Eleições no Rio têm milicianos e traficantes infiltrados

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Foto: Marcelo Piu/Agência O Globo

Quatorze cidades do Estado do Rio têm denúncias de infiltração de milicianos e traficantes no processo eleitoral. É o que revela um relatório elaborado pelo Disque Denúncia a pedido do GLOBO, com base em ligações recebidas pelo órgão desde o início da campanha, em 27 de setembro, até o último dia 13. A maior parte das denúncias relata atuação de milicianos para interferir no pleito, 24 ao todo. Outras 13 apontam a influência do tráfico. Em cinco municípios, foram registradas denúncias tanto de traficantes quanto de paramilitares direcionando votos e impedindo a presença de candidatos: Rio, Itaguaí, Duque de Caxias, Belford Roxo e Niterói.

O documento aponta a influência da milícia em nove cidades, sendo cinco na Baixada Fluminense. As denúncias relatam a participação de candidatos nas quadrilhas, o apoio de grupos a determinados candidatos e até ameaças de retaliação da milícia a moradores de favelas caso seus representantes não sejam eleitos.

Nova Iguaçu é a cidade do estado com mais denúncias de participação da milícia no pleito, nove ao todo. O município é o mesmo onde dois candidatos a vereador foram assassinados. Um deles, Domingos Barbosa Cabral, de 57 anos — executado por homens encapuzados num bar no bairro Corumbá na noite do último dia 10 — é irmão do sargento PM André Barbosa Cabral, preso em julho acusado pelo Ministério Público de ser chefe da milícia que domina parte do município. Domingos foi preso em flagrante com uma pistola 9mm na mesma operação que prendeu o irmão, em julho. Ele disputaria a eleição pelo DEM.

De acordo com o relatório do Disque Denúncia, “chama atenção a quantidade de denúncias que informam sobre a candidatura dos próprios indivíduos que pertencem aos grupos de milícia. Nestes casos, especificamente, os milicianos utilizam sua influência na comunidade e, através da realização de ameaças, buscam conseguir mais votos”. Todas as denúncias citadas no documento foram encaminhadas à Polícia Civil.

— A maioria dos relatos que recebemos aponta para ameaças de retaliação à população, se o candidato apoiado pelo grupo não for eleito — conta Zeca Borges, coordenador do Disque Denúncia. — Por exemplo, os milicianos afirmam que a “taxa de segurança” vai aumentar se os moradores não elegerem determinada pessoa. Uma mudança que detectamos em relação às eleições passadas é que, desta vez, as denúncias relatam que os candidatos integram as milícias e não somente são apoiados por elas.

A divisa entre Nova Iguaçu, Itaguaí — ambos na Baixada Fluminense — e Santa Cruz, bairro da Zona Oeste da capital, é considerada pela Força-Tarefa da Polícia Civil criada para combater as milícias no período eleitoral a área mais crítica do estado. Foi justamente na região que 17 pessoas foram mortas num intervalo de 24 horas entre os dias 14 e 15, em duas ações da Força-Tarefa. Na Baixada Fluminense, também há denúncias sobre a ação eleitoral das milícias em Duque de Caxias, Itaguaí, São João de Meriti e Queimados, além de Nova Iguaçu. Na capital, a maioria das milícias que atuam na cidade tem hoje algum tipo de associação com o tráfico, parceria que vem sendo chamada de “narcomilícia”, como mostrou ontem O GLOBO.

Pelo menos um candidato na Baixada está preso sob a acusação de integrar uma milícia. Márcio Cardoso Pagniez, o Marcinho Bombeiro (PSL), ex-presidente da Câmara municipal de Belford Roxo, foi denunciado pelo MP em setembro do ano passado por chefiar uma milícia conhecida como “Tropa do Marcinho”. Segundo as investigações, o grupo é acusado de executar dois homens flagrados consumindo drogas em Belford Roxo em abril de 2017. Apesar de Márcio estar preso, sua campanha corre à todo vapor. Nas redes sociais, há imagens de eventos e panfletagens realizados por sua “equipe”. Numa das fotos, uma mulher segura o cartaz com a frase: “Meu vereador não está ‘presente’, mas sua equipe é fiel”.

O documento também detalha denúncias que expõem a interferência de traficantes no pleito. Segundo o relatório, “candidatos oferecem dinheiro aos traficantes para que recebam apoio eleitoral do tráfico na comunidade”. O Disque Denúncia também recebeu relatos de que traficantes estão cobrando pedágios em favelas da Região Metropolitana para que candidatos possam fazer campanha no local. O município com mais denúncias de influência do tráfico nas campanhas é São Gonçalo.

Dois candidatos na Baixada Fluminense são parentes de chefes do tráfico do estado que estão presos em penitenciárias federais. Cristiano Santos Hermógenes, candidato a prefeito em Belford Roxo pelo PL é irmão de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, chefe do tráfico do Complexo do Alemão encarcerado em Catanduvas, no Paraná. Já Fernanda Costa, candidata a vereadora pelo MDB em Caxias, é filha de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, apontado como número um da hierarquia da maior facção do tráfico do Rio.

Em Araruama, na Região dos Lagos — outra cidade citada no levantamento —, uma investigação da Polícia Civil comprovou a tentativa do tráfico de influenciar as eleições. Ao longo da investigação do assassinato do jornalista e pré-candidato a vereador Leonardo Soriano Pereira Pinheiro, o Léo Pinheiro, em maio deste ano, a 118ª DP concluiu que um PM tinha apoio de traficantes para eleger sua mulher vereadora.

A polícia concluiu que Pinheiro foi morto a mando do sargento Alan Marques de Oliveira porque a pré-candidatura do jornalista ameaçava a eleição da mulher do PM, a cirurgiã-dentista Elisabete Faria Abreu, mulher de Oliveira, que concorre pelo DEM a uma vaga na Câmara Municipal da cidade. Oliveira e Marques atuavam nos mesmos redutos eleitorais. De acordo com o depoimento de uma testemunha antes de ser morto, Pinheiro recebeu ameaças de traficantes da área que alegaram que “apenas um pré-candidato poderia atuar no bairro, e o candidato chegado deles seria o Alan Marques”. O sargento foi preso no último sábado.

Outro candidato é acusado pelo MP de usar o tráfico de drogas para formar um curral eleitoral em Japeri, na Baixada Fluminense. Carlos Moraes Costa (PP), prefeito de Japeri preso em 2018 por associação para o tráfico, tenta a reeleição. Segundo o MP, a aliança do prefeito com o crime organizado tinha o objetivo de formar currais eleitorais em áreas dominadas pelos traficantes. Segundo a denúncia, Moraes “valia-se de seu mandato para repassar informações privilegiadas e para articular ações integradas que permitissem ao bando desenvolver livremente suas atividades ilícitas”. Numa ligação interceptada pela Justiça, a polícia flagrou Moares avisando um traficante sobre uma operação que policiais do 24º BPM (Queimados) fariam na Comunidade do Guandu para impedir a realização de um baile funk.

O Globo