Em entrevista, Felipe Neto diz que não dialogaria com Bolsonaros

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Foto: Leonardo Aversa / Agência O Globo

Felipe Neto, de 32 anos, pensou que poderia ser uma piada a escolha de seu nome pela revista americana “Time” para integrar a lista deste ano das cem pessoas mais influentes do mundo. O fato é que o anúncio aconteceu na última terça-feira e posicionou o youtuber brasileiro que tem 39,5 milhões de seguidores, ao lado de nomes globalmente relevantes para a política, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, a quem Felipe faz oposição ostensiva. Apesar de seus contundentes posicionamentos acerca do cenário político, garante que não cederá a sua imagem para apoiar qualquer candidato de direita ou esquerda nem se vê como opção para o eleitor futuramente. No entanto, diz que “apoiaria até um orangotango” para derrotar o prefeito do Rio Marcelo Crivella, que tenta a reeleição, e diz que a oposição está em frangalhos; sequer aprendeu a se comunicar.

Você disse ter pensado que a inclusão do seu nome na lista da “Time” poderia ser uma pegadinha. Já conseguiu compreender que fatores fizeram com que recebesse o reconhecimento?

Sim. Não posso subestimar a força da influência que gero na internet, porque seria irresponsável. A lista teve um impacto forte na minha vida para que eu desse ainda mais valor a essa responsabilidade. Mas vou seguir com os pezinhos no chão, fazendo meu trabalho de divertir as famílias brasileiras e levar mais amor e inclusão para quem me assiste.

Você já disse que não se candidataria, mas uma indicação como a da revista não te faz repensar a possibilidade?

Não tenho qualquer interesse. Eu quero, sim, contribuir para um Brasil melhor, mas eu posso fazer muito mais do lado de fora da política, principalmente via terceiro setor, através de financiamento de institutos e ONGs.

Em um de seus vídeos, você diz que a melhor forma de vencer o ódio é o diálogo. Você sentaria para conversar com o presidente Bolsonaro e seus filhos?

Eu proponho o diálogo com aqueles que são enganados a ponto de se tornarem massa de manobra da extrema-direita. Essas pessoas, em maioria ingênuas, deixam-se levar por um discurso populista e superficial, que grita contra a corrupção enquanto desvia verba de gabinete para comprar imóveis com dinheiro vivo e abre loja no comércio para lavar dinheiro. Contudo, não há diálogo com os líderes dessa articulação fascista e desprezível. São pessoas sem uma gota de humanidade, com baixíssimo nível intelectual e que pensam única e exclusivamente na manutenção do poder e na implementação de seus valores morais em detrimento de tudo que consideram diferente.

Sua oposição a Bolsonaro é diária. No campo político, há quem defenda como ação de médio prazo uma frente única contra a reeleição do presidente, em 2022. Você acredita nessa possibilidade?

Eu estou sem muitas esperanças para 2022. A oposição está em frangalhos, ainda nem sequer aprendeu a se comunicar. O maior líder da oposição segue cometendo sucessivos erros de comunicação. O maior partido de oposição segue movido pela força da vaidade antes de qualquer outra. Essa tal “frente única” me parece cada dia mais difícil, mas isso foge da minha alçada. Como cidadão, espero ver isso acontecer. Caso contrário, prevejo novamente um segundo turno entre Bolsonaro e PT e, mais uma vez, uma vitória da extrema-direita. Espero estar errado.

Recentemente, você comentou um vídeo do ex-presidente Lula em defesa de Bolsonaro, no caso da suposta interferência na Polícia Federal, com a mensagem: “Eu já desisti. Tô saindo aos poucos. Não me sobraram mais esperanças (…)”. A frustração significa que você ainda via na atuação de Lula uma saída para o bolsonarismo? Você ainda se considera um crítico dele e do PT?

