Vitória da esquerda desmonta farsa que derrubou Evo Morales

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FOTO: BERTAND LANGLOIS/AFP/ Reprodução/Folha

Num ano de 2019 turbulento na América Latina, marcado pela escalada da crise na Venezuela e o fracasso do acordo UE-Mercosul, nada superou o escárnio do golpe ocorrido na Bolívia. A controversa tentativa de reeleição de Evo Morales terminou numa tomada de poder pelas forças militares, que apoiaram a posse de Jeanine Añez, uma presidente autoproclamada.

Um movimento acompanhado por órgãos internacionais como a OEA, potências regionais como o Brasil e até ícones do progressismo global como o também colunista desta Folha Yascha Mounk. Pouco depois, veio o escândalo. Instituições idôneas demonstraram de forma inequívoca que, afinal, a fraude eleitoral cometida pelo governo de Evo Morales, pretexto usado pelos militares para derrubar o seu governo, não passava de uma fantasia.

Episódios de ruptura democrática costumam demorar tempo para serem completamente elucidados. Historiadores passam décadas catando documentos para tentar comprovar uma versão dos fatos. Na Bolívia, no entanto, bastaram alguns meses para se demonstrar o golpe de Estado, de forma que o primeiro governo da era pós-Morales acabou antes de começar.

O espetáculo de incompetência, corrupção e autoritarismo do último ano contribuiu para aumentar a rejeição do governo Añez. Feito impensável, os aspirantes a ditadores deixaram a franja mais conservadora da elite local com saudades da relativa paz social dos tempos de Morales. Não surpreende, portanto, que o MAS se encontre novamente às portas do poder.

Como em toda democracia em colapso, as articulações entre as diferentes forças políticas dos próximos dias serão tão importantes como o resultado do voto popular deste domingo (18). A interrupção do sistema de contagem rápida dos votos horas antes da ida às urnas deixa pensar que o regime está disposto a tudo para impedir a eleição do MAS.

No entanto, a geopolítica de outubro de 2020 é muito diferente da de novembro de 2019. Os Estados Unidos se encontram em plena transição, e a OAS e o governo brasileiro perderam a credibilidade necessária para pesar na política doméstica. Nesse contexto, as forças militares não dispõem de mesma margem de manobra para repetir a artimanha de dois anos atrás.

Mais uma ruptura do processo democrático seria inaceitável até para os modestos padrões latino-americanos. O MAS, que resistiu bravamente a incessantes manobras de intimidação e violência política nos últimos meses, terá como principal desafio mostrar que tem condições de superar o ciclo da liderança carismática de Evo Morales.

A tentação de se agarrar ao chefe para se perpetuar no poder é uma patologia comum a formações da esquerda latino americana que, em situações extremadas, pode levar a pesadelos como o do chavismo na Venezuela.

Para convencer os bolivianos e os observadores internacionais, o candidato do partido, Luis Arce, terá de mostrar liderança e autonomia nesse momento decisivo. Erradamente caricaturada como remota e exótica, a Bolívia, na realidade, reúne todas as peças do mosaico da América Latina.

Folha de S. Paulo