Pandemia pode impedir eleitora de 100 anos de votar

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Foto: Maria Alice Cherubim

Puxando pela memória, Vitalina Cherubim conta: “Eu votei no Getúlio Vargas e penso que comecei votando nele”. Neta de escravos e próxima de completar 101 anos em dezembro, ela diz que colocou seu voto em uma urna pela primeira vez por volta dos 30 anos – Getúlio foi eleito presidente, depois do fim do Estado Novo, em 1950.

Vitalina é uma entre os 537 eleitores de Campinas que têm 100 anos de idade ou mais e estão aptos a votar, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É o segundo maior contingente de centenários entre os municípios paulistas, atrás apenas da capital paulista.

Mesmo comparada com capitais, a cidade só tem menos eleitores na faixa de 100 anos que São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Belo Horizonte. Proporcionalmente, esse grupo representa 0,06% dos 843,3 mil eleitores campineiros, mesmo índice da capital mineira. Nas capitais paulista e cearense a taxa é de 0,07% e na fluminense, de 0,08%.

Lúcida e ativa, Vitalina se lembra dos avós, do pai nascido sob tutela de fazendeiros e da Lei do Ventre Livre, das diversas lutas que enfrentou desde a infância na roça, na cidade de Amparo, até os trabalhos de doméstica, cozinheira e passadeira que exerceu já em Campinas, na vida adulta. Histórias contadas no livro Vitalina Cherubim, neta de escravos em conversas com café quente, escrito pela jornalista Maria Alice da Cruz e lançado em 2019 pela Traçado Editorial. “Nesta eleição, tenho vontade de ir, mas acho que não vou poder. Não estamos saindo muito de casa por causa da pandemia.”

Mesmo após introdução da urna eletrônica, diz que não vê dificuldades em votar. “Para isso, tenho minhas assessoras”, brinca, referindo-se às filhas. Em sua zona eleitoral, precisa subir uma escada, mas que não a limitou a votar até agora. “Com a idade, a perna vai ficando mais fraca, mas está dando para subir”, afirma.

Também aos 100 anos, completados em setembro, Henrique de Oliveira Júnior tem o nome marcado na história campineira como cineasta e fundador do Museu da Imagem e do Som (MIS) local, em 1975. Ele não vota mais em razão da idade, porém, acredita no poder da democracia e incentiva a população a acompanhar a política.

Na década de 1970, viu de perto a movimentação eleitoral em seu estúdio, que era usado por partidos para gravação de peças de áudio. “Acredito na importância do voto, é necessário. As pessoas devem se informar sobre os candidatos para votar bem”, incentiva. “Campinas progrediu muito, os políticos evoluíram. O progresso traz qualidade de vida para a cidade.”

Segundo a professora Mariana Reis Santimaria, do Projeto Vitalità, criado na PUC-Campinas para promover pesquisas e ações de atendimento voltadas aos idosos, o município oferece boas condições de longevidade por ter redes estruturadas de saúde nos setores público e privado. Também pela ação ativa de conselhos de idosos e por possuir serviços e espaços de convivência para essa população.

“O atendimento ao idoso, no entanto, precisa avançar. Temos de planejar com antecedência, alocar recursos, porque há aceleração do processo de envelhecimento no Estado. Reflexo da queda na taxa de fecundidade, maior controle das mortes precoces, melhoria sanitária e em tecnologia de prevenção”, diz a docente, especialista em gerontologia.

Ainda na opinião de Mariana, a sociedade deve garantir protagonismo ao idoso, rompendo a ideia de dependência. “Um exemplo, neste caso, é a possibilidade de votar, algo que traz mudança. Mas é importante que isso ocorra em condições adequadas de saúde e em espaços acessíveis.”

Estadão