Continuo sendo um crítico do Lula, como da Dilma, como do Bolsonaro, como do FHC e como serei de qualquer próximo presidente da República, mesmo que ajude a elegê-lo, eventualmente. A mim não interessa puxar saco de político, seja quem for. O meu papel é de cobrança, é de ser chato, de infernizar, de ser oposição. Nesse dia, em específico, eu estava completamente sem esperanças e exausto. Não bastasse o desgoverno fascista que vivemos todos os dias, ainda ter de lidar com os erros da oposição é cansativo demais. Não há união, não há diálogo, há somente o interesse pelo protagonismo. O país vem em segundo lugar, em primeiro está sempre a vaidade. O PT é incapaz de largar o osso até quando sabe que seu candidato vai ter 2% dos votos (para prefeitura de SP, por exemplo), enquanto um aliado tem chances de ir ao segundo turno. Nessas horas, a vontade é essa mesmo: pegar minhas coisas e ir embora.

Além de Lula e Bolsonaro, você já se posicionou publicamente contra atitudes do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. As eleições deste ano são as primeiras depois que você passou a opinar sobre política ativamente. Pretende apoiar candidatos?

Eu não endosso políticos, eu não sou garoto propaganda de políticos. Posso topar lives, conversas, abrir frentes de diálogo, mas eu não cederei minha imagem para apoiar alguém. O que posso fazer é endossar pedidos de votos que ajudem a evitar que pessoas tenebrosas, como o Crivella, sejam eleitas. Contra esse tipo de gente, eu apoiaria até um orangotango num segundo turno.

Um texto substitutivo da Câmara ao projeto de Lei das Fake News, aprovado pelo Senado em julho, propõe criminalizar e punir com cinco anos de prisão a disseminação coordenada de fake news. Como vítima de campanhas do tipo, essa possibilidade te tranquiliza ou te assusta?

Não me tranquiliza em absolutamente nada, pois a lei, da forma como está, não tem a mínima chance de conseguir chegar na origem do problema. O atual texto da Câmara servirá apenas para pegar as “tias” e “tipos” do “zap”, que compartilham fake news sem terem sequer ideia de que se tratam de fake news. Os articuladores do ódio continuarão escondidos, sob máscaras de IP, VPN e artifícios simples que são mais do que suficientes para protegê-los. Não se corrige o problema do compartilhamento com punição, mas sim com educação sobre o uso da internet, que é quase zero no Brasil. Já os articuladores do ódio, criadores dessas matérias de desinformação, prints falsos e montagens, esses sim deveriam sofrer as punições cabíveis, mas isso só acontecerá com o empoderamento da Polícia Federal e investimento em recursos investigativos. Essa lei não funcionará para pegar essas quadrilhas.

No início de agosto, você recebeu um convite do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para colaborar com o novo texto do Projeto de Lei das Fake News que os deputados elaboram. Esse diálogo se confirmou? Quais mudanças você sugeriu ou pretende sugerir na proposta?

Sim, conversamos e eu mostrei a urgência de que o projeto não fosse levado a frente, mas sim reconstruído do zero. O Rodrigo se mostrou muito aberto e concordou com muitas coisas que foram ditas. Infelizmente, contudo, há pressão de todos os lados para que uma lei dura passe o mais rápido possível.

Em junho, o Sonar mostrou que você é o segundo maior influenciador para assuntos de política do país nas redes sociais, atrás apenas de Bolsonaro. Seu engajamento é muito próximo ao do presidente e muito mais expressivo que o de políticos de oposição. A que você atribui esse resultado? É apenas um mérito seu ou faltam vozes ativas e amplificadas do seu lado?

A classe artística brasileira nunca foi tão desunida e calada frente a ameaças à democracia quanto agora. Embora tenhamos grandes nomes lutando, a quantidade de pessoas públicas combatendo ativamente este desgoverno é minúscula. Os músicos, em sua maioria, calaram-se. Aqueles que levantam a voz são perseguidos e silenciados através de campanhas de difamação e calúnia orquestradas pela articulação do ódio na internet. Eu não tenho nada de especial, apenas a vantagem de ter mais força de engajamento do que a articulação do ódio é capaz de destruir. Tentaram de tudo para me silenciar e, em vez disso, acabaram me deixando muito mais forte.

Você está movendo uma série de processos judiciais contra influenciadores digitais, grande parte deles representante do bolsonarismo. Qual é a grande importância dessas ações? Possíveis indenizações, remoção de conteúdos ofensivos sobre você ou o caráter provavelmente didático das sentenças?

Sem dúvida alguma, o caráter didático é o mais importante. Já passou da hora de todo mundo entender que a internet não é uma terra sem lei em que você pode difamar, caluniar e injuriar quem bem entender, sem medo das consequências.

