Trump pode mudar sistema eleitoral americano

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Foto: CARLOS BARRIA / REUTERS

A acusação inédita e sem provas contra o sistema eleitoral americano que Donald Trump fez desde a campanha é o maior teste já enfrentado pela democracia americana. Embora a participação recorde em meio à pandemia seja um sinal de vigor e confiança dos eleitores, as alegações do republicano podem, segundo especialistas, deixar feridas, abalando regras não escritas do pacto político. E os resultados apertados e contestados escancaram idiossincrasias do sistema eleitoral que foram desenhadas há mais de dois séculos, na Constituição de 1787, mas que hoje parecem anacrônicas diante da comparação com outras democracias ocidentais —como a escolha indireta do presidente pelo Colégio Eleitoral ou a autonomia local na definição das regras de votação, apuração e proclamação dos resultados.

Na imensa maioria das democracias, é escolhido presidente ou lidera o governo, no caso do parlamentarismo, quem tiver a maior parte dos votos da população, em um sistema gerido por leis nacionais e instituições centralizadas. Com a tecnologia, ainda que o voto não seja eletrônico, é possível saber o vencedor em poucas horas. Mas não nos EUA.

No país que se formou com a união de 13 estados que queriam manter sua autonomia e temiam o controle da federação pelas unidades mais populosas, o Colégio Eleitoral foi a saída de consenso na época. Do mesmo modo, os governos locais têm autonomia para determinas as leis eleitorais, assim como podem aplicar ou não a pena de morte, legalizar a maconha recreativa e ter até Imposto de Renda próprio. Com a tradição jurídica inglesa, onde a jurisprudência tem mais peso que leis muito detalhadas, a eleição se baseia em grande parte em normas não escritas, seguidas por partidos e candidatos dentro de um certo nível mínimo de consenso.

O sistema eleitoral já era questionado porque, por duas vezes desde 2000, o presidente eleito pelo Colégio Eleitoral não teve a maioria dos votos populares — George W. Bush e o próprio Trump em 2016, ambos republicanos. Mas o atual presidente elevou a tensão em torno do sistema a um nível inédito.

— Nosso sistema eleitoral foi formado no início do século XVIII. Ele não foi desenhado para as democracias contemporâneas, era algo que fazia sentido naquele momento, bem como que cada estado definisse suas regras. Agora Trump acusou de fraude normas que sempre foram respeitadas, como prazo maior para receber votos pelo Correio desde que postados até o dia da eleição. Isso não é fraude, são normas aceitas pelo povo e pelos partidos de determinado estado ou condado —disse Josh Pasek, professor de Comunicação e Mídia da Universidade de Michigan. — Tudo aqui é descentralizado, atendendo às realidades de cada localidade.

Pasek afirma que, apesar de o sistema funcionar — prova disso é o maior engajamento da população na eleição em décadas —, não significa que ele seja perfeito e que não precise de reformas. Além disso, a lógica por trás do Colégio Eleitoral perde apelo entre os mais jovens. Isso só faz ecoar mais as críticas de Trump nos EUA, onde poucos dos 50 estados podem ser considerados sem tendência política consolidada— por questões demográficas e econômicas, sabe-se de antemão a inclinação de cada localidade.

O cenário da pandemia, no qual um recorde de mais de 100 milhões de americanos votaram antecipadamente para evitar aglomerações, dos quais mais de 65 milhões pelo correio, foi usado por Trump para disseminar a alegação de manipulação no processo eleitoral.

Scott Mainwaring, professor da Universidade Notre Dame, em Indiana, afirma que, apesar de o sistema funcionar para a lógica americana de estados unidos porém autônomos, alguns pontos estão em debate há tempos. Ele lembra que, nos anos 1960, por pouco não se aprovou o fim do Colégio Eleitoral. Hoje, com a polarização política extrema, acredita que qualquer mudança nessa direção é impossível.

