A relação inescrupulosa da Lava Jato com a Globo

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Foto: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

Deltan Dallagnol estava obcecado pelo poder da Rede Globo no segundo semestre de 2015. A força-tarefa da Lava Jato colecionava troféus: em junho, os procuradores chefiados por ele haviam conseguido a prisão dos presidentes das superpoderosas empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez, Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo. O ex-ministro José Dirceu, o principal articulador político do PT, havia sido preso em 3 de agosto. O procurador-chefe da Lava Jato sabia que era o momento de capitalizar as vitórias.

As conversas do Telegram revelam que a obsessão de Dallagnol pela Globo convivia com outra: o projeto das dez medidas de combate à corrupção. Para o procurador e seus aliados, a série de mudanças legislativas iria fechar a porta para novos casos de corrupção, como o da Petrobras, e era uma mudança fundamental para transformar o país. Se houvesse apoio da mais influente organização de mídia do país, o projeto ganharia tração. “a globo é, como Vc diz, um transatlântico… não só para mudar de direção, mas também para impulsionar kkkk”, escreveu Dallagnol a um repórter da emissora em agosto daquele ano.

No final daquele mês, o Telegram de Dallagnol lançou uma notificação que iniciaria uma transformação na percepção do Brasil sobre o modelo de combate à corrupção defendido pela Lava Jato. Era uma mensagem de um colega de Ministério Público Federal chamado Daniel Azeredo, que se orgulhava de ter um “ótimo contato” com José Roberto Marinho, um dos filhos de Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho.

Em um grupo do Telegram com apoiadores do projeto das dez medidas contra a corrupção, Azeredo comentou sobre um encontro com um dos chefões da Globo.

“Deltan, jantei na semana passada com o José Roberto Marinho (com quem tenho um ótimo contato desde a Rio +20) da Globo e conversei sobre a campanha e novas formas de aprofundarmos a divulgação. Falamos por alto em uma série no jornal nacional comparando os modelos de combate a corrupção de outros países e mostrando como as 10 medidas aproximaria o Brasil dos sistemas mais eficientes do mundo, mas há abertura para outras ideias. O diretor executivo de jornalismo da Globo está em contato conosco para conversar sobre o assunto. Vou fazer uma conversa inicial e colocá-lo em contato com você tudo bem?”, escreveu o procurador em agosto de 2015, no grupo Parceiros/MPF–10 Medidas.

“Shou heim”, vibrou Dallagnol.

Horas mais tarde, Azeredo usou o Telegram para disparar mensagens privadas alertando o colega:

Azeredo também compartilhou a informação no grupo SCI/PGR e recebeu um elogio do colega Rodrigo Leite Prado, do MPF de Minas Gerais: “Daniel, já disse e repito: vc é um jênil! Delirando um pouco, se a Globo comprar sua ideia, poderíamos oferecer algo que de que eles gostam muito: casos, divulgados pelas emissoras locais, em que a adoção das Medidas teria evitado a impunidade. Daria boas suítes com custo pífio para o MGTV, o PRTV etc, sobretudo como opção nos dias em que as notícias não estão sobrando…”.

Até ali, Dallagnol e equipe privilegiavam a Globo sempre que possível. Em 3 de julho de 2015, por exemplo, enquanto o grupo comemorava mais um avanço nas investigações, o procurador pediu para os colegas segurarem a informação. “Não passem pra frente, vamos dar pro JN de amanhã em princípio…”, disse no grupo FT–MPF 2, se referindo ao principal programa jornalístico da emissora, o Jornal Nacional. Dallagnol queria repassar à Globo a descoberta, até ali restrita à força-tarefa, de que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa recebeu depósitos em contas na Suíça em datas próximas a telefonemas trocados entre Bernardo Freiburghaus, apontado como operador da Odebrecht, e Rogério Araújo, um executivo da empreiteira. O assunto permaneceu oculto no dia 3 de julho, mas voltou à tona entre os procuradores três dias depois:

Mesmo antes de terminar essa conversa, Dallagnol já falava com o jornalista da Globo para tratar do repasse da informação exclusiva:

A informação de Dallagnol realmente foi aproveitada pela Globo, que veiculou uma reportagem de quase dois minutos no Jornal Nacional daquela noite, 6 de julho. A matéria mostra trechos de um pedido do MPF para manter as prisões de Marcelo Odebrecht e dois executivos da empreiteira. O argumento eram as novas descobertas sobre as movimentações da empreiteira no exterior.

