Comando das Forças Armadas impõe “lei do silêncio” sobre Lula

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A cúpula do serviço ativo das Forças Armadas não gostou de ver Luiz Inácio Lula da Silva com seus direitos políticos restaurados, mas determinou silêncio de rádio na corporação sobre o assunto.

É um resultado direto da retomada da discussão sobre o papel institucional dos militares depois que o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas detalhou as condições em que divulgou uma postagem pressionando o Supremo Tribunal Federal a não conceder habeas corpus para evitar a prisão de Lula, em 2018.

O episódio havia ficado para trás, sob a bruma de toda a confusão da volta dos militares ao palco político com Jair Bolsonaro. Mas Villas Bôas discorreu sobre ele, envolvendo todo o Alto-Comando do Exército, em um livro-depoimento lançado pela Fundação Getúlio Vargas.

Para complicar, a reação mais vocal contra o caso nesta sua segunda encarnação foi de Edson Fachin, o ministro que agora anulou as condenações do petista na Lava Jato, transferindo seus processos de Curitiba para Brasília.

Foi Fachin que chamou a pressão de 2018 de “intolerável” após a Folha revelar, em 14 de fevereiro, que o tuíte de Villas Bôas tinha um teor ainda mais grave e que havia sido discutido, segundo o general, com três atuais integrantes do governo Bolsonaro e com o atual comandante da Força, Edson Pujol.

O próprio Villas Bôas, em sua última participação no Twitter desde então, ironizou Fachin pelo atraso de três anos na crítica. Lula foi na mesma linha e criticou o ministro que agora o trouxe para o jogo de 2022.

 

A marola virou um maremoto institucional, levando ao caso da prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que gravou vídeo ameaçando Fachin e outros ministros devido à crítica, por ordem de outro titular da corte, Alexandre de Moraes.

Com isso, oficiais-generais, em consultas na segunda (8), consideraram que o ideal seria não se manifestar mais. Seguem orientação direta de Pujol, que já no fim do ano passado havia feito duras críticas à presença de militares na política, em consonância com a determinação do Fernando Azevedo (Defesa).

O ministro, general de quatro estrelas da reserva, diz que apenas ele pode emitir notas de caráter político para o público externo.

Isso não reduziu, internamente, as críticas ouvidas pela Folha à decisão de Fachin. Com diversas tonalidades, elas foram condensadas no que um general da reserva, o presidente do Clube Militar, Eduardo José Barbosa, escreveu em nota na segunda.

Ele criticou a decisão do ministro, a quem acuso de uma ligação, de resto histórica, com o PT, e afirmou temer que “o meliante fique definitivamente impune”.

O Clube Militar também publicou um artigo do general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva sugerindo algum tipo de intervenção militar após a “bofetada na cara da nação brasileira”.

Segundo ele, “a continuar esse rumo, chegaremos ao ponto de rupturruptura institucional e, nessa hora, as Forças Armadas serão chamadas pelos próprios Poderes da União, como reza a Constituição”.

É uma leitura criativa do artigo 142 da Constituição, usual nos meios fardados mais radicais, que nada fala em intervenção de um Poder contra outro.

O caso todo ilustra a difícil relação entre os fardados e o PT, que teve momentos de grande proximidade, mas que esgarçou-se no governo de Dilma Rousseff devido à instauração da Comissão da Verdade —que, na visão dos militares, privilegiou apenas a apuração de crimes da ditadura, ignorando os da luta armada.

O processo de antipetismo crescente, que passava também pela debacle econômica do país e as revelações da Operação Lava Jato, é explicitado no depoimento de Villas Bôas, assim como a crescente identificação com a candidatura de Bolsonaro.

O resultado está aí, com 9 dos 23 ministros saídos das Forças, com amplo domínio do Exército, e episódios seguidos de desgaste de imagem —a começar pelo desgoverno na pandemia, cuja pasta responsável, a Saúde, é liderada por um general da ativa, Eduardo Pazuello.

Com tantos fios desencapados na praça, até que se prove em contrário os fardados evitarão ao máximo novos curtos-circuitos, ao menos em público.

Folha