Afastamento de Lira e Bolsonaro paralisa pautas de costumes na Câmara

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Foto: Sergio Lima / Agência O Globo

Em pouco mais de dois meses na presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), antes visto como o principal fiador das políticas do governo Jair Bolsonaro no Congresso, mudou de papel. Com a escalada da crise provocada pela pandemia e a disputa atual em torno do Orçamento, projetos apresentados como prioritários pelo Palácio do Planalto perderam espaço, e a agenda de costumes, relegada ao segundo plano, deve se esvaziar neste ano.

Das pautas conservadoras com apelo na base bolsonarista, apenas uma até agora teve sinalização positiva de Lira para ser levada adiante: a proposta que trata do ensino doméstico, ou homeschooling, que está sendo construída com a ajuda dos ministros Milton Ribeiro (Educação) e Damares Alves (Família e Direitos Humanos). A expectativa é que haja uma modulação e que o texto seja suavizado. Mesmo assim, espera-se que o tema seja enfrentado ainda no primeiro semestre.

Outras propostas foram esquecidas, como a possibilidade de uma “excludente de ilicitude” para militares em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs). Não houve indicação de relator ou remessa do texto a qualquer comissão até agora.

Lira vem seguindo a pauta do Centrão, que exige um plano factível de vacinação e a liberação de verbas para as bases eleitorais de parlamentares. Apesar da indicação de uma aliada para o ministério — a deputada Flávia Arruda (PL-DF) assumiu a Secretaria de Governo —, Lira ainda sofre pressão interna no PP, seu partido, para a ocupação de mais espaços no Executivo.

O embate orçamentário é um exemplo do desencontro com o governo. Lira quer garantir recursos para obras indicadas por parlamentares, de olho nos dividendos eleitorais, enquanto a equipe econômica tenta rever os R$ 26,5 bilhões reservados para este fim, que podem cair para R$ 16 bilhões ou menos, a depender do acordo.

O governo já foi alertado pela cúpula do Legislativo de que, se insistir em vetar todas as emendas de relator, forma pela qual esse incremento foi feito, pode ter que lidar com uma retaliação.

— Acho que o governo não vetará (o Orçamento). Mandará projetos de lei para corrigir (a destinação de recursos). Se vetar, vai deixar traumas — avisa o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), aliado de Lira.

Nas redes sociais, Lira foi apoiado por influenciadores alinhados a Bolsonaro na sua eleição. No dia do pleito, apoiadores vestidos de verde e amarelo, na entrada da Câmara, levavam cartazes como “Lira presidente, pela família”. Hoje, além de não ser mais cortejado, o deputado virou alvo de críticas nas redes.

Em que pese o distanciamento atual entre Lira e o governo, a pauta de costumes já mostrava dificuldades para caminhar desde 2019, quando as prioridades da Câmara incluíram a reforma da Previdência e o pacote anticrime. O projeto do homeschooling, enviado pelo governo em maio daquele ano, não despertou movimentação à época. Outras propostas da campanha de Bolsonaro, como o “Escola sem Partido” e o endurecimento da legislação sobre o aborto, ficaram fora da pauta legislativa.

Com o descontrole da pandemia, Lira também já disse que não há clima para votação de reformas enquanto a crise sanitária não for controlada. No mês passado, pressionado por aliados, ele citou indiretamente a possibilidade de impeachment ao lembrar que o Congresso dispõe de “remédios fatais” contra o governo.

Embora Lira tenha buscado se aproximar de empresários e da equipe econômica, o que incluiu a aprovação da autonomia do Banco Central e do novo marco do gás natural, parlamentares passaram a ficar insatisfeitos com a atuação do governo na tramitação do Orçamento. A avaliação é de que houve omissões por parte da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia). O andamento das reformas administrativa e tributária também está prejudicado. Bolsonaro é visto no Congresso como “desinteressado” no assunto, salvo em temas como tributos sobre combustíveis, que afetam categorias como os caminhoneiros, sua base eleitoral.

Em um tema defendido pelo presidente, parlamentares tentarão nesta semana retomar a pauta da regularização de terras na Amazônia. A tramitação do projeto foi interrompida ainda na gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). A realização de uma cúpula convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para este mês para debater questões ambientais gerou apreensão, inclusive da bancada ruralista, que deseja evitar repercussão negativa no exterior.

O Globo