Eleitorado brasileiro estaria mais racional que em 2018

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Foto: Marilia Lima/CB/D.A Press

A pandemia do novo coronavírus mudará a mecânica da campanha para a próxima eleição municipal, cujo primeiro turno é em 15 de novembro. A comunicação digital deve ser utilizada intensamente pelos candidatos, e o cabo eleitoral, aquele que ficava nas ruas agitando bandeiras e distribuindo santinhos, dará vez ao militante virtual. A avaliação é do especialista em marketing político Marcelo Vitorino, segundo o qual o humor do eleitor deve estar mais receptivo a uma escolha mais pragmática. Ele acredita que os candidatos com credibilidade para lidar com questões relacionadas ao emprego, à renda e à recuperação da economia local, conquistarão mais espaço nas urnas. A seguir os principais trechos da entrevista:

Como as campanhas vão acontecer em meio à pandemia?
Cada cidade enfrenta uma situação diferente em relação ao problema. Têm cidades como Anápolis (GO), por exemplo, que não pararam em nenhum momento porque estavam preparadas para a crise. Há cidades ainda próximas do pico e outras com casos em declínio. O fato é que os grandes comícios, agendas de rua e eventos fechados serão mais restritos. O que deveria, pelo menos em tese, entrar para cobrir esse espaço é a comunicação digital. O porta a porta terá de dividir sua responsabilidade com o tela a tela. E essa tendência deve ser mantida para eleições futuras. O cabo eleitoral precisará se transformar em militante virtual, um processo que começou lentamente em 2010, mas que, agora, mostra-se imprescindível para quem deseja vencer.

Como será o humor do eleitor na época da eleição?
É difícil precisar apenas um humor por causa da diversidade que há no país, mas, ao que me parece, devemos ter uma abstenção ainda maior do que a mostrada nos anos anteriores, o que acaba levando às urnas apenas as pessoas que se interessam realmente pela política. Em uma eleição municipal, isso está mais atrelado a questões do cotidiano dos eleitores, mais próximas da realidade. Provavelmente, em 15 de novembro, há uma grande chance de o eleitor ser mais pragmático na escolha, olhando com mais atenção para os candidatos e candidatas com maior reputação e credibilidade para lidar com questões relacionadas ao emprego e à renda, à recuperação da economia local. Com esse movimento, diminui o anseio pela renovação política. A tendência é que busque políticos mais experientes, com possibilidade de atrair recursos para seus municípios.

A pandemia influenciará na decisão do eleitor?
As pesquisas qualitativas que acompanho, nas várias regiões do Brasil, apontam que os eleitores não desejam mais a nova política a qualquer custo. Agora, querem alguém com experiência administrativa e que não seja considerado da política tradicional. Esse é um traço do momento. Querem alguém com capacidade de ter alinhamento com governos, que possa levar recursos para a cidade, que conduza a retomada da economia no município.

A crise sanitária tem sido usada nos discursos dos candidatos? Acredito que o foco dos majoritários acabará indo mais pela discussão sobre a crise econômica gerada pela sanitária. Qual o peso do digital nas campanhas?
O peso da campanha na Internet vai variar de acordo com o entendimento do responsável pela comunicação e também do candidato. Se tiverem noção total do que uma campanha digital pode fazer e direcionarem recursos para a área, com a contratação de profissionais experientes, com liberdade para criar conteúdos específicos para eleitores conectados, a Internet pode ser decisiva para uma campanha. Hoje já não é mais novidade que a primeira tela não é mais a televisão, mas, sim, o celular. Mesmo em locais remotos a conectividade chegou. A campanha digital pode ser a base para mobilizar militantes, criar vínculos com eleitores, combater fake news e arrecadar recursos para campanhas.

O valor de investimento das campanhas deve ser menor?
Quando comparado aos investimentos feitos para as campanhas na televisão, sem dúvida, as campanhas digitais são mais baratas. Porém, isso não significa que o investimento será pequeno. A falta de profissionais especializados acaba encarecendo o mercado. Em campanhas digitais, um percentual considerável deve ser investido, algo entre 20% e 30% dos recursos destinados à comunicação.

Os candidatos estão preparados para esse novo cenário?
A maioria dos candidatos desconhece as ferramentas e também as formas que podem ser utilizadas. Acabam fazendo o básico, usando a Internet apenas para entrega de conteúdos de outras mídias, sem proporcionar interação. Também querem falar para eleitores conectados como se fosse um palanque, fora do tom que cada plataforma pede. Muitos acreditam que a performance das redes independe de um time profissional e também do próprio envolvimento. Há de se levar em consideração que já há um desafio posto quando um político do legislativo disputa um cargo ao executivo, e o que brilha aos olhos deste acaba geralmente sendo a coligação e o tempo de televisão. Parece que não estavam no Brasil em 2018.

Existem profissionais especializados nesse tipo de campanha?
Existem poucos profissionais que reúnem conhecimentos necessários para um bom trabalho. Para usar a Internet como meio para comunicar uma campanha, é preciso dominar três pilares: a comunicação, o uso da tecnologia e a política. A maioria domina um ou no máximo dois pilares.

O que se espera sobre a guerra das fake news? O WhatsApp será utilizado?
O WhatsApp será uma boa ferramenta de comunicação para aqueles que seguirem as regras, enviando mensagens apenas para quem solicitou, com uma boa organização dos contatos, e com conteúdo interessante. Já para disseminação de boatos, as mudanças feitas pela plataforma dificultaram muito a vida de quem pretendia fazer. As contas hoje são bloqueadas muito mais rápido do que em 2018. As regras de encaminhamento de propostas pela plataforma também estão contribuindo positivamente.

O que os eleitores querem encontrar nas redes dos candidatos?
A pesquisa que a Presença Online realizou neste ano trouxe três pontos principais: a opinião dos candidatos sobre assuntos atuais, a trajetória do candidato e as suas propostas. O que os eleitores menos desejam ver nas redes são as frases motivacionais, a agenda e os materiais.

Qual a semelhança entre essa campanha e a de 2018? Os candidatos aprenderam algo? Ou continuam sem entender? E algo sobre o Entorno.
O eleitor hoje me parece menos revoltado do que antes. Claro que é difícil falar desse cenário como único, diante de um país com tantas cidades. Observo que nas eleições municipais há mais objetividade e menos ideologia. Os eleitores querem saber quem pode resolver o problema, depois olham a forma e só depois querem saber com quem essa pessoa anda. A maioria dos candidatos de 2020 não passou por 2018, então estão repetindo os mesmos erros da turma anterior. O cenário de 2020 é muito diferente do cenário de 2016, que foi a última eleição municipal. Do ponto de vista da comunicação, poucos candidatos aprenderam algo em relação a 2018. A maioria aposta na política tradicional e na televisão como meios principais para chegar ao eleitor. Repetem erros cometidos por medalhões e, provavelmente, podem acabar de fora como aconteceu antes. Nas cidades do Entorno, não vejo grandes mudanças em relação aos anos anteriores. É como se estivessem dançando uma música que já parou de tocar há quatro anos e, mesmo assim, insistem em querer que alguém dance junto.

Correio Braziliense