Por 2022, Sergio Moro faz profissão de fé neoliberal

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Foto: Joel Rocha

Passava um pouco do meio-dia da última terça-feira, 10, quando Sergio Moro, dirigindo o próprio carro, estacionou em frente a um restaurante italiano, no centro de Curitiba. De máscara e sem o aparato de seguranças, assessores e viaturas que o acompanhavam desde os tempos da Operação Lava-Jato, ele praticamente não foi notado na chegada — uma cena rara diante da dimensão e da notoriedade alcançada após anos à frente de uma das maiores investigações de combate à corrupção do planeta. Desde que se demitiu do governo Bolsonaro, em abril, o ex-ministro da Justiça cumpriu a quarentena obrigatória. Nesse período, se dedicou a definir os rumos da nova carreira profissional. Moro obteve licença para exercer a advocacia, captou uma carteira de potenciais clientes na área de compliance e pretende intercalar essa atividade com aulas e palestras. Essa é a versão resumida que o ex-ministro repete a quem lhe pergunta sobre seus planos futuros. A versão ampliada é bem mais complexa e ambiciosa: envolve planos e estratégias imediatas para transformá-lo em um político com perfil e condições de disputar as próximas eleições presidenciais.

Sergio Moro entrou em processo de metamorfose desde o instante em que deixou o governo. Aconselhado por amigos, nos últimos meses, o ex-ministro, tímido e discreto, se reuniu com políticos, empresários, banqueiros e investidores. Nesses encontros, fez questão de demarcar as diferenças de posição que existem entre ele e o presidente Bolsonaro. Atento às tendências, Moro tem se colocado como alguém postado ideologicamente no espectro da chamada centro-direita. No terreno econômico, se diz um liberal, defende a privatização de empresas estatais e reformas profundas do Estado, especialmente no campo tributário e administrativo — uma pregação do bolsonarismo durante a campanha que alguns setores hoje veem como compromissos difíceis de ser implementados diante dos novos arranjos políticos do governo. Pouco conhecido, o discurso do ex-ministro já diluiu muitas resistências que havia contra ele, principalmente no setor produtivo.

O aceno de Moro ao mercado financeiro tem método e objetivo. Não por acaso, a cartilha econômica dele é fortemente atrelada ao que defende o ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos poucos integrantes do governo Bolsonaro considerado amigo do ex-juiz em sua passagem por Brasília. Após importantes empresas terem sido enredadas no esquema de corrupção instalado na Petrobras, boa parte do empresariado tinha passado a ver com fortes desconfianças a eventual ascensão política do ex-ministro da Justiça. De inimigo, Sergio Moro passou a receber afagos do patronato e hoje acumula convites para falar a analistas da bolsa e fundos de investimento. O motivo: o capital político dele não se esvaiu após ter deixado o governo. “Levantamentos mostram uma competitividade eleitoral do ex-ministro Sergio Moro. Estamos muito longe da eleição de 2022, mas há um interesse em se tentar compreender o que seria um eventual governo Moro”, disse a VEJA o analista político da XP Investimentos Victor Scalet, que já participou de uma reunião com o ex-ministro voltada essencialmente a temas econômicos.

Ao tornar público o que pensa sobre assuntos que interessam ao mercado como a reforma tributária e o enxugamento da máquina pública, e defender um “Estado verdadeiramente reformista”, o ex-juiz da Lava-Jato também tenta se afastar da imagem de “justiceiro implacável” e, estrategicamente, se posicionar como alguém que pensa e defende ideias e posições que ficam bem distantes dos extremos. Em suas conversas com empresários e investidores, Moro defende “recuperar o espírito de reformas” e é cauteloso ao comentar a necessidade de um imposto sobre operações digitais nos moldes da extinta CPMF. Sobre o espinhoso tema das privatizações, é a favor de que o Estado mantenha o controle das áreas estratégicas da educação, saúde e segurança pública. Para bom entendedor, a falta de menção explícita aos maiores bancos públicos foi um sinal. “Uma vez identificado no ex-ministro Moro alguém que pode continuar avançando no combate à corrupção e não sendo vinculado às orientações mais à esquerda, isso abre espaço para que esse candidato com apelo popular possa conduzir uma política do ponto de vista econômico mais palatável”, avalia o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.

