FHC reclama de falta de liderança política no Brasil

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Foto: Alex Silva / Estadão

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que o Brasil está “precisando de lideranças”. Para uma plateia digital de mais de cem dos principais empresários e dirigentes do setor do varejo, que participaram do evento “Quando os presidentes se encontram”, organizado na noite de quinta-feira pela Gouvêa Ecosystem, o tucano foi direto. Disse que, passada a pandemia do coronavírus, será cada vez mais necessário que o Brasil tenha uma liderança adequada para reorganizar seu rumo.

“Na emergência, vê-se mais claramente a importância da liderança. Se não houver liderança, é difícil a adaptação”, disse o ex-presidente. “Estamos precisando de lideranças no Brasil. Gente que, ao fazer isso, se exponha também. Líder não é quem já sabe. É quem se expõe. Olha, o caminho que eu acho é esse. Você vem comigo? Se for, tudo bem, você vira líder. Se não, você fica sozinho. Liderar não é mandar, é ter aceitação”, afirmo o ex-presidente.

Com o pesado impacto da pandemia sobre a economia do País, o setor do varejo tem discutido soluções para reagir às dificuldades enfrentadas desde o ano passado. A visão de Fernando Henrique sobre o momento político atual e as perspectivas para a eleição de 2022 acabou chamando a atenção de empresários e dirigentes como Beto Funari (Alpargatas), Flávio Rocha (Riachuelo), Antonio Carlos Piponzzi (Drogarias Raia), Artur Grynbaum (Boticário), Stephane Engelhard (Carrefour), Ricardo Bomeny (BFFC/Bob’s) e Sérgio Zimmerman (Petz), entre outros. Promotora do evento, a Gouvêa Ecosystem oferece serviços e consultoria especializada no mercado de consumo e varejo.

Perguntado sobre o cenário de 2022, o ex-presidente bateu na tecla da importância do surgimento de lideranças que dêem conta dos efeitos da pandemia. “O fato é que alguns problemas vão bater de cara conosco. Um é óbvio. O desemprego cresceu muito no Brasil. Já vinha crescendo. Mas se acelerou”, disse.

Por isso, Fernando Henrique prevê que o Brasil precisará de “mais e não menos governo” para reagir às dificuldades: “Nós vamos precisar, na sociedade que vem por aí, de mais e não menos governo. É uma afirmação complicada. Porque nós não gostamos de governo. Preferimos as liberdades individuais. Governo é uma coisa, geralmente, burocrática. Não resolve o que achamos importante resolver. Mas, bem ou mal, a sociedade brasileira, depois da pandemia, vai precisar de ação governamental. Teremos capacidade de agir? Não é garantido”.

Questionado pelos empresários sobre a provável candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique não escondeu seu receio de que, depois da pandemia, a polarização se concretize, opondo Jair Bolsonaro ao petista: “Nessa hora de dificuldade, não é hora de nós e ele. Eu não gosto dessa polarização. É provável que saiamos dessa crise polarizados. Da minha parte, faço tudo para que não ocorra isso. Porque acho que é ruim a polarização”.

Segundo ele, a polarização com Lula é o cenário ideal defendido por Bolsonaro, na expectiva de que ele seria capaz de vencer o petista, caso a disputa se restrinja aos dois. “Tenho a impressão que Lula é o candidato dos sonhos do Bolsonaro porque polariza. E na polarização ele ganha de novo”, explicou.

Na conversa com os empresários, Fernando Henrique também deixou claro que acha pequenas as chances de vitória de Lula na eleição presidencial de 2022: “Como ele demonstrou no governo menos capacidade de governar do que eu imaginava, acho que dificilmente vai ganhar de novo. Mas pode. Contra o Bolsonaro, vai polarizar de novo. O que vou fazer? Eu prefiro que não. Se polarizar, é ruim para o Brasil. Por isso, acho que precisamos fazer força para ter um caminho que nos livre dessa alternativa”.

Para o tucano, um eventual novo governo de Lula seria ruim. “Não é ruim no sentido de que o Lula vai fazer o socialismo, o comunismo. Ele não vai fazer isso. Não é da alma do Lula. Vai fazer o que sempre fez. Vai acomodar. Ele é inteligente. Vai falar com o povo de uma maneira que o povo vai gostar. Ele sabe agradar. Mas não tem um rumo definido. O Brasil está precisando de alguém que tenha um pouco mais de lado, um pouco mais de capacidade de dizer: vamos por aqui que a gente vai chegar lá”, afirmou o ex-presidente.

Fernando Henrique foi questionado sobre a possibilidade de surgir uma candidatura competitiva no centro, como alternativa a Bolsonaro e Lula. Para ele, esse seria o cenário ideal. Mas defende que esse perfil não seja meramente um meio termo entre os pólos políticos representados hoje por Bolsonaro e Lula. O ex-presidente acha que o representante dessa corrente precisará ter posições fortes se quiser vencer.

“Centro não pode ser uma coisa anódina. Isso aí não ganha. Centro tem de ter lado. E qual lado tem de ser importante no Brasil? Tem de ser o Centro progressista. Tem de ser progressista na economia. Tem de entender que o nosso sistema é esse aí que está e tem de melhorar. Precisamos de capacidade tecnológica. Temos de dar muita atenção à Educação”, disse. E mostrou-se disposto a ajudar um candidato que “simbolize o progresso”.

Perguntado sobre a possibilidade de haver a candidatura de algum empresário, como Luiza Trajano, da Magazine Luiza, ou do apresentador Luciano Huck, Fernando Henrique defendeu que eles se lancem, se acreditarem que estão dispostos a enfrentar esse desafio.

“A chance de ganhar não é grande. Porque a chance de polarização é muito grande. Agora, independentemente de ter chances de ganhar, precisa existir essa candidatura. Precisa que alguém tenha coragem. Na política, você precisa ter coragem. Pode ter conhecimento, experiência. Mas se não tiver coragem, não adianta. Então, as pessoas têm de lançar-se. Foram mencionados a Luíza e o Huck, pode ser que tenham outros mais que eu não conheça. Será que vão ter coragem na hora H de se lançar? Mesmo que não seja para nada, mesmo que percam. Porque quando você lança uma candidatura, você pode perder. Eu perdi a disputa para a Prefeitura de São Paulo. Você se lança. Tenta.”

De acordo com Fernando Henrique, é essencial que “haja renovação” no próximo pleito: “Nem sempre é melhor a renovação, mas é importante ter alguma coisa nova. E creio que hoje estamos cansados do que já vimos. Do passado recente e do mais remoto. Então, que se abra um caminho. Que a pessoa venha com vontade de fazer e que ouça todo mundo. Que não tenha preconceito. Se algum deles perguntar a minha opinião, vou falar: lancem-se”.

Estadão