Ataques de Bolsonaro à imprensa ferem a Constituição

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Foto: Reprodução/ Folha

Da campanha eleitoral em 2018 ao dia a dia como presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) mantém como retórica os ataques a veículos de imprensa e a jornalistas. Além de motivar agressões a esses profissionais, ele também agiu para prejudicar o financiamento das empresas de comunicação.

Tais práticas e agressões verbais violam a liberdade de imprensa e de expressão, asseguradas pela Constituição e um dos pilares de um regime democrático. Ferem ainda o princípio da impessoalidade exigido pelo cargo, afirmam especialistas ouvidos pela Folha.

Tal cenário foi apontado pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), em recente entrevista à Folha, como um dos sete sintomas da corrupção da democracia no país.

“A falta de modos, a selvageria discursiva que o caracteriza não tem precedentes. Nem o general Médici se expressava com essa baixeza”, afirma o jornalista Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, que destaca a comunicação de Bolsonaro como uma característica comum a governos autoritários da história.

Quais ataques Bolsonaro tem feito à imprensa e a jornalistas desde o início de seu mandato? Ainda candidato, Bolsonaro reagiu a reportagens investigativas feitas pela Folha, pregando o fim do jornal caso fosse eleito.

No cargo, ele passou a destratar, ofender e estimular a hostilidade contra jornalistas de diferentes veículos, entre eles a repórter especial da Folha Patrícia Campos Mello, que sofreu uma ofensa de cunho sexual transformada em piada pelo presidente. O filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, foi condenado a indenizar a jornalista por danos morais.

Além de já ter mandado profissionais da imprensa calarem a boca e se recusar a responder questões incômodas, em 2019 o presidente publicou uma medida provisória desobrigando a publicação de balanços em jornais, medida que perdeu a validade.

Também chegou a excluir a Folha de uma licitação de assinaturas da Presidência, mas voltou atrás. Bolsonaro também ameaçou não renovar a concessão da Rede Globo.

“Quando ele usa o cargo para prejudicar o faturamento de um órgão de imprensa ele está movendo uma perseguição política personalista, o que infringe o princípio constitucional da impessoalidade”, afirma Eugênio Bucci, para quem o presidente tem sido um vocalizador sistemático, contundente e reiterado contra várias garantias previstas no artigo 5º da Constituição.

Para Thiago Firbida, coordenador do programa de proteção e segurança da Artigo 19, é possível comparar tais ações com estratégias adotadas por governos autoritários para inviabilizar determinados veículos em países como Hungria, Polônia e Turquia, numa onda chamada de populismo autoritário.

“Em alguns países em que você tem a concessão, então você ameaça a concessão de licença para operar, mas isso tudo é sempre articulado com uma série de medidas diferentes e que acontecem ao mesmo tempo”, diz Firbida. Ele diz, entretanto, que não vê esse movimento como consistente ainda no Brasil.

Heloisa Fernandes Câmara, professora na UFPR e doutora em direito do Estado, afirma que vários relatórios e artigos mostram que nesses países houve uma diminuição da liberdade de imprensa.

“Se não tem uma ordem específica de fechamento, você estrangula o funcionamento do jornal, enfim, da imprensa, de maneira mais ampla, e isso causa uma autocensura também naqueles poucos que não foram comprados.”

Balanço feito pela organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras mostrou que, apenas em 2020, o presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e pessoas do seu entorno, como seus ministros, promoveram 580 ofensas a profissionais e empresas de comunicação.

O governo também usou instrumentos jurídicos com intuito de constranger jornalistas. Exemplo disso foram as reiteradas vezes em que o ministro da Justiça, André Mendonça, recorreu à Lei de Segurança Nacional para solicitar inquéritos contra jornalistas.

Um estudo feito pela organização Artigo 19 mostrou que a liberdade de expressão no Brasil teve queda durante o governo Bolsonaro. Firbida divide os ataques à imprensa em três categorias.

A primeira delas corresponde às acusações de que a imprensa é mentirosa sem demonstrar qualquer evidência disso.

Em segundo estão as ações que questionam a própria natureza e legitimidade do trabalho da imprensa.

Na terceira, a exposição de informações pessoais de jornalistas, de modo individual e de maneira excessiva, de forma que essa pessoa passe a sofrer ataques massivos nas mídias sociais, o chamado doxing.