No campo ideológico, o ex-ministro da Justiça tenta marcar posição como um egresso do bolsonarismo avesso aos extremos. Recentemente, o ex-juiz deu um importante sinal de maleabilidade política ao afirmar em conversas reservadas que a eventual campanha de um candidato antipolarização não precisa necessariamente ter a bandeira do combate à corrupção como a principal pauta de 2022. Moro, com isso, não abandonou a defesa da agenda anticorrupção, mas avalia que outras necessidades pós-pandemia, como a geração de empregos e a retomada do crescimento econômico, tendem a ser mais proeminentes para o eleitor na próxima disputa presidencial. O aceno atraiu a atenção de candidatos que trabalham para tentar construir uma opção política mais ao centro, uma terceira via para fazer frente a uma provável reedição da polarização entre esquerda e direita. Tanto que o ex-ministro foi procurado pelo apresentador Luciano Huck e pelo governador João Doria, ambos presidenciáveis, para conversas reservadas, conforme revelaram na semana passada reportagens do jornal Folha de S.Paulo. Procurado, o ex-ministro não dá detalhes sobre esses encontros. Diz apenas que são conversas entre pessoas que estão preocupadas com o Brasil e em evitar, em 2022, a volta dos discursos de ódio.

O potencial eleitoral de Moro é incontestável, assim como suas dificuldades. Um pesquisa realizada pelo Instituto Paraná, divulgada por VEJA em julho, dois meses depois de ele ter deixado o governo, mostrou o ex-juiz na segunda colocação em intenções de voto para a Presidência da República, atrás de Jair Bolsonaro, que deve disputar a reeleição, mas à frente de nomes com mais experiência administrativa e eleitoral, como Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), e o governador João Doria (PSDB). Levantamentos de outros institutos também confirmam a popularidade de Moro. Por isso, há tempos ele é visto no meio político como um provável candidato em 2022. Um nome capaz de quebrar a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula a partir de uma agenda liberal na economia e de combate à corrupção e ao crime organizado. Numa eventual campanha, Moro poderia se apresentar como o magistrado que mandou para a cadeia políticos e empresários poderosos e, ao mesmo tempo, como o ministro que deixou o governo acusando Bolsonaro de interferir nas investigações da Polícia Federal.

A principal dificuldade no horizonte mais próximo de Moro é encontrar uma legenda que lhe dê abrigo e, principalmente, que construa uma chapa competitiva na sucessão presidencial. Atualmente no comando do Congresso, o DEM trabalha prioritariamente pela candidatura do apresentador e empresário Luciano Huck. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, é o principal articulador. O PSDB está fechado, por enquanto, com Doria. O MDB, cujos caciques foram atingidos em cheio pela Lava-Jato, negociam com tucanos e democratas. No campo do centro, restam poucas opções. Uma delas é o Podemos, partido que empunha a bandeira da Lava-Jato, mas desempenha um papel lateral no cenário político. Já as siglas do chamado Centrão tendem, como de costume, a fechar com quem tiver mais chances de vitória. Hoje, estão com Jair Bolsonaro. Além disso, é impossível que o Centrão rume com Moro, já que os expoentes do grupo formam uma parte importante da clientela da Lava-Jato. A maioria dos políticos tradicionais acusa Moro de, enquanto juiz, criminalizar a política. Agora, estão preparados para a desforra, fechando-lhe as portas para uma candidatura. Quem ainda considera possível uma aliança com Moro aposta nele, na melhor das hipóteses, como um nome para compor a chapa como vice. Esse era o plano de Bolsonaro quando os dois ainda estavam juntos no governo. Essa ainda é uma possibilidade aventada, entre outros, por Doria e Huck.

Para além das articulações políticas, a construção do perfil político e do discurso de Sergio Moro será costurada também no Supremo Tribunal Federal (STF), corte onde o ex-juiz tem desafetos declarados, e que deverá julgar no início do próximo ano a atuação dele nos processos que envolvem o ex-presidente Lula na Lava-Jato. Atendendo a um recurso da defesa, a Corte vai analisar se Moro agiu com independência ao condenar o petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso Sergio Moro seja considerado suspeito, as penas impostas a Lula poderão ser anuladas e o ex-presidente, em tese, até reabilitado politicamente, inclusive com a possibilidade de disputar as eleições presidenciais. Seria um imenso revés na história da Operação Lava-Jato, mas não necessariamente devastador para as aspirações políticas do ex-juiz. Pelo contrário. “O Brasil reúne dois traços que se retroalimentam: o pragmatismo e o punitivismo. Por isso, se Moro for declarado suspeito, ficará a imagem do herói que prendeu e o Estado soltou, na linha da crença em super-heróis. Coisa que não é real, mas que dá uma sensação de que tudo pode ser resolvido de forma prática, rápida”, diz a cientista política Clarisse Gurgel, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). A transformação do juiz num político, como se vê, ainda tem um longo e imprevisível caminho a ser trilhado nos próximos dois anos. Mas dificilmente deixará de acontecer.

Veja

 

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