STF retoma hoje julgamento de aglomerações religiosas

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Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou para que igrejas permaneçam fechadas durante a pandemia da covid-19. Ele é o relator de uma ação apresentada pelo PSD solicitando a suspensão de um decreto do governador de São Paulo, João Doria, que proíbe o funcionamento de templos para evitar a propagação do novo coronavírus (leia Entenda o caso). O julgamento em plenário foi marcado por fortes discursos de afago aos evangélicos pelo advogado-geral da União, André Mendonça, e pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Ambos disputam uma vaga na Corte, que será aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.

O julgamento prosseguirá hoje. É necessário que pelo menos seis dos 11 ministros votem no mesmo sentido para que a decisão seja tomada. A tendência é de que a maioria do plenário mantenha a autonomia de estados e municípios para decidir sobre o fechamento ou não dos templos.

Primeiro a falar na sessão, Mendonça chegou a ler versículos da Bíblia para sustentar que a abertura das igrejas é uma garantia constitucional. Ele citou Matheus 18:20, que conclama a união de pessoas em prol da fé. De acordo com o versículo, Deus estará presente quando estiverem duas ou mais pessoas reunidas no nome d’Ele.

Mendonça fez apelo para que as atividades sejam mantidas e disse que a Constituição garante a liberdade religiosa. “Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus, sem o dia do Senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, pregou. Ele afirmou, ainda, que as medidas restritivas a igrejas parecem contraditórias, pois o Brasil registra cenas de “ônibus superlotados” e viagens de avião “como uma lata de sardinha”.

As declarações foram duramente rebatidas por Gilmar Mendes. “Quando Vossa Excelência fala dos problemas dos transportes no Brasil, especialmente no transporte coletivo, eu poderia ter entendido que Vossa Excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de uma viagem a Marte, mas verifiquei que Vossa Excelência era ministro da Justiça e tinha responsabilidades institucionais, inclusive de propor medidas. À União cabe legislar sobre diretrizes nacionais de transportes”, disparou.

O magistrado ressaltou que as autoridades devem ter responsabilidades com suas palavras e ações. “Vejo, portanto, que está havendo um certo delírio neste contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma a sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém”, alfinetou.

Mendes criticou, também, o cunho religioso das declarações de Mendonça e destacou que se vive a maior crise sanitária do século, em que milhares de vidas são perdidas para a doença todos os dias. “Sob o nefasto manto de uma catástrofe humanitária sem precedentes, aporta no STF a legítima pretensão de se abrirem templos”, reprovou.

Essa foi a primeira sessão de Mendonça no Supremo desde a semana passada, em que ele deixou o Ministério da Justiça para dar lugar ao atual chefe da pasta, Anderson Torres. O AGU é pastor da Igreja Presbiteriana, com sede em Brasília. Desde a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro afirma que vai nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo. Na primeira vaga, aberta após a aposentadoria do ministro Celso de Mello, o chefe do Executivo indicou Nunes Marques, que atendeu a um pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajufe) e proibiu o fechamento das igrejas.

A vaga no STF é alvo de disputas entre Mendonça e Aras. Ontem, no julgamento, o procurador-geral da República defendeu o direito “ao exercício de culto” e de religião, em um posicionamento alinhado com os interesses do Planalto. “O direito de culto, de ir, de vir, de ficar. São todas cláusulas pétreas previstas no artigo 5º da Constituição. A Constituição assegura o livre exercício dos cultos religiosos”, enfatizou Aras. “Dessa forma, decretos e atos meramente administrativos, ainda que decorrentes de uma lei ordinária, podem ter força para ter uma subtração do previsto em uma lei maior? Parece que não. É preciso lembrar que o Estado é laico, mas as pessoas não são. A ciência salva vidas; a fé, também.”

No último sábado, o ministro Nunes Marques, indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro, decidiu, individualmente, pela liberação das atividades religiosas de forma presencial. A decisão atendeu a um pedido feito, em junho do ano passado, pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa”, escreveu o ministro na decisão.

A polêmica liminar de Nunes Marques inaugurou uma corrida ao Supremo, com pedidos do partido Cidadania e do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), contra a decisão do ministro. O mineiro chegou a ser intimado pelo magistrado a cumprir a decisão depois de anunciar nas redes sociais que não seguiria a ordem.

Na contramão de Nunes Marques, dois dias depois, o ministro Gilmar Mendes, relator de ação protocolada pelo PSD, em março, contra o decreto do estado de São Paulo que proibiu as reuniões religiosas durante as fases mais restritivas do plano de combate à covid-19, negou pedidos do partido e do Conselho Nacional de Pastores do Brasil para derrubar o decreto do governo paulista. Com as decisões conflitantes, o presidente do STF, Luiz Fux, levou o caso para julgamento no plenário.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que a pandemia da covid-19 é usada de forma política contra ele. O chefe do Planalto também repetiu que espera que o STF mantenha a decisão de abertura das igrejas. “Não vamos chorar o leite derramado. Estamos passando ainda por uma pandemia, que em parte é usada politicamente não para derrotar o vírus, mas para tentar derrubar o presidente”, disse ontem. “Eu acredito que hoje (ontem) o Supremo vá dar uma boa resposta no tocante à abertura de templos.”

O STF não tem ministros evangélicos, mas o presidente Jair Bolsonaro já disse que pretende mudar isso. Dos 11 integrantes da Corte, oito são católicos: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin, Nunes Marques, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Luiz Fux e Luís Roberto Barroso são judeus. Rosa Weber é reservada sobre o tema, mas não é evangélica. O favorito para a próxima vaga no STF é o advogado-geral da União, André Mendonça, pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília. Bolsonaro conta com o apoio do eleitorado evangélico para garantir a reeleição em 2022.

Correio Braziliense

 

 

 

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