Ministro da Justiça tenta incriminar governadores na CPI

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Foto: Cristiano Mariz/VEJA

Há exatamente um ano, o governo enfrentava uma grande crise política com a demissão do então ministro da Justiça, Sergio Moro. Principal vitrine do bolsonarismo, o ex-juiz da Lava-Jato deixou o cargo acusando o presidente de tentar aparelhar a Polícia Federal para supostamente blindar a família — suspeita que está sendo investigada em um inquérito, ainda sem desfecho, no Supremo Tribunal Federal (STF). Na mais recente reforma ministerial, Bolsonaro escolheu um delegado da PF para ocupar a cadeira que já foi de Moro. Ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, de 44 anos, é homem de confiança do clã presidencial e reverbera grande parte deste discurso: é a favor da excludente de ilicitude para policiais (no caso específico, uma espécie de licença para matar), defende o direito de todo cidadão ter uma arma em casa, critica a anulação dos processos contra Lula e considera o momento inoportuno para o funcionamento da CPI que vai investigar a atuação do governo durante a pandemia. Em sua primeira entrevista desde que tomou posse, Torres revelou a VEJA que vai requisitar à PF informações sobre todas as operações que investigam corrupção nos estados — material que pode servir de combustível para incendiar os debates no Congresso.

Qual é a prioridade do novo ministro da Justiça? Não é possível ter uma média de 3 500 assassinatos por mês no país. Temos de resolver essa questão da segurança pública, e isso não se faz apenas enchendo as ruas de policiais. Precisamos promover parcerias com os estados. Às vezes, problemas podem ser resolvidos com medidas simples, como cortar o mato, instalar câmeras e construir delegacias. As pessoas querem pegar seu transporte com tranquilidade, voltar para casa com tranquilidade. Não podemos achar que existem apenas os bandidos de colarinho branco. A dona de casa que tem um botijão de gás roubado não está preocupada com isso. Ela sofre porque não vai ter como fazer a janta dos seus filhos.

Com isso, o senhor quer dizer que o combate à corrupção não é mais prioridade? Claro que o combate à corrupção continua sendo prioridade. O que eu quis dizer é que não é a única. O crime organizado passa literalmente pelo desvio de dinheiro público, pelo tráfico de drogas e pelo contrabando de armas. O combate à corrupção é e continuará sendo prioridade do governo. É um trabalho permanente. A Polícia Federal está atenta a isso. Mas é importante não esquecer que algumas cidades brasileiras estão perdendo a guerra contra o crime e precisam de apoio.

Armar a população é parte dessa solução? É natural que o ser humano arrume uma forma de se proteger. Não podemos tirar o direito do cidadão de bem de ter uma arma de fogo em casa. Quando se fala em ter uma arma, tenta-se criar uma imagem que as pessoas vão sair por aí com ela na cintura, fazendo barbaridade pelas ruas, e não é isso. Quem tiver uma arma precisa zelar por ela e ser responsabilizado se algo acontecer. Isso não é uma política de segurança pública.

Ao mesmo tempo que defende o armamento, o presidente endossa o chamado excludente de ilicitude. Na grande maioria os policiais são honestos, pais de família, trabalhadores, ganham pouco, têm uma vida sofrida e difícil. Não dá para ficar achando que a culpa de tudo o que acontece é do policial. O policial não pode trabalhar com a espada no pescoço com medo de, se errar, perder o emprego ou ir para a cadeia. Além disso, precisamos discutir também a redução da maioridade penal para 16 anos.

“É bom ressaltar que a maioria das ações de combate à pandemia foi executada com recursos federais. Pergunto: a investigação vai se limitar ao governo federal? É preciso seguir o dinheiro”

Por quê? Não se trata apenas de um enfoque de redução da criminalidade, mas também de ajuste à realidade em que vivemos. Reduzir a maioridade penal vem ao encontro de um alinhamento com a evolução da sociedade. O jovem de hoje tem cada vez mais acesso a oportunidades. Cabe ao Estado, que proporciona as facilidades a esse acesso, estabelecer também os limites e as eventuais punições a quem transgredir as regras. Nesse sentido, o limite da maioridade penal pode muito bem ser revisto.

Tramita no Supremo Tribunal Federal um inquérito em que o ex-ministro Sergio Moro acusa o presidente de tentar aparelhar a Polícia Federal. Essa interferência é possível? É impossível fazer qualquer tipo de ingerência na Polícia Federal. As ações da PF nos últimos anos mostram isso. A PF é uma polícia de Estado, que atua com independência e autonomia. Os delegados e os agentes são concursados. O inquérito policial é cheio de travas e controles. Criou-se esse mito de que pode haver interferência.

Trocar o delegado que acusou o ministro do Meio Ambiente de atrapalhar uma investigação sobre madeireiros não é uma interferência? Desde que entrei na Polícia Federal, todo novo ministro troca o diretor-geral da PF por alguém com quem tenha mais afinidade de trabalho. Da mesma forma, o diretor coloca em posto-chave pessoas da confiança dele. Isso é absolutamente normal. A Polícia Federal é pautada pela hierarquia e pela disciplina.

Como o ministro da Justiça viu a decisão do STF de anular as sentenças do ex-presidente Lula? É uma situação delicada. Os fins não justificam os meios. Porém sabemos que os fatos da Lava-Jato são verídicos. Vimos o volume de dinheiro desviado, temos confissões, delações, provas materiais, quebras de sigilo. A Lava-Jato foi uma operação gigantesca, talvez a maior da história da Polícia Federal. Para mim, há poucas dúvidas de que a maioria daquelas pessoas investigadas era culpada. Não havia inocentes ali.

