Cidade do interior do Rio é laboratório de renda básica

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Foto: Wilton Junior / Estadão

Da pequena loja de materiais de construção até a unidade de uma grande rede de supermercados, uma coisa une o comércio de Maricá: as placas que anunciam a possibilidade de pagamento em mumbucas. De nome curioso, inspirado num rio que corta o município, a moeda social criada pela Prefeitura em 2013 mudou a dinâmica de consumo na cidade. Cerca de 42 mil dos 164 mil maricaenses recebem todo mês o equivalente a R$ 130, e o valor foi ampliado para R$ 300 durante a pandemia.

“Se não fosse a Mumbuca, eu estaria passando fome”, resume a moradora Katia de Castro, de 59 anos, enquanto sai do mercado carregando sacolas de compras. Assim como ela, a maioria dos clientes que o Estadão acompanhou na beira do caixa realizaram o pagamento com o cartão do Banco Mumbuca – que funciona por aproximação com o celular da loja cadastrada.

O número de aparelhos que efetuam o pagamento em moeda social na cidade é hoje cerca de três vezes maior que o de máquinas tradicionais de cartões de crédito e débito: 6,2 mil. Laboratório do modelo de renda básica, hoje debatido a todo momento no País e no mundo, o programa de Maricá é o maior desse estilo em toda a América Latina.

Segundo dados da Equipe UFF-JFI (Jain Family Institute) de Avaliação da Renda Básica de Cidadania, foram gastos R$ 89,5 milhões em mumbucas no comércio de Maricá no primeiro semestre deste ano. O valor, que é mais da metade do movimentado no ano passado inteiro, mostra o impacto do aumento do benefício pago aos cidadãos durante a pandemia.

Para comerciantes da cidade, a mumbuca foi a grande salvação da economia local nos meses mais intensos de restrições impostas pelo coronavírus. “Durante a pandemia, foi o estopim. No nosso delivery, mais de 50% das compras foram pagas em mumbuca”, conta Luiz Fernando Oliveira Domingues, gerente de uma loja de móveis e eletrodomésticos.

O município conseguiu, inclusive, um feito que vai na contramão da tendência econômica provocada pelo vírus: aumentou a contratação de pessoas com carteira assinada e passou ilesa pelos possíveis baques acarretados pela crise sanitária. Isso porque, além de ter aumentado a renda básica já existente e adiantado ainda no final de março o abono natalino do programa, foram criados outros dois auxílios específicos – parecidos com o que o governo federal só começou a pagar no final de abril.

O Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT) segue a mesma lógica do auxílio federal, mas destina valores superiores: trabalhadores autônomos e informais de Maricá têm direito a receber, até dezembro, um salário mínimo pago pela Prefeitura, que chegam a eles pelo Banco Mumbuca. Já o Programa de Amparo ao Emprego (PAE) é focado em subsidiar com dinheiro público os salários de funcionários de empresas com até 50 empregados ou microempreendedores individuais. O valor também é de um salário mínimo por trabalhador e, nesse caso, é pago em reais.

“Isso permitiu que fizéssemos um fechamento economicamente seguro”, aponta o secretário de Desenvolvimento Econômico, Magnun Amado.

A Renda Básica de Cidadania funciona da seguinte forma: a Prefeitura encaminha o dinheiro e a lista de beneficiários para o Banco Mumbuca, empresa comunitária criada em 2013; dali, o valor é convertido na moeda social e transferido para os cidadãos – que, para recebê-lo, precisam ganhar até três salários mínimos e morar na cidade há pelo menos três anos. Sem existir fisicamente, o valor só pode ser usado no comércio local, o que acaba gerando milhares de beneficiários indiretos.

Toda a abundância de programas sociais só é possível por um motivo: petróleo. Maricá recebeu, somente em setembro deste ano, R$ 73,6 milhões em royalties, segundo tabela da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Há preocupação quanto ao futuro das receitas na cidade, considerando o caráter finito do combustível fóssil e a possibilidade de mudanças nas regras de distribuição dos royalties.

O discurso da Prefeitura é de que está investindo em duas formas de se preparar para o fim da fartura de recursos. Uma delas envolve destinar 5% dos recursos mensais para um fundo soberano que já conta com mais de R$ 400 milhões. A outra é aproveitar o momento positivo para investir em formas diferentes de dinamizar a economia, como na criação de resorts turísticos e na intensificação da atividade portuária. A ideia central, segundo as autoridades, é pegar o dinheiro de hoje para estruturar a cidade de modo financeiramente sustentável no longo prazo.

No âmbito político, os programas implementados nas gestões dos petistas Washington Quaquá e Fabiano Horta devem garantir a reeleição do segundo com facilidade em novembro. Além disso, outros candidatos do partido pelo País têm buscado informações sobre a renda básica maricaense para incrementar suas propostas de governo, como é o caso de Benedita da Silva na capital do Rio.

Estadão