Mulher de Bolsonaro fez declaração falsa de valor de imóvel

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Foto: Wilton Junior/Estadão

Segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle comprou no ano passado um imóvel por preço 65% abaixo do que valia, segundo avaliação do município. Em vez de desembolsar o R$ 1,2 milhão estipulado pela Prefeitura para cálculo do Imposto de Transmissão sobre Bens Intervivos (ITBI) na transação, pagou apenas R$ 420 mil. O pagamento do valor mais baixo, isoladamente, não é irregular. Desperta, porém, suspeitas de suposta lavagem de dinheiro por pagamentos “por fora” – principalmente se aparece conjugado a outros indícios de presumidos crimes. Ela própria é investigada desde 2019.

Quando Ana Cristina fez a transação, nove familiares seus já tinham sido alvos de quebras de sigilo na investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) por supostos peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A suspeita é que fossem “fantasmas” quando estiveram lotados no antigo gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio. Eles repassariam ilegalmente a maior parte de seus salários ao então deputado estadual, eleito senador em 2018. O parlamentar nega ter cometido ilegalidades. Diz ser vítima de perseguição política.

Ana Cristina não passou por medidas cautelares nessa investigação. Mas foi em meio à união com Jair Bolsonaro que parentes dela, de diferentes graus, foram nomeados em gabinetes parlamentares da família. No mesmo mês da compra do apartamento na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, ela passou a ser investigada pelo Ministério Público do Rio, em apuração sobre o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), irmão de Flávio.

Carlos não é filho de Ana Cristina, mas do primeiro casamento do pai dele. Ela foi chefe de gabinete no primeiro mandato do filho “zero dois” do presidente da República na Câmara Municipal da capital fluminense, iniciado em 2001. Ana ficou no cargo até se separar de Jair Bolsonaro, oito anos depois.

O imóvel comprado por ela em julho do ano passado fica em um condomínio com ampla oferta de serviços, como piscina e pizzaria. Atualmente, como mostrou a revista Época, Ana Cristina tem também duas salas comerciais, a casa em que vive a família, em Resende, no sul fluminense, e um terreno com a casa onde mora, na mesma região.

O apartamento da Barra foi comprado no dia 19 de julho de 2019 em negócio oficializado em cartório no centro do Rio. Obtida pelo Estadão, a escritura de compra e venda não detalha como o pagamento foi feito. Diz apenas que o valor de R$ 420 mil já havia sido entregue ao casal que vendia o imóvel e o dava por quitado.

Os números citados pelo documento mostram um excelente negócio para Ana Cristina. A Secretaria Municipal da Fazenda da capital fluminense arbitrou para o apartamento um valor de R$ 1.194.191,30. Sobre ele, incidiu o ITBI de 3% – R$ 35.825,74. Ana Cristina “economizou” R$ 774.191,30, equivalente a 64,8% do valor oficialmente apontado pelo município. Ninguém, porém, é obrigado a seguir essa avaliação, que é feita apenas para que o Fisco cobre o que acha justo para que o Erário não perca dinheiro.

A segunda ex-mulher de Bolsonaro é chefe de gabinete de um vereador em Resende. Localizada às margens do rio Paraíba do Sul, a cidade de 131 mil habitantes fica a mais de 160 quilômetros da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal do Rio, onde os familiares de Ana Cristina deveriam trabalhar quando estavam nomeados nos gabinetes. Em vários casos, eles nem emitiram crachá funcional das respectivas Casas Legislativas. Bolsonaro e Ana Cristina têm um filho juntos, Jair Renan.

Com as quebras de sigilos bancário e fiscal, o MP constatou que os parentes de Ana Cristina sacaram 84% dos rendimentos no período em que foram funcionários no gabinete de Flávio na Alerj. Promotores suspeitam que o esquema de recolhimento de salários era coordenado por Fabrício Queiroz. Ele cumpre em casa prisão preventiva, com a mulher, Márcia Aguiar, também presa.

O Estadão mostrou no dia 24 de setembro que, depois da separação, Bolsonaro e Ana Cristina venderam um terreno de 560 metros quadrados num condomínio em Resende. O negócio foi fechado em 2008 por R$ 38 mil, com o coronel da reserva Guilherme dos Santos Hudson. Ele é conhecido do presidente há mais de 40 anos e marido de uma tia de Ana Cristina, Ana Maria de Siqueira Hudson. O coronel é investigado tanto no caso Flávio quanto na apuração sobre Carlos.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com os antigos proprietários por e-mail e mensagens em redes sociais, mas não obteve retorno. Procurado, o advogado de Ana Cristina, Magnum Cardoso, não respondeu a até a publicação da reportagem.

Estadão