Brasil não tem mais controle sobre armas em circulação

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Foto: Reprodução/ Internet

As últimas flexibilizações feitas na política de armas podem gerar não apenas o aumento no número de equipamentos bélicos nas mãos das organizações criminosas, mas ampliar o potencial das mesmas e prejudicar a elucidação de crimes de homicídios. A avaliação é de Ivan Contente Marques, advogado e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em entrevista ao GLOBO, Marques afirma os decretos institucionalizam a falta de fiscalização no mercado de armas brasileiro, indo na contramão do mundo, e diz que os efeitos serão sentidos no futuro, quando as armas que entrarem no mercado legal forem parar nas mãos de criminosos. Para ele, Bolsonaro tenta pagar com armas e munições o apoio político de algumas categorias, seja individualmente ou coletivamente por clube de categorias e de militares reformados.

Qual o maior problema nos decretos editados, na sua avaliação?

Estamos abrindo mão de fiscalizar o comércio e uso de equipamentos que potencializam a capacidade de gerar dano de uma arma, como carregadores de munições e miras ópticas, por exemplo, que figuravam como produtos controlados do Exército. O carregador de uma arma acaba sendo determinante para a capacidade de disparos por minuto que uma arma tem. E o governo abre mão de fiscalizar a venda desse equipamento.

Outra questão gravíssima é a das munições. O Exército deixa de fiscalizar e controlar máquinas de recarga. Para aqueles que querem recarregar munições nas suas casas, elas poderão ser vendidas e usadas livremente, sem qualquer registro ou rastreabilidade. Isso é bem grave, não só promove a venda de materiais fundamentais para a promoção do universo das arma de fogo, como potencialmente pode impulsionar focos de fabricação de munição para organizações criminosas. Há uma tendência global de maior controle desses insumos, e o Brasil vai na contramão.

Quais são os impactos dessa mudança?

O cidadão que já podia comprar uma arma agora pode potencializar sua capacidade ofensiva. No caso de atentado a uma escola, por exemplo, um criminoso que entra na escola com um carregador consegue dar, no máximo, 20 tiros. Se ele comprar mais dez carregadores, o que vai poder fazer sem fiscalização ou controle, vai dar 200. Esse é o potencial de danos que medidas como essa podem ter.

Um fuzil com mira telescópica dá ao atirador um potencial de alcance muito maior do que os sem (mira). Não era à toa que era um produto controlado. Nunca foi proibido comprar, mas minimamente havia uma estrutura de controle, que o Exército abre mão. Estamos facilitando para imagens de membros de facção criminosa com fuzil importado e todo equipado sejam mais comuns. Agora ele contrabandeia só o fuzil. O restante vão compra sem informar nada. Não estamos falando de objetos inofensivos, mas que aumentam o potencial de uma arma, cuja natureza é matar ou ferir.

Você falou em fiscalização, e este já vem sendo um dos pontos mais criticados por técnicos, não apenas neste governo. Há uma deficiência histórica na integração entre sistemas, principalmente do Exército e Polícia Federal, por exemplo. Na sua avaliação, os decretos aprofundam os nossos problemas?

Sem dúvidas. Sempre houve uma dificuldade muito grande institucional do Exército e da Polícia Federal em fazer fiscalização de clubes de tiros, empresas de seguranças e atiradores. Era algo notório, agora é institucionalizado. O mundo está na direção de controle de armas e munições para evitar desvios, e o Brasil parece ir contra. Parece que o presidente e o Exército querem agradar os caçadores e atiradores, notoriamente os grandes consumidores da recarga caseira, pois barateia os custos, mas isso traz problemas para investigação de crimes.

Quais são esses problemas? A elucidação de crimes será prejudicada?

Exatamente. Uma munição recarregável é irrastreável. Enquanto a da fábrica tende a levar ao proprietário inicial e à origem de fabricação, com os mecanismos de controle, a recarregada, não. Para agradar um público, estamos jogando a segurança pública e a capacidade de investigação no lixo. O Brasil já tem reconhecidamente o mau uso de armas de fogo e uma taxa de esclarecimento de crimes que chega a menos de 30% a depender do estado.