Esse documento já estava pronto desde o dia 2 de julho, mas ainda não tinha sido juntado aos autos da Justiça Federal do Paraná — ou seja, não estava público. A força-tarefa só anexou esse documento no processo às 20h19 do dia 6: onze minutos antes do início do Jornal Nacional daquela noite. Uma espécie de vazamento legalizado.

No dia 21, um repórter da emissora perguntou pelo Telegram se o coordenador da Lava Jato faria alguma denúncia na sexta-feira seguinte. Dallagnol abasteceu o jornalista. “Haverádenúncias sim, e não comente com ninguém mas te garanto que Vc não vai se arrepender. Venha. Mas não comente com ninguém. A ASSCOM vai informar jornalistas amanhã só, creio”, adiantou. “Vc não sabe disso”, acrescentou Dallagnol.

Três meses depois de alimentar jornalistas da emissora, o contato de Dallagnol com a cúpula da Globo finalmente avançaria.

NOVEMBRO DE 2015 foi mais um mês movimentado na Lava Jato. Sucessivas fases da operação prenderam o pecuarista José Carlos Bumlai, contumaz frequentador do Palácio do Planalto nos tempos de Lula presidente, o senador petista Delcídio Amaral e o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual. A Andrade Gutierrez, uma das maiores empreiteiras do país, fechou acordo de leniência.

Dallagnol, no entanto, seguia pensando em um encontro com um dos irmãos Marinho, que via como fundamental para as dez medidas contra a corrupção, projeto que passaria a ocupar cada vez mais o seu tempo — mais tarde, enquanto cogitava uma candidatura ao Senado em 2018, Dallagnol via o projeto como a plataforma da sua possível campanha, que nunca foi adiante.

No dia 7, ao conversar pelo Telegram com a procuradora Mônica Campos de Ré, ele revelou que finalmente havia conseguido um encontro com outro dos Marinho: João Roberto Marinho, presidente dos conselhos Editorial e Institucional do Grupo Globo e vice-presidente do Conselho de Administração. A conversa estava marcada para aproveitar uma viagem que Dallagnol faria ao Rio para defender seu projeto:

“Terei 2 eventos na FGV (em razão da representatividade do Joaquim Falcão), um encontro mais reservado com Roberto Marinho que foi feito de modo bem restrito (mantenha em sigilo por favor, para não expô-lo, mas torçamos que renda frutos), um evento na estácio de sá e o evento à noite na igreja..”, digitou.

No dia seguinte, ainda em chat privado com a colega, Dallagnol lamentou que o encontro com Marinho lhe custaria cancelar um debate marcado em uma igreja evangélica. “Há muitos evangélicos no RJ. É mto importante ocupar esse espaço… só cancelei minha participação pq entendemos que agora estrategicamente o Marinho pode render mais”. Dallagnol costumava pregar sobre corrupção em suas viagens pelo Brasil.

Mais tarde, Dallagnol recorreu à sua assessoria com outro pedido relacionado à Globo: “queria falar com Merval Pereira. Onde ele fica? SP ou RJ? Queria uma conversa sem objeto definido, para ele nos conhecer por uma conversa comigo. Vcs intermediam isso por favor?”

Nos dias seguintes, o procurador solicitou uma lista de pedidos a fazer à cúpula da Globo no grupo de coordenadores do projeto das dez medidas no MPF:

“Caros, mantenham restrito por favor, mas almoçarei com João Roberto Marinho, responsável pela parte de programação da globo. Preciso saber o que exatamente pedir que seja realista é factível, na forma de duas ou três alternativas”, escreveu.

Ao longo do mês, Dallagnol seguiu cobrando colegas a respeito do briefing para o encontro com Marinho. Ele disparou seguidas mensagens para dois grupos e um chat privado:

“NOMES SUPRIMIDOS, conseguiram pensar na pauta da minha conversa com o Roberto Marinho, na próxima semana?”, enviou para o grupo LJ comunic conexão CWB-BSB em 19 de novembro. “Os pedidos que posso fazer e alternativas que posso colocar na mesa, para apoio da globo?”, completou.

No grupo com os assessores de imprensa do MPF, recebeu dicas: “Sobre os Marinhos — o que pedir, é bem fácil: apoio institucional das Organizações Globo à campanha fora dos canais jornalísticos, ou seja, veiculação de VTs, talvez um um encarte ou anúncio no Globo, na Época… ;)”, disse um assessor.

The Intercept 

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