Mourão endossou pagamento em contrato investigado por TCU

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Foto: Isac Nobrega/PR

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, atuou pessoalmente para agilizar um pagamento de 5,6 milhões de euros a uma empresa espanhola, a Tecnobit, que vendeu para o Exército, em 2010, um sistema de simulação de artilharia.

Esse contrato é investigado por uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em duas vertentes: uma específica sobre a licitação, em relação à qual foi apontado direcionamento, e outra sobre a execução do contrato. O vice-presidente aparece na segunda.

A auditoria recém-concluída sobre a licitação pediu aplicação de multas para 13 militares. Mourão não faz parte da relação de multados e, junto a outros quatro envolvidos, ainda deverá ser ouvido em audiência.

Entre as implicações direcionadas ao vice-presidente, chamou a atenção do TCU a mudança drástica em seu posicionamento quanto à regularidade do contrato. Em um primeiro momento, Mourão disse que tudo havia sido entregue pela empresa e que o pagamento poderia ser efetuado. Em seguida, mudou de opinião e apresentou um documento dizendo exatamente o oposto, ou seja, que ainda havia pendências a serem resolvidas pela empresa.

Baseada em uma denúncia anônima, a investigação começou há pouco mais de três anos, mas só foi concluída no último dia 30. O relatório, elaborado pela Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional, seguiu na mesma data para o gabinete do ministro relator, Marcos Bemquerer, que ainda vai preparar o seu parecer antes de levar a matéria ao plenário.

De acordo com o TCU, o vice-presidente ainda não foi ouvido devido a pendências na documentação que deveria ter sido encaminhada no âmbito do processo. Os auditores pedem a Benquerer que Mourão tenha um prazo de 15 dias para se defender.

O documento, ao qual o Valor teve acesso, lista sete irregularidades que teriam sido praticadas por Mourão, no papel de gerente do contrato. Com valor total de quase 14 milhões de euros (cerca de R$ 92 milhões, ao câmbio atual), a licitação vencida pela Tecnobit consistia na compra, instalação e transferência de tecnologia de simuladores de artilharia. Os equipamentos foram instalados em 2016 nas cidades de Resende (RJ) e Santa Maria (RS).

De acordo com o relatório, Mourão assinou, em março de 2014, um certificado atestando que a Fase 2.2 do projeto estava concluída. De posse desse documento, a Tecnobit requereu o pagamento de 5,6 milhões de euros.

Essa fase era uma das mais importantes do projeto, na qual a empresa deveria finalizar o desenvolvimento da solução e realizar ajustes do protótipo no Brasil para aprovação preliminar, além de apresentar o código-fonte e a transferência de tecnologia.

Ocorre que essas tarefas ainda estavam longe das condições satisfatórias, como foi alertado dias antes pelo fiscal do contrato, Silas Leite Albuquerque. Ele apontou a existência de 506 inconformidades, mas foi ignorado por Mourão, que atestou a conclusão e pediu o processamento do pagamento.

A divergência foi parar no gabinete do comandante do Exército. Lá, a avaliação foi de que nenhum dos integrantes da equipe técnica do projeto havia assinado os termos necessários para garantir a transferência de tecnologia, prevista no contrato como condição para conclusão da fase. Além disso, o comando salientou que, caso o pagamento fosse realizado, restaria valor correspondente a apenas 10% do montante contratado, “o que eliminaria qualquer poder de pressão frente à contratada para a entrega final do produto, causando dano ao erário público”.

Ao tomar ciência de que não iria receber, a Tecnobit se agarrou ao certificado de Mourão, que à época era vice-diretor do Departamento de Educação e Cultura do Exército. Meses depois, quando já estava lotado no Comando Militar do Sul, o vice-presidente continuou à frente do contrato por “interesse pessoal”, conforme documento do Exército entregue ao TCU.

Com o pagamento suspenso, a empresa tentou primeiro uma solução amigável e, sem resposta, ameaçou ingressar com um processo arbitral nos Estados Unidos. Mourão, então, mudou de ideia e encaminhou um novo documento, desta vez afirmando que a Fase 2.2 não estava concluída. Ressaltou, contudo, que era importante buscar uma saída negociada, por meio do pagamento de parcelas referentes ao que já havia sido entregue, atitude que também foi questionada pelos fiscais do TCU.

No mesmo documento, o vice-presidente solicitou que não fosse aplicada à Tecnobit a multa prevista no contrato pelos atrasos já contabilizados. O pedido foi entregue ao chefe de gabinete do comando do Exército, pessoa que era hierarquicamente inferior a Mourão, àquela altura já general. O Tribunal de Contas considerou “inusitado” o fato de tal conduta não ter resultado em nenhum processo de responsabilização no Exército. Procurado, o Exército defendeu a legitimidade e viabilidade econômica do projeto (ver matéria abaixo). O vice-presidente preferiu não se manifestar sobre o processo.

A empresa acabou sendo apenas advertida, mas decidiu seguir mesmo para a disputa arbitral. Na ação, pediu o pagamento integral da Fase 2.2, o ressarcimento dos custos judiciais e danos materiais, além do direito de rescindir o contrato. O custo de uma eventual derrota preocupou o Exército e Mourão patrocinou uma nova negociação, dessa vez para um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Para o TCU, desde o começo do contrato o vice-presidente estava convencido de que sua assinatura seria suficiente para viabilizar o pagamento, tanto que após o certificado ele também emitiu um documento solicitando o processamento da transação. “É mister reconhecer que a sua emissão colocou o Exército Brasileiro em situação bastante precária frente à possibilidade de cobrança pela empresa contratada”, sustentam os auditores.

O TAC acabou sendo assinado em 2015, mesmo após avaliações internas do próprio Exército de que o instrumento era muito mais vantajoso para a Tecnobit. Os auditores do TCU concordaram com a ressalva, alegando que o acordo “beneficiou preponderantemente a empresa contratada”.

Além de viabilizar o pagamento requisitado pela empresa, o TAC alterou as entregas previstas para cada fase do projeto, reduziu o valor da garantia bancária fornecida pela Tecnobit e eliminou os controles que visavam garantir a transferência de tecnologia.

“Fica evidente que a repactuação remunerou a empresa com praticamente o mesmo valor anteriormente previsto, reduzindo as entregas, uma vez que os equipamentos não precisavam estar em funcionamento em Resende (preliminarmente testados) e estava ausente a transferência de tecnologia”, avalia o relatório do TCU.

Valor Econômico