Capitã Cloroquina pode ser presa se mentir na CPI

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Foto: ANDERSON RIEDEL/PR

Está tipificado no artigo 342 do Código Penal o crime de falso testemunho. Comete o crime quem faz afirmação falsa ou deixa de dizer a verdade. Em tese, qualquer testemunha que minta para a Justiça, ou para a CPI, pode ser enquadrada na prática – inclusive Mayra Pinheiro, a secretária do Ministério da Saúde conhecida como capitã cloroquina. O depoimento dela está agendado para esta terça-feira (25) na CPI da Covid.

O crime de falso testemunho pode ser punido com dois a quatro anos de reclusão, mais multa. Com essa pena, na prática, a pessoa não fica presa. Mas, antes de responder a processo judicial, ela pode ser presa em flagrante. O artigo 301 do Código de Processo Penal não deixa dúvida: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Ou seja, se uma testemunha mentir em depoimento judicial, ou à CPI da Covid, pode ser presa em flagrante. Basta que um dos parlamentares dê voz de prisão. Há duas semanas, quando Fabio Wajngarten, ex-secretário especial de Comunicação Social da Presidência, prestou depoimento, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), cogitou pedir a prisão dele por ter mentido aos parlamentares.

O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), se opôs. Renan, então, voltou atrás. Mas poderia ter seguido adiante e dado voz de prisão a Wajngarten, se quisesse. O próprio Aziz estava ciente dessa possibilidade.

“Eu não tomarei essa decisão. Eu tenho tomado decisões aqui muito equilibradas até o momento, mas daí a eu ser carcereiro de alguém, não. Eu não sou carcereiro de ninguém. Eu sou um democrata. Se ele mentiu, nós temos no relatório como pedir o indiciamento dele, mandar para o Ministério Público para ele ser preso, mas não por mim, mas depois que ele for julgado. E aqui não é um tribunal de julgamento”, disse Aziz.

“Se vocês quiserem, contra a minha vontade, vocês fiquem muito à vontade de fazer, até porque qualquer cidadão brasileiro pode dar ordem de prisão para quem ele achar que pode dar, segundo os advogados que dizem isso. Eu não farei isso”, concluiu o senador.

Quem é investigado tem garantido outro tratamento. A legislação penal permite que pessoas nessa situação não produzam provas contra si mesmas. No caso de Mayra Pinheiro, ela obteve um habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal) para ficar em silêncio diante de perguntas sobre fatos ocorridos entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, quando o Amazonas viveu um colapso na saúde.

A secretária é investigada em um processo sobre eventual omissão de agentes públicos na crise sanitária ocorrida no estado. Ela só poderá se calar diante das perguntas sobre esse período. Mas, como foi convocada como testemunha, ela continuará obrigada a dizer a verdade. Ou seja: se quiser responder tudo, não pode mentir.

Até agora, todos os depoentes da CPI da Covid-19 prestaram declarações como testemunhas. Mayra Pinheiro e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que foi à CPI na semana passada, conseguiram habeas corpus para ficarem calados apenas sobre a investigação da crise sanitária no Amazonas. Assim como a secretária, Pazuello também tinha a obrigação de dizer a verdade quando resolveu ignorar o habeas corpus e responder as perguntas dos parlamentares.

Ainda que seja possível, é incomum uma testemunha ser presa por mentir em depoimento judicial ou em CPI. O mais usual é o juiz, ou o parlamentar alertar para a mentira e, depois, abrir um processo contra a pessoa por falso testemunho. Durante o processo, se a testemunha se retratar, ela não é mais sujeita a punição.

Se houver voz de prisão em flagrante durante o depoimento, a consequência prática é pequena: a testemunha será conduzida a uma delegacia, onde será lavrado o boletim de ocorrência e, em seguida, será solta para responder o inquérito em liberdade. A prisão, portanto, serviria mais como um componente de emoção extra para a CPI.

A última vez que isso aconteceu no Congresso Nacional foi em 1999, quando a então senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) gritou “teje preso!” para o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes durante depoimento à CPI dos Bancos. Até agora, os parlamentares apontaram várias mentiras ditas pelas testemunhas à CPI da Covid-19. Mas, aparentemente, nenhum está disposto a repetir o gesto de Heloisa Helena.

Uol