Gabinete do ódio queimou ex-futura ministra da Saúde

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Adriano Machado/Reuters

O cardiologista Marcelo Queiroga terá que convencer a população e agentes econômicos de que é capaz de abrigar o comportamento negacionista do presidente e tirar o país da verdadeira polarização que ameaça o futuro: o topo das mortes da covid-19 e a lanterninha das vacinas. O presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia defende o protocolo do combate científico da covid-19, mas, ao contrário da também cardiologista Ludhmila Hajjar, é um bolsonarista de carteirinha e tem o aval do mesmo “gabinete do ódio” que queimou a médica.

A operação fracassada que tentou emplacar a cardiologista Ludhmila Hajjar no lugar do ministro Eduardo Pazuello expôs os limites daqueles que tentam dar uma sobrevida ao presidente Jair Bolsonaro para evitar que seu governo acabe antes do fim. Quando Ludhmila, que é médica do Incor e da rede Vila Nova Star, além de professora da USP, saiu da conversa com Bolsonaro, as redes sociais já estavam infestadas de conteúdos disparados por perfis ligados ao chamado “gabinete do ódio”. Reproduziram desde falas dela contra isolamento social, até fotos e vídeos em que aparece com personagens que costumam viralizar nas redes bolsonaristas, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia.

A estratégia do presidente parecia armada desde o início. Na avaliação de defensores da indicação de Ludhmila, a intenção era a de fazer com que a médica assumisse o cargo sem força para implementar o protocolo científico de enfrentamento. É o xadrez de Bolsonaro com sua base de apoio parlamentar que, somada a ministros do deixa-disso, buscam, sem sucesso, dar uma guinada no enfrentamento governamental à covid-19 à medida que veem seu reflexo nas pesquisas de opinião e no azedume de empresários e investidores. A reação tornou-se ainda mais imperativa com a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo, operando até na obtenção de vacinas da Rússia.

Quando sente que vai ser enquadrado, o presidente contra-ataca. Ao perceber o jogo, a cardiologista caiu fora. Não o fez, porém, silenciosamente. Desembaraçada, deu entrevistas deixando claro que ambicionava o cargo. Não apenas relatou a campanha da qual foi vítima como também expôs a conivência presidencial. À “Globonews”, disse que Bolsonaro, ao tomar conhecimento das ameaças que recebeu, respondeu: “Faz parte”. Ao escancarar dessa maneira o circo, Ludhmila expôs também aqueles que operaram em seu favor, como o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

O problema da substituição na Saúde, porém, não se resume a encontrar alguém que, ao mesmo tempo, aceite o jogo de Bolsonaro e seja capaz de mudar as condutas. O nó se estende ao destino de Pazuello, alvo de denúncias pela condução da pandemia. Se for reincorporado ao Exército, não passará a responder à Justiça Militar porque os crimes teriam se dado no exercício de um cargo civil. Alvo da primeira instância, não demorará a ser processado e condenado a partir de julho, quando vai para a reserva.

Valor Econômico