Mainwaring reconhece que a autonomia estadual nem sempre é utilizada de forma responsável, o que dá margem a críticas como as de Trump. Além de normas que visam impedir que grupos de eleitores votem, com a exigência de documentos específicos ou reduzindo o número de urnas em determinadas localidades, há muitos estados, de ambos os lados, que aplicam descaradamente o “gerrymandering” — o redesenho dos distritos eleitorais para que, com base na demografia, seu partido tenha mais chances de vitória.

— Os partidos tentam jogar com regras não justas, o que contamina a confiança na eleição. E, embora venham também de democratas, manobras como estas são mais usadas por republicanos.

Mainwaring afirma que, embora a demora na apuração deste ano e as acusações de Trump tendam a ampliar o debate sobre a necessidade de reformas eleitorais, ele acredita que isso será impossível em um país tão dividido e sem um partido com maioria clara na Presidência e nas duas Casas do Congresso.

— Este tipo de autonomia dos estados pode permitir que a Califórnia tenha um sistema público de saúde universal, algo parecido com o que há no Reino Unido ou no Brasil, mas que é impensável em termos nacionais nos EUA — afirma o especialista.

Parte das alegações de Trump têm origem em normas não escritas. Nos EUA, por exemplo, um gestor de um determinado condado (a divisão administrativa dos estados) pode criar um sistema de votos “drive-thru” para facilitar o voto na pandemia sem que seja necessária uma lei. O que sempre foi aceito, dentro de um acordo de cavalheiros, agora é posto à prova.

— Temos um sistema que sofre há anos de falta de investimento, então temos inveja do sistema eleitoral brasileiro, muito ágil. Há uma grande frustração com nosso sistema eleitoral, mas falta um projeto para reformá-lo. Porém, com a polarização, isso não avança, porque é baseado em uma desconfiança histórica do governo federal — afirma Brian Winter, vice-presidente de Políticas do centro de estudos American Society/Council of the Americas, em Nova York. — Muito da eleição é feito por tradição, não por lei, e este questionamento por parte do Trump é muito ruim. Ao menos 25% dos americanos acreditarão que houve fraude, que há um presidente ilegítimo. É uma triste novidade para nós.

O questionamento judicial da eleição também não é comum nos EUA, ao contrário de países como o Brasil, onde há tribunais eleitorais. As recontagens no país nunca mudaram, de fato, os resultados, apenas invalidaram algumas centenas de votos por falhas, mas sem alterar o cenário.

— Há um desafio nos tribunais, em especial na Suprema Corte. A gente nunca sabe com certeza como acabará um julgamento, mas o Judiciário americano segue a Constituição, que determina uma forte autonomia dos estados e suas normas — afirmou o juiz federal americano Peter Messitte, coordenador do Programa de Estudos Brasil-EUA da Faculdade de Direito da American University, na capital americana.

Paulo Sotero, jornalista e ex-diretor do Brazil Center no Wilson Center, acredita que, apesar de todas as críticas, a democracia sairá fortalecida depois das alegações falsas de Trump. Ele espera que o sistema encontre saídas, como ocorreu em 2000 na disputa entre Al Gore e George W. Bush pelos votos da Flórida, embora afirme que, em 2020, não há nenhuma irregularidade ou impasse parecido com o daquela eleição. Ele não avalia que o sistema seja arcaico e pouco efetivo.

— Vota-se todo ano nos Estados Unidos, escolhemos pelo voto não apenas políticos, mas cargos como o chefe de ensino de determinado condado, e referendos aqui são comuns. E as críticas que indicam que não há evolução é mentira: votei a primeira vez naquelas grandes máquinas que perfuravam papel, depois em máquinas eletrônicas, em um tablet e agora de forma antecipada, quando, de casa, tive tempo de pesquisar sobre todos os questionamentos. Votei com muito mais consciência — diz o brasileiro radicado nos EUA.

O Globo

 

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