“Quando você deslegitima o trabalho desses veículos e desses profissionais, você estigmatiza o que eles fazem como falso, e expõe profissionais individuais à execração pública para serem silenciados, a população simplesmente deixa de confiar nesses veículos como instituições legítimas de mediação de informação”, diz.

De que modo os ataques a jornalistas e veículos por parte de integrantes do governo, inclusive do próprio presidente, afetam a liberdade de imprensa? Quando o presidente da República tem uma atuação sistemática contra veículos, ele atenta contra a própria democracia, afirma Bucci.

“Para ser presidente, ele, como todos os antecessores, fazem o juramento de respeitar, manter e defender a Constituição. Quando ele faz esses ataques à liberdade de imprensa, ele está desrespeitando e assumindo uma posição contrária à da Constituição que ele tem o dever de manter.”

Firbida acrescenta que todo o ataque contra a imprensa busca o silenciamento sistemático, ou seja, a censura. “Democracia pressupõe liberdade de informação, democracia pressupõe liberdade de participação. Sem liberdade de imprensa, não existe a liberdade de informação, não existe acesso real à informação.”

Como diferenciar críticas saudáveis à atuação da imprensa de ataques ao seu papel? Samuel Vida, advogado e professor de direito da UFBA, destaca que o direito à liberdade de imprensa não significa uma cláusula de imunidade diante de críticas.

“Erros cometidos, alinhamentos parciais, interferências políticas e institucionais indevidas etc devem ser questionados legitimamente pelos cidadãos e mesmo pelos políticos.”

Bucci também diz que o presidente tem o direito e o dever de discutir sobre o registro dos fatos, mas há limites para isso. “O que ele não pode fazer é hostilizar, desprezar ou repudiar a ordem democrática que o elegeu”, diz.

Ambos citam como exemplo os ataques sistemáticos que atribuem à atividade jornalística o papel de inimiga, ao acusar jornais de serem fábricas de mentiras e negar prestar contas sobre os atos do governo. Outro ponto destacado pelos especialistas é a linguagem utilizada pelo presidente.

“O presidente não pode se expressar com termos e linguajar de meliante, porque quando ele fala, ele fala entrando na casa das pessoas. Isso é um desrespeito às pessoas e às famílias, que ele diz tanto que defende”, diz Bucci.

Ao fazer isso, Bolsonaro vai na contramão da crítica à imprensa, completa Vida. “Trata-se de evidente atentado ao direito constitucional e deve ser repudiado e responsabilizado adequadamente.”

Para a professora de direito constitucional da UFPR e pesquisadora do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) Vera Karam, embora seja clara e condenável a estratégia deliberada de ataque aos meios e profissionais da comunicação para desacreditá-los, a imprensa também tem sua parcela de responsabilidade por esse cenário.

Ela cita como exemplo disso a postura parcial de muitos veículos durante o processo de impeachment da presidente petista Dilma Rousseff.

“Não estou dizendo que todos agiram assim, mas muitos agiram e são co-responsáveis e hoje estão sofrendo na pele o ônus de um governo que não respeita nem os meios nem os seus profissionais”, diz.

Presidente do Instituto Liberal do Nordeste, a doutora em filosofia Catarina Rochamonte, que é colunista da Folha, discorda. Para ela, a imprensa —que tem um viés progressista— nunca foi tão crítica com os governos petistas como é em relação a Bolsonaro, a ponto de perder credibilidade junto à população.

“Muitas vezes se falava que o Bolsonaro é homofóbico, misógino, racista. O Bolsonaro foi demonizado e a coisa ficou muito caricata, aí quando a coisa séria aconteceu, as pessoas não dão crédito”, diz.

Como o relacionamento do governo Bolsonaro com a imprensa se compara ao de governos anteriores pós-redemocratização? Rochamonte cita a defesa da democratização da imprensa feita durante as gestões do PT como exemplo da tentativa de governos de se contrapor à imprensa, mas concorda que Bolsonaro faz isso de forma “muito mais virulenta”.

Reportagem da Folha mostrou que, apesar de estarem em polos ideológicos opostos, houve episódios hostis à imprensa também no governo Lula. O de maior destaque foi o projeto de criar um Conselho Federal de Jornalismo, que chegou a ser enviado ao Congresso em 2004. A iniciativa acabou derrubada pelos deputados, após uma série de críticas.

