Em 60 páginas, Boulos detalha planos de governo

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Foto: Yuri Murakami – 27.out.2020/Fotoarena

Detalhado ao longo de 60 páginas, o plano de governo de Guilherme Boulos (PSOL) tem entre as promessas, caso o candidato se eleja prefeito de São Paulo, medidas que dependem da Câmara para serem cumpridas e outras que exigem dinheiro em caixa e reorganização do orçamento.

Terceiro colocado na pesquisa Datafolha, com 14% —e em empate técnico com Márcio França (PSB), que tem 10%—, o líder de movimentos de moradia também incluiu no documento apresentado à Justiça Eleitoral propostas que esbarram em entraves burocráticos.

Sem mencionar a necessidade de que as ações sejam aprovadas pelos vereadores, Boulos fala em elevar as alíquotas de ISS (Imposto sobre Serviços) para bancos e de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para o que chama de mansões (os critérios para definir uma não são especificados).

As duas medidas são simbólicas da campanha do PSOL, que prega combate à desigualdade, política tributária progressiva e prioridade para os mais pobres e a periferia.

Também precisariam do aval da Câmara, segundo especialistas consultados pela Folha, algumas das principais bandeiras da candidatura, como o pagamento de uma renda mínima (batizada de Renda Solidária) e a concessão de passe livre no transporte coletivo.

“Via de regra, tudo o que interfere em previsão de receita, novos gastos e renúncia fiscal precisa ser justificado pelo Executivo e aprovado pelos vereadores, o que demanda tempo e muita discussão”, diz o professor de gestão governamental Thiago Borges, da Fundação Dom Cabral.

O candidato propõe dar a gratuidade no transporte, inicialmente, a grupos como desempregados, estudantes, jovens de até 24 anos, gestantes e mulheres com crianças de colo de até 2 anos. A ideia é posteriormente adotar um programa de tarifa zero para todos os usuários.

Como as medidas têm impacto orçamentário, teriam que ser discutidas e aprovadas na Câmara para serem postas em prática. O prefeito que assumir em 2021 herdará o orçamento formulado pela gestão atual, do candidato à reeleição Bruno Covas (PSDB) —o texto ainda não foi votado pelos vereadores.

Na previsão enviada à Câmara, o volume de recursos no próximo ano será quase R$ 2 bilhões menor que em 2020, por causa dos impactos da pandemia do novo coronavírus. A expectativa é que o montante caia de R$ 68,9 bilhões para R$ 67 bilhões, o que impõe um cenário de restrições.

Boulos poderá, se eleito, fazer o remanejamento de recursos do orçamento dentro de limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas iniciativas que demandam alterações profundas em programas já existentes ou criação de despesas teriam que ser autorizadas pelo Legislativo.

O plano de governo omite a fonte de recursos para bancar o Renda Solidária, vendido por Boulos como “um projeto sério e exequível”, que atenderá 1 milhão de famílias (3 milhões de pessoas) ou com um valor mensal de R$ 200 a R$ 400. O custo estimado é de R$ 3 bilhões a R$ 3,5 bilhões por ano.

Em algumas das propostas, a candidatura do PSOL esclareceu no texto que a efetivação dependerá da Câmara. É o caso da promessa de enviar projeto de lei para revogação da lei que promoveu a reforma da Previdência municipal, em 2018, e criou a Sampaprev.

O plano sinaliza também a intenção de encaminhar um projeto de lei salarial para respeitar a data-base do funcionalismo.

Boulos faz vários outros acenos aos servidores no documento. Promete a realização de concursos públicos “para todas as carreiras” e cita especificamente áreas como saúde, assistência social, cultura, educação e GCM (Guarda Civil Metropolitana).

Prevê ainda, com critérios, o “restabelecimento da paridade [de remuneração] entre ativos e aposentados, violada nas últimas reestruturações”.

Além de desconsiderar a exigência legal de que parte das propostas tenha o aval da Câmara, o programa de governo inclui até decisões que não dependem única e exclusivamente da prefeitura.

No tópico saneamento básico, o texto fala em “combater a privatização” do serviço e defender o exercício da titularidade municipal, ou seja, a garantia constitucional de que o titular do serviço de água é o município. Na capital, a concessionária é a Sabesp.

Boulos afirma que, caso seja eleito, exigirá da empresa de capital misto, que tem o estado de São Paulo como principal acionista, a expansão da tarifa social (para pessoas de baixa renda) e a manutenção de fornecimento mínimo a clientes inadimplentes por incapacidade de pagamento.

Outras propostas podem travar por causa da lentidão da Justiça. A campanha estipulou como objetivo a ampliação da capacidade da prefeitura de recuperação da dívida ativa. Pelo plano, os valores pagos pelos devedores de tributos seriam aplicados em programas sociais.

Embora a administração municipal possa agilizar a fase administrativa da cobrança, o pagamento geralmente se dá no âmbito judicial, quando o devedor já teve o nome inscrito na dívida ativa. Essa etapa, envolve processos, decisões e recursos de advogados.

