Covas tenta “furar” Doria em vacinação

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Foto: Marcelo Chello/Estadão

Prestes a completar seus cem primeiros dias como prefeito eleito da capital, o tucano Bruno Covas segue se descolando do governador João Doria (PSDB) não apenas nas medidas de distanciamento social adotadas para frear o avanço da covid-19, mas também agora nas ações relativas à imunização da população. Após definir de forma unilateral a antecipação de feriados, expondo publicamente a falta de alinhamento entre os governos, Covas determinou como prioridade a formulação de um plano próprio de vacinação, com regras e ritmos distintos do Estado. A meta estipulada é comprar vacinas para imunizar 600 mil paulistanos por dia.

Atualmente, com a dependência quase que exclusiva da coronavac, distribuída pelo Instituto Butantan, a Prefeitura não consegue ultrapassar diariamente 120 mil vacinados, apesar de ter estrutura e pessoal para obter um número quatro vezes maior. Mais privilegiado do ponto de vista fiscal que outros municípios, São Paulo ainda tem recursos em caixa para pagar doses de forma antecipada, a fim de garantir prioridade nas negociações.

Mas, mesmo que consiga fechar contrato com fabricantes de vacinas – a Prefeitura já formalizou com a Janssen intenção de aquirir 5 milhões de doses -, a Procuradoria-Geral do Município acredita que Covas precisará fechar um “acordo” com o Ministério da Saúde para poder usar todas as unidades em São Paulo. Isso porque parte dos procuradores entende que a compra municipal teria de ser repassada integralmente ao Plano Nacional de Imunização (PNI).

Desse modo, a alternativa debatida internamente é a de negociar com a pasta federal a suspensão temporária da cota a qual a cidade tem direito, adiando esse repasse para o fim do programa.

O secretário municipal de saúde, Edson Aparecido, confirma o plano, mas reconhece que os laboratórios preferem negociar com os governos centrais em vez de autoridades regionais – a Jansen já informou isso à Prefeitura por e-mail. Mas Aparecido diz que a gestão segue insistindo e mantém conversas com a Pfizer, a AstraZeneca, a Moderna e ainda com o laboratório indiano Biotech, responsável pela vacina covaxin, além da própria Janssen.

“Nossa conversa com os indianos estava indo bem, mas a Anvisa agora negou o registro da vacina”, lamenta o secretário, referindo-se à decisão tomada semana passada sobre o indeferimento, por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do pedido de certificação de boas práticas de fabricação da Biotech. Segundo a Anvisa, o plano de ação enviado pela empresa “não é suficiente” para mitigar todos os riscos envolvidos a curto prazo.

Para assegurar os recursos necessários para a compra de vacinas, Covas sancionou lei que permite a abertura de crédito adicional especial, mediante decreto. O tucano também se comprometeu, em outra legislação específica, a “constituir garantias para a cobertura dos riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas celebrado.

A Pfizer, por exemplo, só concretiza acordos de venda mediante essa garantia – fato criticado exaustivamente pelo presidente Jair Bolsonaro. Ano passado, ele chegou a afirmar que quem tomasse a vacina da empresa poderia virar “jacaré”. Em São Paulo, além de autorizada por lei, essa responsabilização está ancorada por uma parcela da verba destinada a alguns fundos municipais, como do Meio Ambiente, da Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, de Parques e de Defesa do Consumidor. A mesma lei permite à Prefeitura afetar até 25% da receita arrecadada com oito fundos nos exercícios de 2021 a 2024.

Os atritos entre Covas e Doria são tidos, por interlocutores da Prefeitura, como resultado do atual momento da pandemia, extremamente crítico. Mas refletem também um histórico de discordâncias acumuladas ao longo da pandemia, seja no retorno às aulas presenciais, na divisão das vacinas entregues pelo Butantan ou no fechamento, pelo Estado, de emergência de hospitais na capital.

A determinação de tornar “porta fechada” quatro hospitais estaduais que funcionam na cidade rendeu até um pedido extra de recursos por parte de Covas para compensar a alta de atendimentos na rede municipal. O prefeito chegou a encaminhar um ofício a Doria relatando os efeitos da decisão estadual nas unidades da Prefeitura. A expectativa é que o ‘pagamento’ alcance R$ 230 milhões.

O plano próprio de vacinação seria uma forma de agir de forma independente do governo Doria, podendo escolher mais grupos prioritários para a imunização e, ainda, acelerar a vacinação dentro da cidade – uma vez que São Paulo, na prática, é o executor do plano nacional. Em paralelo, ainda atenderia à pressão feita por vereadores pela compra de imunizantes.

A Câmara Municipal deve votar nesta semana um projeto de lei que define os grupos a serem priorizados num eventual plano municipal de vacinação. Segundo o líder do governo na Casa, Fábio Riva (PSDB), servidores públicos, motoristas de táxis e de aplicativos, além de deficientes físicos, estarão na lista de prioridades.

Enquanto a relação com Doria soma pontos de conflito, como as críticas que o governador fez há duas semanas sobre a decretação dos feriados na capital, a relação da gestão paulistana com o Ministério da Saúde deu sinais de melhora depois da chegada de Marcelo Queiroga.

O novo ministro já telefonou para Edson Aparecido para perguntar qual ajuda era mais urgente e se colocar à disposição. E o ministério já regularizou a homologação de leitos de UTI na cidade (medida administrativa que, na prática, permite que o governo federal financie a operação dos leitos).

Segundo Covas informou na terça, 30, durante a primeira reunião do Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar) – que passa a reunir 1.890 cidades brasileiras com mais de 80 mil habitantes -, a Prefeitura tem feito esforços na área internacional para alavancar a compra de vacinas em todas as frentes possíveis, tentando ajuda até da vice-presidente americana, Kamala Harris.

“Na frente bilateral, temos feito reuniões na embaixada americana, na embaixada britânica, além de trocarmos mensagens com a vice-presidente americana, Kamala Harris, e com os presidentes da Comissão de Relações Exteriores do Senado (Robert Menendez) e da Câmara (Gregory Meeks) dos EUA”, afirmou o tucano em vídeo que o Estadão teve acesso.

Covas ainda disse aos colegas que sua gestão mantém relações multilaterais com representantes da ONU, OMS e OMC a fim de ressaltar a importância de se priorizar a vacinação em países que vivem escalada de casos e mortes, como o Brasil. “Isso além de mantermos relações comerciais diretamente com empresas.”

As ações citadas pelo prefeito têm sido desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Relações Internacionais, comandada pela ex-prefeita Marta Suplicy. Foi ela que intermediou, por exemplo, conversas do governo com o cônsul indiano para tratar da possibilidade de compra da vacina covaxin.

Estadão 

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