TSE desenvolve aparato contra fake news e robôs

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

Em entrevista ao GLOBO, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, detalha acordo com plataformas de redes sociais para retirar do ar perfis mentirosos mesmo sem ordem judicial. “O controle de comportamentos envolve muitas vezes enfrentar milícias organizadas de forma hierarquizada, concertada e financiada, que replicam comportamentos de ódio, de disseminação de mentiras. É isso que nós pretendemos combater”, ressaltou o ministro que também explica o protocolo anti-Covid e descarta risco de contágio na urna.

O debate sobre fake news nas campanhas é um tema da eleição. Para o senhor, as plataformas devem controlar o conteúdo das postagens?

Como linha de princípio, não deve haver controle de conteúdo, mas deve haver o cuidadoso controle do que se tem chamado de comportamentos coordenados inautênticos. O TSE já formalizou parceria com todas as principais mídias sociais: WhatsApp, Facebook, Instagram, Google para a utilização de ferramentas, algumas especialmente desenvolvidas para detectar esses comportamentos, que incluem uso de robôs, o uso de perfis falsos e impulsionamentos ilegais. Há um compromisso das plataformas de, por meios tecnológicos, enfrentarem. É impossível eliminar o risco de fake news, mas estamos tratando essa questão com grande empenho e profissionalismo. Por parceria com as empresas de telefonia, todos os eleitores por dois meses terão acesso gratuito via internet à página do TSE para obter informações confiáveis.

Uma vez que a plataforma detectar o comportamento atípico, o que pode ser feito?

Uma vez detectados esses comportamentos inautênticos, você remove a conta.

Será necessária determinação judicial?

Não. Você pode até ter remoção de conteúdos por determinação judicial. Mas a parceria que nós fizemos é para a remoção pelas próprias plataformas assim que detectado o problema. Inclusive, vamos ter um canal direto com o TSE. Qualquer pessoa que esteja recebendo impulsionamento que considere inautêntico (poderá denunciar), e nós, automaticamente, comunicamos à mídia social; ela retira, se achar que é o caso.

Os conteúdos mentirosos devem ser removidos?

A caracterização das fake news pode ser simples em alguns casos e, em outros, pode ser complexa. Por exemplo: se um candidato acusar o outro de ter sido condenado por pedofilia, esse é um fato objetivo. Em outra situação, se um candidato disser que o outro tem o apoio da milícia, e o outro responder que o outro candidato tem o apoio de gente ligada à corrupção, esse vai ser um debate público e provavelmente a Justiça não vai querer interferir. O nosso enfoque é o controle de comportamentos, e não a investigação de conteúdos. O controle de comportamentos envolve muitas vezes enfrentar milícias organizadas de forma hierarquizada, concertada e financiada, que replicam comportamentos de ódio, de disseminação de mentiras. É isso que nós pretendemos combater.

A abstenção já vinha crescendo e estima-se aumento, pela pandemia. Isso o preocupa?

Existe uma média histórica de abstenção de 20%. Tenho a expectativa de que essa abstenção diminua, por paradoxal que possa parecer, porque as pessoas andam com grande motivação de participar do processo político. Nós fizemos uma campanha para atrair mesários voluntários e tivemos mais de 700 mil inscrições. É um indício de que, apesar da pandemia, as pessoas estão com ânsia de participar.

Existe preocupação das campanhas serem novo foco de contaminação da Covid?

Há um protocolo específico para as campanhas eleitorais, que inclui evitar aglomerações, manter o distanciamento físico de pelo menos um metro, usar máscaras. No caso da necessidade de se realizar reuniões, que seja em ambiente aberto e que use álcool em gel sempre que houver contato com alguma pessoa ou com algum objeto.

Haverá punição para candidato que não respeitar as orientações?

O TSE fez um plano de segurança sanitária. As regras obrigatórias são definidas pelos municípios. Os candidatos deverão observar as regras relativas à circulação e ao eventual distanciamento social estabelecidas em cada município ou no âmbito estadual.

E quais serão os cuidados com o eleitor para não ter risco de contágio no dia da votação?

Para as pessoas que são grupo de risco, sobretudo os que têm mais de 60 anos, fizemos duas coisas: aumentamos o horário da eleição em uma hora. Em vez de ser das 8h às 17h, será das 7h às 17h; e reservamos as três primeiras horas de votação para os maiores de 60 anos. É uma reserva preferencial, mas não será proibido outro eleitor votar. O que pediremos à população é que só compareça nesse primeiro horário quem tem necessidade de acompanhar algum idoso. Vai haver fila específica para os idosos e os não idosos terão que esperar numa fila paralela. Nós suprimimos a biometria porque poderia ser uma fonte de contágio, e ela aumentava em 70% o tempo da votação. O eleitor vai entrar na seção, se dirigir ao mesário, mostrar documento de identidade a um metro de distância. Em seguida, o eleitor vai higienizar as mãos com álcool em gel e assinar o caderno de votação. Recomendamos que levem a própria caneta. Só vai ter uma passagem pelo mesário. Na saída da seção, higieniza as mãos novamente.

A urna eletrônica pode ser foco de contágio?

Não há essa possibilidade, risco zero. O eleitor vai chegar à urna higienizado e depois que usá-la vai higienizar as mãos de novo. A mão já chega limpa. E a recomendação é, evidentemente, não levar a mão aos olhos ou à boca durante esse processo, e tem que estar de máscara.

Como natural do Rio, como o senhor avalia a situação política do estado, com o prefeito Crivella inelegível e o governador Witzel afastado e enfrentando impeachment?

Eu sou juiz, portanto não me cabe fazer análises políticas circunstanciais do momento. Evidentemente, como alguém que cresceu e ama o Rio, eu lamento o quadro geral. É inegável que há um problema institucional estrutural que tem levado muitos dos seus governantes a responderem a processos criminais. O Brasil viveu infelizmente um processo ao longo de muitos anos de naturalização das coisas erradas. E parece que esse processo se manifestou de forma mais exacerbada no Rio de Janeiro. Sem fazer juízo sobre os fatos do momento, tenho uma certa sensação de que o Rio, cuja capital é uma das cidades mais lindas do mundo, pela qual sou apaixonado, está precisando se reinventar. Eu espero que essa reinvenção esteja próxima.

O Globo