Como Bolsonaro espantou investidores

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Foto: Montagem com foto de Matt Anderson Photography / Getty Images

Em sua primeira viagem ao Brasil, em 1996, o escocês Kim Catechis, gestor de mercados emergentes e diretor da área de investimentos estratégicos da gestora britânica Martin Currie, chegou um dia depois da morte de Paulo César Farias, tesoureiro de campanha de Fernando Collor de Mello. Ele tentava entender, sem sucesso, o assassinato que intrigava todo o país. Não conseguiu. Sobre o Brasil, tirou a seguinte conclusão: era um país desconhecido, mas que tinha potencial. Catechis aprendeu português e, em 2001, desembarcou novamente por aqui quando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência já era dada como certa. “Eu me reuni com presidentes de companhias brasileiras e nove entre dez deles eram pessimistas com o que viria no governo do PT. Só um banqueiro tinha uma visão positiva. Tomei posições nas chamadas blue chips, ações mais negociadas da Bolsa. Foi o ano que mais dei retorno aos investidores”, relembrou.

Hoje, a preferência de Catechis e dos gestores da Martin Currie, que tem US$ 22 bilhões em ativos sob administração, é por China, Coreia do Sul e Taiwan. Os alvos das gestoras dedicadas aos emergentes podem variar um pouco, mas uma coisa é certa: o Brasil ocupa uma posição neutra na carteira dos estrangeiros. Traduzindo: não está entre as prioridades. Uma nova evidência desse fenômeno veio em meados de abril quando Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, informou que desistiu de captar recursos no exterior para um fundo de private equity, aqueles que fazem aplicações em empresas com forte potencial de crescimento para, mais tarde, revendê-las. “Me procura mais adiante”, “agora está difícil” são as respostas que Fraga mais ouviu. “É muito difícil atrair estrangeiro se nós mesmos não estamos muito confiantes. Quem está olhando de fora vê um quadro um tanto quanto turbulento”, disse Fraga.

“JAIR BOLSONARO FOI ELEITO COM A PROMESSA DE REVERTER PROBLEMAS ECONÔMICOS INICIADOS NO GOVERNO DILMA ROUSSEFF. PASSADOS MAIS DE DOIS ANOS, O PRESIDENTE TEM CONTRIBUÍDO PARA PIORAR A SITUAÇÃO”

O inferno astral do Brasil nas diferentes categorias de investimentos começou ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), que resultou nas recessões de 2015 e 2016. Quando Jair Bolsonaro (ex-PSL, hoje sem partido) foi eleito, em 2018, com uma plataforma liberal na economia, parte dos analistas de mercado sonhou com uma reviravolta. Passados mais de dois anos, a mudança nitidamente não aconteceu. O governo culpa a pandemia, mas a verdade é que Bolsonaro vem dando sua contribuição para espantar a entrada de dólares no país.

Quem está em contato com os investidores externos conta que as reuniões virtuais parecem seguir um mesmo roteiro. “As perguntas sobre o Brasil são sempre negativas”, disse um executivo que pediu para seu nome não ser revelado. A lenta vacinação e o negacionismo do presidente estão entre as principais preocupações. São comuns também questionamentos sobre medidas populistas e sobre o governo querer armar a população. O ruído que vem de Brasília, como as interferências políticas na Petrobras, na Eletrobras e no Banco do Brasil, criou um cenário adverso. A demissão do presidente Roberto Castello Branco da Petrobras neste ano manchou a imagem do país lá fora, na visão de vários executivos da área de finanças, como Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capitale e também diretor-geral da Warburg Pincus no Brasil.

Essa piora da imagem do Brasil pode ser medida em números. Os indicadores do risco país aumentam sempre que o governo Bolsonaro flerta com o intervencionismo na economia. Em fevereiro, quando o presidente fez críticas à política de preços de combustíveis da Petrobras para agradar a sua base eleitoral entre os caminhoneiros, o risco país, medido pelos contratos Credit Default Swap (CDS), uma espécie de seguro contra calotes do governo, saltou 14%, chegando a 186 pontos. De lá para cá, o CDS brasileiro vem se mantendo em torno de 190 pontos. O México tem CDS de 93 pontos, e a China de 38.

No primeiro ano de governo, Bolsonaro ensaiou colocar sua agenda liberal na rua. Quando o presidente anunciou um ousado programa de privatizações em 2019, com 119 ativos a serem oferecidos ao mercado, a expectativa era que mais de R$ 1,3 trilhão em investimentos fossem destravados. Mas pouca coisa saiu do papel. Estatais importantes como Correios e Eletrobras continuaram nas mãos do governo. Logo a maior parte das promessas se mostrou vazia.

