Queiroga se comporta mais como político do que como médico

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Foto: Reprodução

No discurso oficial, Marcelo Queiroga foi escolhido para o Ministério da Saúde por ser médico. Formado pela Universidade Federal da Paraíba, era cardiologista no Hospital da Unimed em João Pessoa e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Na prática, porém, o que pesou a seu favor não foram as habilidades com estetoscópio e bisturi. Dono de uma agenda cheia de contatos e de uma conta no Instagram repleta de fotos e vídeos com políticos, o novo ministro demonstrou ter aprendido com seus gurus-pacientes alguns dos principais mandamentos de quem pleiteia um cargo dessa importância: gastar sola de sapato, ter paciência (nem sempre se é escolhido na primeira tentativa) e, quando chegar perto da hora de ser nomeado, fingir-se de morto.

Colega do sogro de Flávio Bolsonaro, o também cardiologista Hélio Roque Figueira, Queiroga já havia sido lembrado para o ministério quando Mandetta deixou o cargo, em abril de 2020 e, novamente, na saída de Nelson Teich. Nas duas vezes, bateu na trave, mas não por falta de fidelidade a Bolsonaro.

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o senador Davi Alcolumbre

Médico de políticos paraibanos de várias gerações, ele se aproximou do presidente ainda na campanha eleitoral. Não só pediu votos para ele, como também adotou a mesma estratégia na disputa pela presidência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em abril de 2018. Sua campanha conseguiu colar no adversário, o pernambucano Sérgio Montenegro, a pecha de petista. Aproveitando-se do fato de o rival ter atendido o ex-presidente Lula em uma emergência em Recife, em 2010, seus aliados inundaram as redes sociais da classe médica com uma foto ligando Montenegro ao PT. Queiroga acabou vencendo a eleição por sete votos de diferença.

Quando Bolsonaro foi eleito, o neo-aliado se ofereceu para colaborar com a equipe de transição de governo para a área da Saúde. Durante a pandemia, à frente da Sociedade, ele livrou o presidente de constrangimento por indicar cloroquina a pacientes de Covid.

Em maio, quando o Ministério da Saúde publicou orientações para o “tratamento precoce” da doença (que inclui a prescrição de cloroquina) e foi criticado por estar incentivando o uso de drogas que aumentam o risco de infarto, Queiroga foi em socorro de Pazuello. A SBC emitiu uma nota sugerindo o acompanhamento de exames de eletrocardiograma para quem estivesse tomando o remédio.

Na briga pelo ministério, a estratégia foi diferente. Queiroga já estava indicado por Bolsonaro para a presidência da Agência Nacional de Saúde, e aguardava desde dezembro a sabatina do Senado para ser confirmado no posto. Quando percebeu que Ludhmila Hajjar, candidata de Arthur Lira e de outros líderes do Centrão, não vingaria, seguiu o conselho de políticos-amigos e submergiu. Qualquer gesto poderia colocá-lo em conflito com a ala do governo que ainda lutava para manter Eduardo Pazuello no cargo.

No domingo (14), quando jornalistas o procuraram para falar dos boatos de que era um dos candidatos, ele desconversou. “Meu nome já foi ventilado em outras possibilidades, mas nesse momento não fui contatado pelo presidente para essa missão”, disse a O Globo.

Só no dia seguinte, quando Ludhmila saiu do páreo, Queiroga saiu da toca. No fim da tarde, Bolsonaro o chamou para uma reunião no Palácio do Alvorada, com Ciro Nogueira e Flávio Bolsonaro. Saiu ministro, depois de três horas de conversa, e foi direto para a casa da deputada (e também médica) Mariana Carvalho (PSDB-RO).

Lá, conversou até de madrugada com aliados que Lira enviou para demonstrar boa vontade e gravou vídeos com deputados. Num deles Celso Sabino (PSDB-PA) cobrava a entrega das vacinas, calcanhar de Aquiles de Pazuello, e Queiroga afagava: “Estou certo de que trabalharemos juntos”.

Assim, antes mesmo de se sentar na cadeira, Queiroga já tinha se encontrado com mais políticos do que Nelson Teich em 28 dias no cargo.

“Ele é louco por política. Na última vez em que me consultei com ele, a gente ficou só falando de política, quando eu disse: ‘não vai me consultar, não?’”, diz a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB). Ela e o irmão, Aguinaldo Ribeiro, são próximos de Queiroga.

Em suas redes sociais, além de fotos com o presidente e com Flávio Bolsonaro, o médico tem registros com Davi Alcolumbre, com a ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, com o ministro da Cidadania, João Roma, e até com o novo presidente da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna. No mês passado, gravou um vídeo ao lado do prefeito do Rio, Eduardo Paes — que mandou um recado ao líder do seu partido, o DEM, na Câmara dos Deputados. “Aqui Efraim, (olha) a Paraíba tomando conta do Rio de Janeiro!”.

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna

No ministério, o médico vai precisar de habilidade política para equilibrar o discurso de continuidade exigido por Bolsonaro com a cobrança por mudanças que os parlamentares vêm fazendo. Daniella Ribeiro acha que ele consegue. “Ele sabe dizer as coisas”, afirma ela.

Nem todo mundo concorda. Mesmo tendo participado do beija-mão a Queiroga no dia da indicação, aliados de Arthur Lira ainda estão ressabiados. Lembram que para comandar a pasta que tem mais de R$ 130 bilhões para administrar em 2021 é preciso também conhecimento da máquina pública e da gestão compartilhada do SUS com secretários estaduais e municipais de saúde. Na opinião dos profissionais do Congresso, habilidade política será útil, mas talvez não seja suficiente.

O Globo