Mas o senhor concorda que o ex-juiz atuou com parcialidade? Mais uma vez digo que os fins não justificam os meios. Mas também acho grave um hacker invadir os telefones de autoridades, copiar dados e esse material ainda servir de prova. Isso não está previsto em lei e fere a democracia. Não vi as mensagens, mas conheço esses atores, o ex-juiz Moro, os procuradores, os delegados, e não acredito que eles agiram fora das quatro linhas. Minha convicção é a de que o trabalho da Lava-Jato foi muito bem-feito. Moro foi um juiz corajoso e diferenciado.

Ao se demitir, o ex-ministro Moro colocou em dúvida a correção do governo e também sobre a intenção em combater a corrupção. Acho que o presidente acertou ao convidá-lo. Ele era um ícone nacional. As pessoas acreditavam e acreditam nele. Talvez não tenha se acertado aqui enquanto ministro da Justiça. Brasília exige uma visão diferente do serviço público. É preciso conversar com o Congresso Nacional, com o Supremo Tribunal Federal. Talvez ele tenha tido dificuldade para entender como as coisas funcionam.

A Lei de Segurança Nacional deve ser usada para punir críticos do governo? É uma decisão subjetiva separar o que é uma crítica ácida do que é um crime. Independentemente de ser crítico ou não do governo, qualquer cidadão que infringir a Lei de Segurança Nacional ou qualquer outra lei precisa ser punido. Eu não serei, como ministro da Justiça, o filtro para definir isso. Quero deixar a Polícia Federal à vontade para decidir, mas, ressalto, que muitas vezes falta respeito de ambos os lados, e em especial falta respeito com as autoridades. Muitas vezes se passa do limite.

Por que a CPI da Pandemia tem provocado tanto alvoroço no governo? A gente tem de ter muito cuidado com os rumos que essa CPI vai tomar. O povo brasileiro é quem vai sair perdendo se houver uma CPI apenas com objetivos políticos nessa altura do campeonato, com a população sofrendo, com pessoas morrendo pela Covid. É bom ressaltar que a maioria das ações de combate à pandemia foi executada com recursos federais. Pergunto: a investigação vai se limitar ao governo federal? É preciso seguir o dinheiro.

Mas a Polícia Federal já faz isso há algum tempo, não? Sim, sem dúvida. Há muitos casos sob investigação nos estados desde o início da pandemia. O problema é que isso não está sendo falado. Eu vou pedir esses dados à Polícia Federal, tudo o que já foi feito. Há várias operações em andamento. Isso precisa ser mostrado. As pessoas têm de tomar conhecimento disso também.

O senhor, portanto, defende a ampliação do foco da CPI, investigar também os gestores estaduais? Defendo transparência. Houve irregularidades e desvios de dinheiro público. Tudo isso tem de ser apurado.

O senhor acha que a CPI vai conseguir separar o que foi incompetência na pandemia do que foi crime? Uma das coisas que aprendi é que o maior problema do Brasil é a gestão pública. Os programas existem, os projetos existem, muitas vezes até mesmo os recursos estão disponíveis, mas as coisas não andam na velocidade necessária. É assim no dia a dia. Imagine isso diante de uma tragédia humanitária. O mais competente dos gestores do planeta não poderia imaginar o que estava por vir.

O presidente Bolsonaro não dá mau exemplo ao andar sem máscara, promover aglomerações e se colocar contra as medidas de restrição? Sou radicalmente contra as forças de segurança prenderem uma pessoa que está em uma praça pública, andando de bicicleta, vendendo algo na esquina ou surfando no mar. Se o presidente sai sem máscara e se expõe, cabe a quem está ali perto dele se cuidar. É um absurdo o chamarem de genocida. É uma covardia, num momento como este, misturar a tragédia com política.

“Se o presidente sai sem máscara e se expõe, cabe a quem está ali perto dele se cuidar. É um absurdo o chamarem de genocida. É uma covardia misturar a tragédia com política”

Quando o senhor foi escolhido ministro, a indicação foi atribuída ao senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Tenho uma relação muito respeitosa com todos eles, principalmente com o Eduardo, que é meu colega da Polícia Federal. Trabalhamos juntos com muitas pautas comuns. Pelos demais filhos do presidente tenho um respeito muito grande. Nada além disso.

O caso das “rachadinhas” é um constrangimento para o governo? Como qualquer cidadão que venha a ter algum problema com a Justiça, o senador precisa se defender das acusações que lhe são feitas e tratar esse processo de uma forma apartada do governo. Acho que o governo não deve se envolver em questões pessoais não apenas do senador Flávio Bolsonaro, mas de qualquer um. Vida particular, vida pretérita, qualquer outra coisa tem de ficar fora da discussão de governo.

O presidente Bolsonaro ainda está convencido que existe um mandante do atentado que sofreu. O caso vai ser reaberto? Toda vítima de uma tentativa de homicídio tem a curiosidade de saber quem cometeu o crime, se foi um maluco, se alguém mandou. É da natureza humana. Nós conversamos sobre isso recentemente. A Polícia Federal fez uma investigação profunda e chegou à conclusão de que o criminoso agiu sozinho. Sem fatos novos não se reabre inquérito.

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