Uma das mudanças é a questão do laudo de capacidade técnica para registro como atirador poderá ser substituído, de acordo com um dos decretos, por uma “declaração de habitualidade” fornecida por associação ou clube de tiro. Quais podem ser os reflexos?

Essa é outra medida para favorecer os CACs com a roupagem da desburocratização, mas que traz consequências nefastas. O laudo é a prova exigida para que o sujeito tenha o certificado de armas feito pelo instrutor credenciado pela PF. O decreto substitui esse laudo por um formulário de secretaria de clube de tiro. Qualquer clube de tiro poderá atestar que o cidadão tem capacidade técnica, o que não se comprova num universo de clube de tiro altamente questionável.

O número de clubes de tiro aumentou exponencialmente, existem muitos de papel no Exército, mas que são verdadeiros despachantes para dar arma de fogo para quem não consegue hoje via Polícia Federal.

Nos últimos decretos, entidades colocaram a falta de embasamento técnico para a adoção das flexibilizações. É possível, a partir do que foi publicado, ver alguma tecnicidade?

A única justificativa dada pelo presidente para os mais de 30 atos normativos era a bandeira da desburocratização e, o que foi revelado na reunião (ministerial) de 22 de abril, foi a intenção de armar o cidadão brasileiro para que ele, com arma em punho, consiga se contrapor ao seu governante local. O que vejo tecnicamente nesses quatro decretos é uma inexplicável abdicação da capacidade de fiscalização do Exército e também um afago a categorias profissionais que ganharam benesses antes destinadas somente a algumas profissões.

Bolsonaro tenta pagar com armas e munições o apoio político prestado por membros dessas categorias, seja individualmente ou coletivamente, como clubes e associações de categorias profissionais e de militares reformados. Todos ganharam privilégios antes inexistentes. Pouco a pouco vai devolvendo, no formato de concessão e privilégio, o apoio que vem recebendo dessa base.

Já são mais de 30 atos normativos publicados nos últimos dois anos, muitas vezes alterando decretos num curto espaço de tempo. Como você avalia essas mudanças sem a apreciação do Legislativo?

O Governo Bolsonaro tem fracassado em reformas estruturantes para o país. A questão das armas talvez seja a única questão que ele tem conseguido entregar, dentro das medidas infralegais, mas a essência da lei ele ainda não conseguiu mudar. Muda o número de armas, mas não consegue mudar o porte. O Estatuto do Desarmamento segue em vigência. Não que ele não quisesse mudar. O PL 3.723 foi derrotado no Congresso, aprovado todo desconfigurado na Câmara, e acabou dividido. Nesse sentido, há resistência política no Congresso.

Vários partidos começaram a articular decreto legislativo para revogar (os decretos da última sexta). A grande questão é que a arma de fogo é uma obsessão da família Bolsonaro e de alguns seguidores desse campo que têm como passatempo o tiro. Isso não é representativo do Brasil, como mostram pesquisas.

Há uma queda no número de apreensões de armas, como pode ser visto nos indicadores dos últimos anos. Por outro lado, assistimos a uma crescente no número de registros de armas no país, ao passo que vivemos uma grande flexibilização do mercado. Na sua avaliação, é o momento mais crítico para segurança pública?

Estamos vendo a abertura do mercado privado para que novas armas ingressem na sociedade brasileira. Podem não gerar danos imediatos pois inicialmente permanecem no mercado legal. O problema é que fatidicamente seus efeitos serão sentidos como impacto na segurança pública no médio e no longo prazo. O número de homicídios voltou a crescer depois de dois anos de queda, as facções vêm se organizando.

O momento mais crítico vai acontecer daqui a alguns anos, quando essas armas legais do cidadão bem-intencionado acabarem migrando para o mercado ilegal. Essa é uma tendência conhecida. As consequências serão nefastas para o futuro.

O Globo

 

 

 

 

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