Se na era petista, a expressão “fake news” não havia ainda sido popularizada, Lula não se cansava de repetir que a imprensa precisava parar de mentir.

Uma diferença entre os dois presidentes é o tratamento dispensado a repórteres. Lula era em regra cortês, mas pouco acessível. Um episódio amplamente divulgado em seu governo foi a tentativa de expulsar um correspondentes estrangeiro do jornal The New York Times, Larry Rohter, autor de uma reportagem sobre consumo de álcool pelo então presidente.

Para outros especialistas, o cenário vivenciado ao longo da gestão Bolsonaro é inédito em governos pós-redemocratização. Bucci vai além e pontua que, em termos de retórica, nem mesmo os generais que governaram o Brasil ao longo da ditadura militar eram comparáveis ao que faz Bolsonaro. “A falta de modos, a selvageria discursiva que o caracteriza não têm precedentes”, diz.

Firbida afirma que apesar de ataques e violência contra comunicadores, incluindo assassinatos, já estarem presentes no país em níveis altos antes de Bolsonaro, isso acontecia a nível local. A partir da posse, porém, a hostilidade contra o trabalho da imprensa se torna um projeto nacional e os ataques contra comunicadores por um governante deixam de ser algo pontual.

“Isso muda qualitativamente a condição da liberdade de expressão no país justamente porque aumenta o nível de hostilidade social contra jornalistas e comunicadores”, diz.

Na mesma linha, a professora Heloisa Fernandes Câmara diz que Bolsonaro ultrapassa a oposição pontual de forma inédita. “Há uma ameaça constante, por exemplo, à imprensa, o Brasil caiu vários níveis em rankings internacionais, como um exemplo.”

Distribuição de verbas publicitárias do governo devem seguir critérios de audiência ou é legítimo que o governo considere critérios ideológicos? Em 2020, o TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu em auditoria que faltam critérios técnicos para a distribuição de verbas publicitárias a TVs abertas pelo governo Jair Bolsonaro.

Embora seja líder de audiência, a Globo, tida como inimiga por Bolsonaro, passou a ter fatia menor dos recursos na gestão do presidente. Record e SBT aumentaram expressivamente sua participação. Os donos das emissoras —Edir Macedo e Silvio Santos, respectivamente— manifestaram apoio ao governo em diferentes ocasiões.

Na avaliação de Firbida, essas estratégias de afogamento econômico dos veículos não têm sido identificadas de maneira consistente no Brasil. Mas ele considera que é um processo que, de certa forma, está sendo ensaiado com mudanças em relação à publicidade oficial, que passou a ser direcionada a veículos simpáticos ao governo.

Qual o impacto da comunicação direta pelas redes sociais feita por Bolsonaro e como lidar com as mentiras do presidente? Em termos históricos, Eugênio Bucci explica que a estratégia usada por Bolsonaro remonta ao bonapartismo, no século 19, quando líderes autoritários dispensavam a mediação no contato com o público.

“Esse mesmo traço aparece no nazismo e no fascimo e agora, pelas tecnologias das redes sociais, em líderes como o Orban, Trump e Bolsonaro. É um tipo de abordagem que é característico e define o que é o autoritarismo na nossa era”, diz.

Ao dispensar a mediação dos meios de comunicação, Bolsonaro propaga mentiras, ora sobre o sistema eleitoral, ora sobre medicamentos de eficácia não comprovada para enfrentar a pandemia da Covid-19.

Para Bucci, a imprensa errou ao tratar Bolsonaro como um candidato comum durante a campanha e agora enfrenta o medo de amplificar o alcance das falas do presidente e deixar que as mesmas desviem o olhar da agenda que interessa. Uma solução possível é desmentir com igual destaque aquilo que Bolsonaro, diz.

“O ataque à imprensa é o carro chefe do programa de desinformação do atual governo. Porque a desinformação, ela não é casual, ela é um projeto que ajuda a perpetuação desse grupo no poder”, diz Firbida, que também destaca a diminuição da transparência pública entre os fatores de erosão da liberdade de imprensa e de expressão.

Folha de S. Paulo

 

 

 

 

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