Houve alguma ameaça específica que te fez repensar a própria atuação? O medo diante de episódios desse tipo é um sentimento com o qual você está aprendendo a lidar?

Sim, há ameaças e ameaças. Quando recebemos uma ameaça séria e tiramos minha mãe do Brasil, eu repensei algumas coisas. Minha segurança hoje é muito forte, o que é algo muito difícil de lidar, mas é consequência do caminho que eu decidi trilhar, fazendo a minha parte na luta pela democracia, pela inclusão, pela diversidade e pelo combate à desigualdade.

Ter falado abertamente sobre os ataques e ameaças recebidos na internet fez com que essas ações coordenadas arrefecessem ou o efeito foi inverso? De que maneira você age para evitar que o seu discurso amplifique o alcance das publicações ofensivas?

A articulação do ódio nunca tinha tentado silenciar alguém mais forte do que eles no ambiente digital. Até então, eles haviam sido extremamente bem-sucedidos, atacando as reputações de pessoas como o Jean Wyllys, Manuela D’Ávila, Patrícia Campos Melo, entre tantos outros. Comigo a coisa foi diferente. Eles descobriram o que é enfrentar uma base de 40 milhões de seguidores só no Youtube. Além disso, eu estava preparado, com uma equipe de monitoramento para criar inúmeras provas documentais de como os ataques são executados e coordenados por grupos de WhatsApp e Telegram. Nosso enfrentamento venceu a articulação do ódio ao ponto deles decidirem cessar os ataques da noite pro dia, após semanas de perseguição, criação de mentiras, prints falsos, matérias fraudulentas, vídeos montados com falas tiradas de contexto. Quando eles viram que aquilo não estava mais convencendo ninguém e que minha base de apoio só cresceu, eles desistiram.

Parte desses processos está relacionado à atuação do movimento chamado “Mães contra Felipe Neto”. Como você enxerga esse grupo? Acha que existe alguma fundamentação para as críticas? Há algum conteúdo que você se arrependa de ter produzido?

Esse movimento é minúsculo, não tem qualquer relevância. Nas poucas vezes em que surgiu no Twitter, foi impulsionado pela articulação do ódio via Whatsapp. Não é orgânico, não é real. A esmagadora maioria das mães que têm filhos me assistindo gostam do meu conteúdo, ou são indiferentes. Quem acompanha, sabe bem que os palavrões e piadas de adulto foram abandonados há anos.

Há frequentes cobranças públicas feitas por você para que influenciadores digitais se posicionem publicamente sobre temas relevantes para o país. Essa atitude te custou amizades e contatos no meio? Com quem? Você considera que quem se exime estaria fugindo de uma responsabilidade inerente ao papel de influenciador?

Não sei se me custou amizades, mas com certeza me rendeu várias. Muitas pessoas se aproximaram por concordar na luta contra o fascismo. São essas pessoas que quero perto, as demais não faço qualquer questão. E sim, acho que depois de 140 mil mortes, um presidente falando que é só uma gripezinha, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o discurso na ONU falando que quem bota fogo são os índios, os escândalos de desvios de verba de gabinete, as provas de uso de dinheiro vivo para compra de imóveis, o Queiroz, os indícios de lavagem de dinheiro… Se depois de tudo isso, um influenciador ainda quer sentar no argumento de “eu não acompanho, então prefiro não comentar”, desculpe, é prova de que esse influenciador ou é incrivelmente alienado e, portanto, inapto à responsabilidade que carrega, ou é covarde.

Você foi parabenizado publicamente pela CEO do YouTube, Susan Wojcicki, pela chegada à lista da “Time”. Qual foi, até hoje, o reconhecimento mais surpreendente que já recebeu pelo seu trabalho iniciado na plataforma?

Eu adoro quando minha avó me manda mensagem falando que eu saí nas Palavras Cruzadas. Também adorei quando eu virei uma carta do jogo Perfil 5. É claro que sair no “Jornal Nacional”, na “Time”, ser congratulado pela CEO do Youtube, tudo isso é gigantesco, mas eu costumo ficar ainda mais feliz com coisas mais aleatórias, tipo aparecer num jogo que eu joguei a vida inteira.

O Globo