47% dos alunos das federais são negros

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Foto: RAFAELA FELICCIANO/METRÓPOLES

Nas universidades federais, a quantidade de alunos autodeclarados negros cresceu 192% desde a promulgação da Lei de Cotas para o ensino superior. Com a alta, pretos e pardos já são 47,4% do total de estudantes. Em 2012, quando o texto foi promulgado, a participação era de 20,5%.

As informações são do Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Elas foram analisadas pelo (M)Dados, núcleo de jornalismo de dados do Metrópoles.

A alta, entretanto, não se deve apenas ao maior número de alunos negros ingressando nas universidades. Desde que a lei passou a vigorar, a quantidade de pessoas sobre as quais não havia informação sobre raça diminuiu. Em 2012, eram 443 mil, ou 34,7% do total de matriculados naquele ano em universidades federais. Em 2019, esse contingente representava apenas 0,5% dos discentes (8,7 mil pessoas).

Com o crescimento da população negra no ensino superior público federal, já são 58 instituições, das 110 sob a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), que contam com a maioria de alunos negros. Em 2012, eram apenas oito.

Para a professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) Vera Rodrigues, as ações afirmativas, cujo um dos mecanismos é a cota, colaboram para a diversidade da produção de conhecimento. “Quanto mais diversa for a universidade pública, mais vamos agregar à bagagem do sujeito que ingressa”, acrescenta.

A lei tem, entre outros objetivos, combater o racismo estrutural da sociedade brasileira. “O racismo no Brasil é marcado pelo fenótipo, não é de origem socioeconômica”, diz. A especialista lista três perguntas que permitem avaliar se a pessoa deveria ter acesso a uma ação afirmativa: “Meu fenótipo me coloca em subcidadania? É risco de vida? Me coloca na ótica da subrepresentação social?”. Caso a resposta a pelo menos uma delas for sim, a política pública é feita para ela.

O professor Nelson Inocêncio, que é membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), concorda e critica a decisão de subordinar as cotas raciais às cotas sociais. Isso porque a Lei de Cotas reserva vagas para alunos egressos do ensino público e define que a divisão por cor da pele será feita dentro desse grupo.

“Essa lei entende que somente as pessoas negras de escola pública seriam beneficiadas. Isso é um equívoco porque o racismo não depende necessariamente da questão de classe. Óbvio que existe uma relação, mas raça é uma categoria autônoma. É difícil achar uma pessoa negra de qualquer classe social que não tenha sofrido as violências que o racismo impõe”, criticou.

Ramilla Rodrigues, de 29 anos, formada em comunicação social pela Universidade de Brasília (UnB), não teria condições financeiras de arcar com os custos de uma universidade particular, por isso a política de cotas foi importante para que ela tenha ingressado em uma instituição pública. “Eu sempre me preparei e me dediquei muito aos estudos, pois sabia que era a única alternativa”, disse.

A servidora pública foi a primeira da família a entrar numa universidade federal. “Isso representa não só uma chance de ascensão educacional mas também de ascensão social e financeira, pois o mercado de trabalho está cada vez mais exigente. As cotas raciais vêm para reparar o vazio de oportunidades que pessoas negras possuem ao longo da vida, pois, mesmo que se esforcem e sejam qualificadas, ainda perdem vagas no mercado de trabalho por motivos como aparência ou porque se supõe que elas não sejam competentes”, avalia.

Ainda segundo Ramilla, a política de cotas é um início, mas ainda precisa melhorar em múltiplos aspectos. “A universidade ainda é um local pouco acolhedor não somente para o estudante negro, mas para todo o estudante que possui algum tipo de necessidade específica”, conclui.

Para Vera Rodrigues, o próximo passo é pensar em professores negros nas universidades públicas. “Tem concurso com cota, isso mudou o cenário, mas ainda é preciso mais. Na pós-graduação, de acordo com o último informe que eu tenho, as professoras negras equivalem a 3%. É um número que nos diz que há uma subrepresentação, teríamos que investir nisso”, disse.

Maíra de Deus Brito, doutoranda em direitos humanos e cidadania na UnB, também alerta sobre a falta de negros no corpo docente. “As cotas comprovaram que é preciso enegrescer o sistema de ensino. Só tive uma professora negra na universidade. As questões raciais e sociais são debatidas todas por pessoas que possuem uma visão única desses aspectos. Tem estudante na universidade que nunca visitou uma satélite! Como vamos exigir que esse estudante seja um profissional que um dia seja responsável por pensar o urbanismo para pessoas carentes, por exemplo?”, conclui.

Além disso, Maíra acredita que suas pesquisas de mestrado e doutorado – ambas sobre a população negra – talvez não tivessem sido aprovadas se não fossem as cotas. “Existe uma mania péssima de dizer que a gente é parcial demais, subjetivo demais quando estudamos as questões da população negra. Implicância gratuita. O que a gente faz é pesquisar com um olhar distinto e cuidadoso temas que nem sempre são bem desenvolvidos por quem não vive determinadas experiências”, diz.

Metrópoles