Carros e caminhões pagarão pedágio para motocicletas

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Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

A promessa feita pelo presidente Jair Bolsonaro para agradar mais um grupo de apoiadores, os motociclistas, tem gerado críticas no setor de concessões rodoviárias. Depois de lançar um programa a favor dos caminhoneiros, Bolsonaro fez gestos a favor dos motoqueiros prometendo conceder isenção de pedágio a motos nas próximas concessões de rodovias federais. As concessionárias dizem que a medida pode levar a aumento no valor do pedágio para os outros usuários das estradas.

A isenção do pedágio causaria um impacto negativo de 5% na receita das concessões, segundo a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR). Esse custo, diz a entidade, seria repassado a outros tipos de veículos. Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), os motociclistas representam 2% do fluxo nas estradas, mas representam 20% dos acidentes, o que impacta nos gastos da concessionária.

A medida, que segundo o Ministério da Infraestrutura, está em estudo e já afetaria os projetos em modelagem pela pasta, foi anunciada por Bolsonaro três dias antes de o presidente comparecer a um passeio com motociclistas que gerou aglomeração no Rio de Janeiro neste domingo.

A pasta da Infraestrutura e o ministro Tarcísio de Freitas sempre foram vistos como técnicos pelo mercado. O benefício a motociclistas, no entanto, tem apelo político, como um aceno de Bolsonaro a mais um grupo de possíveis apoiadores.

O Ministério da Infraestrutura afirma em nota que a gratuidade está em estudo e que “não deve gerar grande impacto nas tarifas, segundos os estudos”. A reportagem pediu acesso às análises técnicas sobre o assunto, mas não foi atendida.

Presidente da Abdib, Venilton Tadini diz que a proposta “não é uma política adequada para o setor de infraestrutura rodoviária”.

— Numa concessão, quanto maior a base de usuários pagantes, melhores são as condições de viabilidade econômica a financeira, principalmente contribuindo para a modicidade tarifária (preços mais baixos) para todos os usuários — , disse Tadini em nota.

O documento ressalta também que automóveis, ônibus e o transporte de carga teriam de pagar maiores tarifas.

— Os motociclistas compõem o modal de transporte mais vulnerável nas estradas. Apesar de responderem por até 2% do fluxo, eles representam cerca de 5% de todos os atendimentos, 20% de todos os acidentes e cerca de 25% da quantidade de mortes nas rodovias, onerando os concessionários das vias —, afirma Tadini.

O custo do benefício às motos de fato seria repassado aos outros veículos, afirma Lucas Sant’Anna, sócio do escritório de advocacia Machado Meyer que atende grandes concessionárias.

— O cálculo da tarifa do pedágio é feito com base mo número de pagantes. Se o governo tirar os motociclistas dessa base, esse custo é transferido para outras categorias, como a de carros e transportes de carga — diz ele.

Sant’Anna também critica a medida.

— É um desserviço excluir os motociclistas porque eles são usuários da via (pedagiada). As motos não impactam tanto no desgaste do pavimento, diferentemente dos caminhões, mas estes já pagam muito mais. Além disso, as motos também usam outros serviços prestados pelas concessionárias, e sofrem mais acidentes do que as outras categorias. É a concessionária que atende os acidentes — salienta o advogado.

Segundo a ABCR, “motociclistas continuarão usando os serviços disponíveis nas rodovias concedidas, entre eles assistência pré-hospitalar em emergências, socorro mecânico, bases de apoio aos usuários”. A entidade ressalta que 20,26% dos acidentes em 2019 envolveram motocicletas.

A isenção da cobrança para motos já valeria, por exemplo, para a nova concessão da Rodovia Presidente Dutra (BR-116), estrada mais movimentada do país, que conecta as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro.

No caso da Nova Dutra, concessão em fim de contrato hoje administrada pela CCR, a nova licitação está prevista para o próximo ano. O ativo é considerado altamente atrativo por investidores, mas a mudança anunciada por Bolsonaro coloca componentes de risco que podem afetar a atratividade do projeto e, consequentemente, o valor das ofertas a serem feitas no leilão.

Isso porque uma eventual isenção de pedágio a motociclistas estimularia o uso desse transporte e criaria distorções no modelo de negócios.

— O usuário que tinha carro e precisava passar por um pedágio com frequência tem um estímulo para optar pela moto. Esse efeito vai impactar as receitas da concessionária. Todas as empresas vão levar em consideração esse novo cenário na hora de fazer suas propostas de outorga — disse Sant’Anna.

O Globo