O PSOL estabeleceu a meta de dobrar o ritmo de arrecadação da dívida ativa visto entre 2013 e 2016, chegando a 3% ao ano. Pelas contas, R$ 3,9 bilhões voltariam para os cofres públicos já em 2021.

Em meio a críticas ao plano feitas por acadêmicos e membros de campanhas adversárias, o ponto talvez mais polêmico seja a revogação da concessão do Pacaembu, um negócio autorizado pela Câmara em 2017 e concluído neste ano, com a entrega do complexo à empresa vencedora da licitação.

A proposta, que se insere na diretriz de Boulos de “reverter a lógica privatizante” e fortalecer a administração pública, significaria romper um contrato de 35 anos que engloba R$ 111 milhões.

A medida levaria a um imbróglio com potencial de criar um ambiente de insegurança jurídica e afetar a credibilidade da prefeitura diante de empresas, governos e organismos de financiamento internacionais.

Boulos vem sendo questionado sobre sua relação com a Câmara caso seja eleito —o PSOL tem hoje 2 cadeiras, do total de 55. Ele diz que fará como sua candidata a vice, Luiza Erundina (PSOL), que foi prefeita (1989-1992) sem maioria no Legislativo e usou a participação popular como ferramenta de pressão.

Questionado pela Folha sobre as promessas que dependeriam dos vereadores, Boulos disse, em nota, que “não é verdade que todas as propostas precisam passar pela Câmara para serem concretizadas”.

Ele citou na resposta a concessão de tarifa zero e a criação da Renda Solidária como exemplos de medidas sobre as quais o Executivo tem a prerrogativa de atuar, “assim como pode fazer obras e criar serviços sem precisar de autorização legislativa”.

“Para os projetos que precisam de aprovação do Legislativo, teremos o apoio mais importante de todos: o da população”, declarou. “Nosso governo terá como marca a participação popular. Vamos governar com diálogo e buscar construir o apoio de uma bancada que tenha compromisso com propostas e projetos que defendemos.”

O candidato afirmou que poderá executar “grande parte” de suas propostas com o percentual, previsto na lei orçamentária de 2021, de 10% de recursos que podem ser remanejados por decreto do prefeito. Segundo ele, outras fontes de verba devem ser consideradas, como as receitas tributárias, que crescerão.

“O orçamento público não é somente uma peça técnica nem deve ser objeto de negociatas entre o Poder Executivo e o Legislativo. O orçamento público deve expressar as preferências e prioridades da população”, disse Boulos.

Sobre a concessão do Pacaembu, o postulante afirmou que ela “já vive um ambiente de insegurança jurídica”, com ações administrativas e judiciais, e que ele “não pactua com irregularidades”.

Ele reiterou a promessa de agilizar o pagamento de débitos da dívida ativa, a partir de medidas no âmbito da administração. “Apesar de todo o esforço dos procuradores e servidores envolvidos nesse tipo de cobrança, eles não possuem os instrumentos adequados.”

ENTRAVES NO PROGRAMA DE BOULOS

Em diversas propostas listadas —como a de elevar as alíquotas de ISS para bancos e de IPTU para mansões e a de dar isenção temporária de impostos e taxas a microempresas—, não é explicitada a necessidade de aprovação da Câmara. Alterações significativas no programa municipal de renda mínima e na concessão de passe livre também exigem a anuência do Legislativo, segundo especialistas

Há ações que, para serem concretizadas, dependeriam de outros órgãos ou empresas. Uma das propostas é exigir da Sabesp a expansão da tarifa social (para pessoas de baixa renda). Também é listada como proposta a manutenção da Fórmula 1, um evento privado, no calendário esportivo da cidade. Para implementar o programa de tarifa zero, as empresas que operam o transporte coletivo teriam que aceitar renegociar os contratos

O documento se guia pela diretriz de reduzir as privatizações e aumentar a participação do Estado e a oferta de serviços públicos, o que implica aumento de gastos. Não há menção à fonte de recursos para as iniciativas nem à redução prevista no orçamento municipal para 2021, por causa da pandemia

Parte das propostas pode ser de difícil execução por envolver entraves burocráticos tanto na máquina municipal quanto no Judiciário. Boulos fala, por exemplo, em dobrar a meta para recuperação de valores da dívida ativa, mas o processo é historicamente lento por depender de decisões judiciais favoráveis ao município

Um dos temas controversos é a revogação da concessão do Pacaembu. O estádio passou às mãos da empresa Allegra em janeiro deste ano, com contrato que vale por 35 anos. Se o negócio, que teve o aval da Câmara, for cancelado, pode-se criar um ambiente de insegurança jurídica. A candidatura também fala em auditar e renegociar os atuais contratos das empresas de ônibus e fazer a “reversão dos processos recentes de privatização” na educação

Folha de S. Paulo