Bolsonaristas arrependidos desequilibrarão eleição de 2020

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Foto: ADRIANO MACHADO / Reuters

Eles votaram em Jair Bolsonaro em 2018, principalmente para evitar a vitória do PT, mas agora não querem saber do presidente: os “arrependidos” de 2018 se transformaram em um grupo de eleitores essencial para a estratégia das principais campanhas à Prefeitura de São Paulo. Estrategistas acreditam que o grupo, formado principalmente por eleitores de bairros de classe média e com ensino superior, pode servir de fiel da balança na capital paulista. Apesar de negar que vá participar da campanha no primeiro turno, Bolsonaro atua para fortalecer a candidatura de Celso Russomanno (Republicanos).

Segundo o Datafolha, em dezembro de 2019, 36% da população com diploma de ensino superior classificou o governo Bolsonaro como ruim ou péssimo. Oito meses depois, o índice subiu 11 pontos percentuais, para 47%, em agosto. A mudança na visão do presidente é importante porque foi esse o eleitor responsável por dar a vitória a Jair Bolsonaro na capital paulista há dois anos.

O bairro de Indianópolis, onde fica a 258ª Zona Eleitoral na cidade, na Zona Sul, é o maior exemplo dessa mudança. Lá, o presidente Jair Bolsonaro obteve o seu melhor resultado na cidade, com 76% dos votos na região. Na cidade como um todo, ele recebeu 55% dos votos na cidade como um todo.

Contudo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, esses bairros também reúnem uma proporção acima da média de eleitores com ensino superior. Em Indianópolis, 44% dos eleitores completou a faculdade, o grupo que mais se afastou do governo durante a pandemia. A aprovação de Bolsonaro se manteve estável, sobretudo, graças aos ganhos entre a população mais pobre.

— Esse perfil de eleitor de classe média alta se assustou com o Bolsonaro. É um eleitor que não ia votar nele a princípio, votaria no João Amoedo, no Henrique Meirelles, no Geraldo Alckmin. Votaram no Bolsonaro depois da facada ou quando ele apareceu como alguém que poderia derrotar o PT. Mas não é o eleitor médio do Bolsonaro, o saudosista dos anos 60 e 70, louco por segurança pública. Ele ficou assustado com o Bolsonaro e está até agora — afirma Renato Dorgan, sócio do Instituto Travessia, que realiza pesquisas políticas quantitativas e qualitativas.

Segundo marqueteiros ouvidos pelo GLOBO, a influência do presidente Jair Bolsonaro poderá ser menor do que o esperado na capital paulista. Um fator apontado é o histórico da cidade, que desde a redemocratização quase sempre elegeu prefeitos que não eram alinhados ao governo federal. A única exceção foi a vitória de Fernando Haddad, em 2012, no auge da popularidade do PT.

A empresária de 62 anos, Vera Nascimento, é um exemplo de eleitor de Bolsonaro na capital paulista que agora desaprova o governo federal. “Tucana de carteirinha”, votou nos candidatos do partido em quase todas as eleições, mas em 2018 estava decepcionada com o partido e resolveu mudar. No segundo turno, entre Bolsonaro e Haddad, votou para evitar o retorno do PT ao poder.

— Eu estava com tanto medo que o PT ganhasse que as discordâncias que tinha com o Bolsonaro não eram tão importantes, era mais importante não deixar o PT voltar para a Presidência. Só me restava votar no Bolsonaro, mas não demorou muito para eu me desapontar. E a cada dia eu me desaponto mais — afirma.

Ela não decidiu ainda em quem votar em novembro, mas admite um retorno ao PSDB, apesar da gestão com poucas marcas de Bruno Covas. Segundo ela, a postura do prefeito durante a pandemia do novo coronavírus foi elogiável.

Já o representante comercial Julio Cesar Ferreira, de 63 anos, se diz bem mais desiludido com a política. Segundo ele, seu voto também foi para evitar a volta do PT ao governo. Ferreira diz que via Bolsonaro como o único capaz de diminuir as chances do partido vencer o jogo. A aliança com o Centrão, as denúncias de corrupção contra o senador Flávio Bolsonaro e o tratamento do presidente com a imprensa o afastaram do presidente.

— Aqui em São Paulo, não voto nem no PT e nem no candidato apoiado pelo Bolsonaro. Estou muito mais propenso a anular meu voto porque acho muito difícil alguém me convencer. Há muitos anos não voto por convicção, é sempre para tirar alguém — explica.

Ao mesmo tempo em que se afastaram do presidente, os eleitores indicam que possuem prioridades diferentes. Além do prefeito Bruno Covas, o ex-governador Márcio França também é visto como um candidato que tenta atrair o eleitorado de ambos os lados, se apresentando como um nome aceitável. Em sua campanha, a aposta é que a lembrança da disputa contra o governador João Doria pode ser mais preponderante do que o alinhamento ou não ao presidente Bolsonaro. Neste cenário, o objetivo é unificar o voto de rejeição ao atual ocupante do Palácio dos Bandeirantes, entre eles o de parte do bolsonarismo.

A estratégia de Covas, por outro lado, é se apresentar como um retorno à raiz do PSDB, utilizando tanto sua idade, mas também seu sobrenome, de forma a se contrapor aos escândalos recentes do partido.

— Eu passei a vê-lo com outro olhar durante a pandemia, ele foi um lutador — admite Vera Nascimento. A empresária, entretanto, completa: — Mas ainda acho que a cidade está abandonada.

O Globo