Mais recentemente, o rolo envolvendo o Orçamento de 2021, sancionado com gastos fora do alcance do teto e fartura de emendas parlamentares, serviu para piorar ainda mais a opinião dos estrangeiros sobre o governo. Em nada ajudou a demissão, divulgada no dia 27 de abril, de Waldery Rodrigues, secretário especial da Fazenda e um defensor de um Orçamento exequível. Aos poucos, a elogiada equipe econômica que tomou posse ao lado do ministro Paulo Guedes vai saindo do governo. “Com o país agora flertando com o descontrole fiscal e com incertezas políticas, o estresse entre os investidores aumenta. Isso resulta em saída de recursos do país, via mercado financeiro, e atrasa a vinda de capitais de longo prazo que o tamanho da nossa economia poderia atrair”, disse Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco japonês Mizuho no Brasil. Os efeitos no câmbio têm sido sentidos há mais tempo. O real é a moeda dos países emergentes que mais se desvalorizou desde abril de 2019, quase 39%. A alta do dólar é, em parte, causada pela maior percepção de risco. Para completar, o Brasil virou um pária na área ambiental.

“A PANDEMIA AFETOU NEGATIVAMENTE OS INVESTIMENTOS NA EXPANSÃO OU CONSTRUÇÃO DE FÁBRICAS NA MAIORIA DOS PAÍSES, MAS HÁ EXCEÇÕES. CHINA E ÍNDIA ESTÃO ENTRE ELAS. O BRASIL, NÃO”

Em março, após nove meses consecutivos comprando ações de empresas brasileiras, os investidores estrangeiros retiraram US$ 2,1 bilhões do pregão e de títulos públicos. Quem quer ver um quadro cor-de-rosa sempre poderá dizer que, no acumulado dos 12 meses, os investimentos no mercado doméstico ainda estão positivos em US$ 23,3 bilhões. É verdade. Mas, fazendo uma análise dos últimos dois anos, contando de janeiro a dezembro, chega-se a outra conclusão. Em 2019, US$ 44,5 bilhões dos estrangeiros saíram do pregão e, em 2020, outros US$ 31,8 bilhões.

A consultoria Kearney faz periodicamente uma pesquisa para medir o humor dos investidores com um grupo de 25 países. Os executivos são consultados sobre seus planos futuros de aplicações na ampliação de operações existentes ou na construção de novas. No levantamento realizado neste ano, o Brasil caiu do 22º para o 24º lugar, o penúltimo no ranking. Olhando para a frente, o Brasil vai mal. Analisando o histórico, a fotografia também é ruim. No ano passado, os investidores estrangeiros colocaram no país US$ 34,1 bilhões, segundo dados do Banco Central, uma queda de 50,6% em relação a 2019. É verdade que a pandemia fez esse capital encolher na maioria dos países. Segundo dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o investimento direto caiu 42%, passando de US$ 1,5 trilhão em 2019 para um valor estimado de US$ 859 bilhões em 2020. Mas, enquanto o Brasil ajudava a puxar esse total para baixo, outros emergentes, como China e Índia, tiveram saldos positivos, com crescimento de 4% e 13%, respectivamente.

Entre os acertos do governo, dois que se destacam são as privatizações dos aeroportos feitas neste ano e o novo marco regulatório do setor de saneamento básico, sancionado no ano passado e que abriu mais espaço para a entrada do capital privado. A primeira concessão sob as novas regras aconteceu em Alagoas, em setembro, com uma oferta vencedora no valor de R$ 2 bilhões, mas a joia da coroa é o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, é um dos que elogiam o novo marco do setor. “No meio desse cenário, há muitas coisas atraentes na área da infraestrutura. Mas o grau de interesse é muito limitado. A imagem do país está muito arranhada lá fora em termos de reputação”, disse.

O atraso tecnológico do país também atrapalha. Para Luís Afonso Lima, diretor presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), não se espera crescimento da indústria automobilística aqui, com a verdadeira corrida no mundo para aumentar a produção de carros elétricos. Nos últimos meses, montadoras começaram a deixar o país. Foi assim com Ford, Mercedes e Audi. Os efeitos no aumento do desemprego industrial são nítidos.

Para parte dos analistas, existe uma expectativa positiva em relação à economia global. Esse grupo acredita no avanço relativamente rápido da vacinação nos principais mercados e prevê que o capital represado nos países ricos vai sair em busca de oportunidades. Mesmo levando em conta esse cenário benigno, poucos mostram otimismo em relação ao Brasil. “A gente sente pelos relatos uma preocupação maior com os rumos do país. O que era um certo desencanto, hoje é um desânimo. Se o mundo melhorar, o fluxo global vai melhorar e o Brasil vai na esteira, vai junto, mas vai menos que os outros. Nossa fatia vai diminuir”, previu Lima, da Sobeet. Emmanuel Hermann, presidente do Grupo Leste, uma plataforma de negócios, faz coro. “O mundo está oferecendo oportunidades de crescimento muito elevadas”, disse ele. Mas o Brasil, infelizmente, não está se ajudando.

Época  

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