Advogados ensinam a cobrar mil dólares de Bolsonaro

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Foto: MARCOS CORRÊA/PR

Uma iniciativa promovida por um grupo anônimo, com apoio de advogados, quer cobrar do governo federal o complemento do auxílio emergencial para que atinja o valor US$ 1 mil anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante discurso na 75ª edição da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). À época, pelo cálculo, o governo considerou a cotação do dólar na data em que foi aprovada a lei do auxílio emergencial – e Bolsonaro “arredondou”.

A conta levou em consideração o valor total dividido pelo número de beneficiados, sem, no entanto, levar em conta algumas especificidades determinadas para a concessão dos valores. Mães solteiras, por exemplo, receberam o benefício dobrado e, no caso delas, a cifra de fato ultrapassa os 1 mil dólares na soma das parcelas. No caso dos beneficiários comuns, porém, o somatório de todas as parcelas chega a US$ 772 – ou R$ 4,2 mil.

Batizado de “processe Bolsonaro você mesmo”, o movimento teve origem após a sentença da juíza federal Angelina Costa, que, ao julgar o caso de uma mulher que entrou na Justiça para receber o valor restante para completar os mil dólares, negou o pedido. Na decisão, ela alegou: “Atender ao pleito autoral feriria o princípio da isonomia, pois seria o mesmo que tratar-lhe de forma privilegiada em detrimentos dos demais brasileiros na mesma situação”.

O coletivo responsável pela ação alega que, ao incentivar que mais brasileiros recorram ao Judiciário para o recebimento do suposto residual do benefício, a justificativa de “tratamento desigual” perderia força. No site criado pelo grupo, há todo o passo a passo de como abrir um processo por conta própria, sem necessidade de um advogado, para que quem recebeu valor inferior a mil dólares peça o complemento.

As instruções foram elaboradas com auxílio de advogados e são detalhadas. Nelas, a iniciativa ensina como se cadastrar, usar o sistema, pedir gratuidade da Justiça, prioridade de tramitação, entre outras. Também há a lista completa de documentos e provas exigidos pelo protocolo da peça jurídica, bem como os links para o ingresso com o processo em cada estado.

Um dos criadores do coletivo, que pediu para não ser identificado, diz que a iniciativa surgiu após fazer os cálculos sobre o discurso de Bolsonaro na ONU. “A nossa ideia foi fazer o site e colocar no ar como um serviço público, um exercício de cidadania. As pessoas decidem se querem processar ou não”, disse.

O responsável pelo site disse que pretende se manter anônimo por temer perseguição. Também por este motivo, o endereço está hospedado em servidor fora do Brasil. “Precisamos adotar algumas medidas porque entendemos que estimular a pessoa a processar o governo pode gerar perseguição de apoiadores. Não temos nenhum cunho ideológico, nem pretensão de fazer campanhas difamatórias”, acrescentou.

Bolsonaro abriu o discurso da 75ª Assembleia Geral comentando sobre as medidas do governo federal para combater os impactos da Covid-19. Entre elas, ele listou que “concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente mil dólares para 65 milhões de pessoas” e classificou o auxílio como “o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo”.

A fala foi alvo de críticas e, para sustentar a declaração de Bolsonaro, o perfil da Secretaria de Comunicação publicou o comparativo com a média recebida pelo beneficiários, levando em conta a cotação do dólar em 3 de abril. Segundo a informação divulgada pela Secom, a média do valor total recebido é de R$ 5.067, o que resultaria em US$ 958. Naquele dia, a moeda norte-americana custava R$ 5,28.

O governo é defendido pela Advocacia Geral da União (AGU) nas causas relacionadas ao auxílio. Questionada sobre o serviço que incentiva processos contra a União, a AGU não se manifestou diretamente, mas encaminhou cópia da sentença que negou a ampliação do benefício para mil dólares a uma dona de casa do Rio de Janeiro.

“No caso, além de inexistir o dano alegado, a autora deixou de discriminar condutas individualizadas em seu desfavor ou adoção de qualquer medida gravosa pela ré que justificasse seu pedido, padecendo, até mesmo, de carência de ação”, escreveu a juíza.

“Assim, não vislumbro presentes os requisitos à responsabilização da parte ré, mormente se considerarmos que houve o processamento de milhões de pedidos de auxílio emergencial e de sua prorrogação, nos termos da lei de regência, em virtude da pandemia”, acrescentou.

Metrópoles