MPF investigará dossiê do governo contra antifascistas

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Foto: Isac Nóbrega/PR

O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um inquérito civil público para investigar as circunstâncias da elaboração do dossiê, a cargo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com informações sobre opositores do presidente Jair Bolsonaro, principalmente policiais antifascistas. Até então, o MPF havia aberto um procedimento preliminar de investigação, chamado notícia de fato.

Em despacho nesta terça-feira, o procurador regional dos direitos do cidadão no Rio Grande do Sul, Enrico Rodrigues de Freitas, converteu o procedimento preliminar num inquérito civil, para investigar a conduta de integrantes do Ministério da Justiça. A investigação busca saber, entre outras coisas, quem foram os responsáveis pelo dossiê e se outros relatórios foram produzidos com o mesmo propósito.

O procurador da República já havia enxergado elementos suficientes para a abertura do inquérito, antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou a interrupção da produção de dossiês do tipo pelo setor de inteligência do ministério. Por nove votos a um, o STF decidiu que a produção de documentos sobre a vida pessoal, escolhas políticas e práticas cívicas dos cidadãos é inconstitucional, o que obrigava a imediata paralisação desse tipo de procedimento.

O julgamento foi concluído no último dia 20. O MPF havia interrompido a análise sobre a abertura do inquérito à espera dos votos no plenário da Suprema Corte. Apesar de a ação da Rede Sustentabilidade pedir uma investigação sobre a produção do dossiê, os ministros não determinaram a abertura de um inquérito com esse propósito. Uma investigação na esfera cível será conduzida, então, pelo MPF no Rio Grande do Sul, conforme o despacho do procurador regional dos direitos do cidadão.

Freitas já determinou que o Ministério da Justiça seja oficiado para apresentar diversas informações. O ofício será enviado via Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), um colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria-Geral da República (PGR). Antes do julgamento no STF, o ministro da Justiça, André Mendonça, se recusou a fornecer uma cópia do dossiê ao MPF no Rio Grande do Sul, com a alegação de que, por ser ministro do Estado, ele só deveria ser oficiado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras.

O Ministério da Justiça terá 20 dias para fornecer as seguintes informações: procedimentos internos para verificar eventual produção de outros relatórios de inteligência que possam ter desrespeitado o “direito fundamental da liberdade de expressão”; medidas implementadas pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do ministério para garantir que dossiês do tipo não sejam elaborados; quais órgãos, autoridades e pessoas tiveram acesso ao dossiê destinado a mapear a atuação de quase 600 policiais antifascistas; despacho que decretou o sigilo do relatório; cópia da sindicância instaurada depois que o caso veio a público numa reportagem publicada pelo portal “Uol”; e outros procedimentos de apuração que possam ter sido abertos em relação ao caso.

O procurador da República diz, no despacho de instauração do inquérito, que a análise feita no STF não apontou participação de autoridades com foro privilegiado no episódio. “Essa ressalva nem sequer se faria necessária, diante da apreciação dos fatos em apuração nesse procedimento se realizar em âmbito não criminal, considerando que no âmbito de defesa de direitos difusos, coletivos e de direitos fundamentais não há previsão de foro por prerrogativa de função”, afirma.

Assim, na esfera cível, uma investigação não fica restrita a secretários e diretores. A conduta do ministro pode ser objeto de averiguação. O inquérito pode apurar se algum dos integrantes do Ministério da Justiça cometeu improbidade administrativa.

O procurador que instaurou o inquérito civil público diz ser possível já constatar a real existência do dossiê; a confecção do documento por servidor ou servidores ligados à Seopi; a produção do dossiê “unicamente com base e finalidade de catalogar servidores públicos e não servidores públicos com base em expressão livre de seu pensamento”; e a “condição de irregular, ilegal e inconstitucional desse relatório de inteligência”.

“Percebe-se que remanesce a necessidade de procedimento no âmbito do MPF para a apuração dos fatos acima indicados e para garantir a efetiva implementação de medidas de controle interno e preventivas, para que não haja reiteração de atos que violem a liberdade de expressão”, conclui.

O Globo