pelos sete comissários da CIDH, eleitos pela Assembleia Geral da OEA. No dia em que o primeiro contrato do brasileiro expiraria, no entanto, Almagro anunciou que não iria prorrogá-lo. Entre as justificativas, o secretário-geral citou um relatório sigiloso com denúncias de assédio moral feitas por funcionários da CIDH e violações de conduta contra Abrão e pessoas ao seu redor.

A decisão provocou protestos da própria CIDH, de ex-dirigentes da comissão e de centenas de organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, que a viram como uma tentativa de interferir na autonomia do órgão. Apesar de fazer parte da OEA, o conselho é autônomo e exerce papel central no monitoramento e no combate a violações dos direitos humanos na região desde que foi fundado, há 61 anos.

Antes de assumir a liderança da CIDH, Abrão foi secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Mercosul (2011-2014) e secretário nacional de Justiça (2011-2014). Entre 2007 e 2016, liderou a Comissão de Anistia, responsável pelas políticas de reparação e memória às vítimas da ditadura militar brasileira. Durante seu mandato à frente da comissão, destacam-se investigações sobre violações de direitos humanos em países como Chile, Equador e Bolívia.

A disputa na CIDH é mais um retrato da polarização política no continente: Almagro foi reeleito para mais cinco anos à frente da OEA em março, com o apoio de países do continente com governos de direita, como Estados Unidos, Brasil e Colômbia. Na última quarta, foi anunciado que Arthur Weintraub, assessor especial da Presidência do Brasil e irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, deixará o governo para assumir um cargo na OEA, ideia que já circulava em Brasília e Washington.

Em abril do ano passado, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai elaboraram uma carta demandando que a comissão “respeitasse a autonomia dos Estados”, algo visto como uma tentativa de limitar o seu trabalho. Após a chegada do peronista Alberto Fernández ao poder, no ano passado, Buenos Aires se distanciou desse bloco. O Equador e o governo interino da Bolívia, no entanto, se juntaram ao grupo, mesmo que sem assinar a carta.

Sob pressão internacional, Almagro disse se basear em relatório sigiloso elaborado pela ombudsperson da OEA, Néida Perez, que, segundo ele, reúne 61 denúncias contra Abrão e sua gestão, incluindo casos de assédio moral e irregularidades de contratação, driblando o processo seletivo do órgão. Segundos fontes ouvidas pelo GLOBO, vários funcionários teriam abandonado a CIDH em razão do acosso.

No entanto, o timing do relatório, entregue a cinco dias do fim do mandato de Abrão, gerou desconfiança em organizações internacionais. Segundo a CIDH, o teor confidencial do trabalho da ombudsperson dificulta o conhecimento da natureza das denúncias, traçando apenas um panorama geral. Como Pérez não tem poder formal de investigar as denúncias, críticos afirmam que aceitar o relatório sem que houvesse um processo formal para apurar as denúncias vai contra o princípio de presunção de inocência do brasileiro.

Até que um sucessor seja

O Globo