Bolsonaro minimiza diálogo golpista entre seu assessor e blogueiro investigado

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Foto: Reprodução

Homem da confiança de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid sempre teve livre acesso ao gabinete presidencial, ao Palácio da Alvorada e até mesmo ao quarto ocupado pelo chefe do Executivo nos hospitais, após cirurgias às quais ele se submeteu no ano passado. A atuação do discreto assessor presidencial ganhou os holofotes, porém, depois que vieram à tona suas conversas no WhatsApp com o blogueiro Allan dos Santos, do Terça Livre, no inquérito aberto para investigar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, como revelou o Estadão.

A investigação tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e o nome de Cid, chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, só apareceu por causa dessa troca de mensagens. O Estadão apurou, no entanto, que a relação entre ele e Bolsonaro não foi abalada. Ao tomar conhecimento da divulgação das conversas, o presidente chegou mesmo a tranquilizar o auxiliar, dizendo que ele não deveria se incomodar com isso porque estavam querendo “criar intriga”.

As diligências indicaram que, em 31 de maio, Allan dos Santos enviou por WhatsApp um link de reportagem a Cid sobre grupos denominados “antifas” – à época, os manifestantes protestavam contra o governo Bolsonaro. No dia seguinte, 1º de junho, o militar respondeu: “Grupos guerrilheiros/terroristas. Estamos voltando para 68, mas agora com apoio da mídia”.

Allan dos Santos disse, então, que era hora de agir. “As FFAA (Forças Armadas) precisam ENTRAR URGENTEMENTE”, escreveu o blogueiro. “Opa!”, respondeu o tenente-coronel. Questionado pela Polícia Federal, Cid afirmou que o “Opa!” era “apenas uma saudação, como, por exemplo, Bom dia!”, e não tinha relação com as mensagens do blogueiro.

Filho do general de Exército Cid Lorena, que foi colega de turma de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), o tenente-coronel é uma espécie de “faz tudo” do presidente. Entre suas atribuições está a de atender e despachar pessoas que procuram Bolsonaro com a intenção de falar com ele, seja pessoalmente ou por WhatsApp.

Embora não seja sua função, Cid costuma gravar em vídeo várias das conversas do presidente com simpatizantes, diante do Alvorada, para divulgação nas redes sociais. Em muitas ocasiões, Bolsonaro solicita ao militar que anote o celular ou o pedido para que ele possa entrar em contato depois com o apoiador.

No fim do ano passado, por exemplo, quando conversou com um casal do interior de São Paulo, que queria uma foto do chefe da Nação com a filha deles, candidata a miss mirim, além de conhecer a primeira-dama, Bolsonaro deu uma ordem a Cid. “Liga para a Michelle lá dentro (do Alvorada) e veja se ela pode vir aqui fora conhecer a menina”, insistiu. Michelle não pôde atender ao pedido, obrigando Bolsonaro a se desculpar com os eleitores.

Cid recebe diariamente dezenas de mensagens e telefonemas de pessoas pedindo audiências com Bolsonaro e uma brecha na agenda presidencial. Ele os atende ou não de acordo com o desejo do chefe. Além disso, controla os horários de Bolsonaro para que os compromissos não sejam “atropelados”.

Na prática, o tenente-coronel funciona como um “filtro” para o presidente. De acordo com informações obtidas pela reportagem, as mensagens dirigidas por Allan dos Santos a Cid tinham por objetivo tentar fazer com que Bolsonaro falasse ao canal Terça Livre. Allan, no entanto, não foi atendido.

O chefe da Ajudância de Ordens fica na antessala do presidente, no Palácio do Planalto, e entra e sai do gabinete de Bolsonaro dezenas de vezes ao dia. A proximidade é tanta que na próxima sexta-feira, dia 25, Cid estará mais uma vez em um hospital. Desta vez, acompanhará o presidente ao Vila Nova Star, em São Paulo, onde ele se submeterá a uma cirurgia para retirada de cálculo na bexiga.

Não é raro o militar fazer, inclusive, a ponte entre Bolsonaro e os ministros. Alguns mandam mensagens ao presidente por intermédio de Cid e recebem feedback pelo mesmo caminho.

Aos 41 anos, o tenente-coronel foi promovido ao atual posto, por merecimento, no último mês de abril, após ficar seis anos como major. O oficial que se formou na Aman, em 2000, não conhecia pessoalmente Bolsonaro quando foi escolhido para o cargo, ainda na transição do governo, no fim de 2018.

Cid estava escalado para fazer um curso de dois anos nos Estados Unidos, mas abriu mão do período no exterior para cumprir a nova missão. Antes de ser designado para sua primeira missão no Planalto, Cid era instrutor da Aman e já foi observador militar no Chipre. Ele foi o primeiro da turma na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

O tenente-coronel foi um dos integrantes da equipe de Bolsonaro infectados com o novo coronavírus na volta da viagem aos Estados Unidos, no fim de março. Precisou ficar três semanas afastado do trabalho por causa da doença, sem sintomas.

Quando a equipe médica lhe permitiu retornar ao trabalho, após 14 dias de isolamento, o protocolo mudou, ele fez novo exame, testou pela terceira vez positivo para covid-19 e teve de ficar mais uma semana fora. Antes, porém, gravou uma mensagem, a pedido de Bolsonaro, dizendo que se sentia bem, apesar de ter contraído o vírus. O objetivo era mostrar que o tratamento com cloroquina , remédio que não tem comprovação científica para o tratamento da doença, funciona.

Estadão