Indicado ao STF tem informações exageradas no currículo

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), o desembargador Kassio Nunes Marques traz em seu currículo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) a informação de que é “pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Messina, Itália (Universitá Degli Studi di Messina)” e que possui “postgrado em Contratación Pública. Universidad de La Coruña – Espanha”. No entanto, as universidades informaram que o curso italiano se tratou de uma especialização, equivalente a um ciclo de seminários, e o espanhol foi apenas um curso de extensão.

O currículo do desembargador traz ainda a informação de que ele é “pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, Espanha” com “expedição de diploma em tramitação”. Porém, os programas de pós-doutorado não conferem diplomas a seus concluintes, já que não constituem títulos acadêmicos como mestrado ou doutorado. Esses cursos emitem apenas certificados de participação.

O “postgrado” em contratação pública, na Universidade de La Coruña, na Espanha, que o desembargador informa em seu currículo, foi um curso de extensão universitária que durou 5 dias. O programa foi realizado entre 1 e 5 de setembro de 2014 e teve carga horária de 40 horas. A Universidade enviou ao GLOBO seu certificado de participação como participante no curso. Não há no certificado a informação de que se tratava de um curso de pós-graduação lato sensu, como são identificados esses cursos no Brasil.

Após questionamentos do GLOBO, o desembargador informou que o curso de pós-doutorado da Universidade de Messina foi feito com intermédio do Instituto Internacional de Educação Superior (IIES), que seria correspondente da universidade no Brasil, mas não mencionado por ele no currículo público no TRF-1. A instituição não possui credenciamento no Ministério Da Educação (MEC) e informou ser um “instituto de intercâmbio”. Além disso, em documentos da Universidade de Messina, a instituição italiana apresenta como “Curso Internacional de Aperfeiçoamento”.

Marques disse, por meio de sua assessoria, que fez o curso na Universidade de Messina com aulas presenciais no Brasil, em 2017, e conclusão, em 2018, na Itália. O IIES informa que o “Programa de Pós-Doutorado será ministrado de forma intensiva em uma semana de duração, durante o qual os alunos participarão dos seminários presenciais de discussão sobre a temática proposta”. Depois disso, o segundo encontro “será realizado na cidade de Messina” e terá “duração de dois dias, para apresentação da pesquisa pós-doutoral”.

No programa do curso italiano, apresentado no site da Universidade de Messina, ficou descrito que, quem concluir todo o programa e for aprovado, vai receber “um atestado de participação”. O curso é direcionado para alunos que estejam cursando doutorado ou já tenham o diploma. Ele não é apresentado como curso de “pós-doutorado”.

Procurada, a universidade italiana disse que pela lei de proteção de dados europeia não podia falar do caso de Marques sem autorização dele, mas informou que foi um curso de especialização, que tem a validade de um ciclo de seminários e, por isso, foi emitido um certificado – que não possui equivalência a algum grau acadêmico.

A título de comparação, o programa de pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP) exige, para a conclusão do curso, o cumpriumento de uma carga horária mínima de 960 horas e, ainda, a apresentação de um relatório final do Plano de Trabalho. Pesquisadores acadêmicos ouvidos pelo GLOBO explicaram que os pós-doutorados configuram pesquisas e não emitem títulos ou diplomas ao final.

Além do curso na Itália, Marques também disse ter feito doutorado pela Universidade de Salamanca na Espanha e ainda um curso de pós-doutorado em Direitos Humanos na mesma instituição. No entanto, ele defendeu a tese doutorado há pouco mais de dez dias. Segundo o site da Universidade de Salamanca, ele defendeu no dia 25 de setembro o trabalho “Política judicial de fornecimento de medicamentos de alta custódia no Brasil em ambiente de crise das políticas de austeridade fiscal: teoria, experiência e perspectivas”.

Lorezo Vadell, diretor do programa da universidade, elogiou a tese de doutorado e disse que foi uma das melhores que teve possibilidade de coordenar, mas disse que não sabia informar se era possível fazer doutorado e pós-doutorado ao mesmo tempo. No site da mesma instituição não há informação sobre o curso de pós-doutorado em Direitos Humanos que ele disse ter cursado e estar aguardando a emissão do diploma. Marques não possui currículo na plataforma lattes, cadastro usado no Brasil por pesquisadores acadêmicos.

Marques é advogado de formação e, desde 2011, ocupa o cargo de desembargador na cota de vagas destinadas à advocacia – o quinto constitucional. No currículo apresentado no TRF-1, o desembargador aponta que cursou Direito na Universidade Federal do Piauí. Ele afirma que é mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal.

O Globo