Comunidade científica se indigna com Capitã Cloroquina

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Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

Enquanto transcorre na CPI da Covid o depoimento da secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde (SEGETES), Mayra Pinheiro, nesta terça-feira, pesquisadores e divulgadores científicos usaram suas contas oficiais no Twitter para rebater argumentos e narrativas usados pela “Capitã Cloroquina”, como é conhecida.

Em seu depoimento, que segue ao longo de todo o dia, Mayra admitiu a orientação do governo federal para adoção de cloroquina no atendimento a pacientes durante o colapso hospitalar no Amazonas, em janeiro, e alegou que seria “inadmissível” não recorrer a “todas as medidas”.

A secretária alegou ainda que não haveria estudos robustos recomendando a não adoção de cloroquina em pacientes com Covid-19, na contramão de pareceres reiterados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde julho de 2020, quando passou a desaconselhar o medicamento amparada em pesquisas já divulgadas à época. O primeiro desses estudos foi conduzido em Manaus e divulgado ainda no primeiro semestre do ano passado pelo infectologista Marcus Lacerda, da Fiocruz, alvo de perseguições depois disso.

“A secretaria da SEGETES mente! O estudo de Manaus foi conduzido de forma ética e rigorosa e a partir dele a Cloroquina deveria ter sido banida do tratamento da COVID-19 e não estimulada e adotada como política pelo ministério da saúde. Ciência sim, Mentira não!”, escreveu no Twitter o infectologista André Siqueira, pesquisador da Fiocruz.

 

“Os participantes do estudo foram cuidados como mandam os protocolos internacionais. Ao distorcer e mentir os fatos, ela tem que ser responsabilizada por calúnia contra os pesquisadores e instituições envolvidas!”, completou Siqueira.

O biólogo e divulgador científico Átila Iamarino também contestou o discurso da “Capitã Cloroquina” de apologia ao chamado “tratamento precoce”, e lembrou que o distanciamento social e uso de máscaras são as únicas medidas, além da vacinação, que comprovadamente reduzem a circulação do vírus e diminuem hospitalizações. Átila criticou ainda a fala de Mayra na qual ela pregou um “efeito rebanho” do coronavírus em crianças, mantendo uma “evolução natural da doença”.

“Como alguém que trabalha no Ministério da Saúde aponta que milhões de infectaram pq a OMS demorou a recomendar máscaras e não reconhece que o mesmo ainda é feito aqui? Como uma profissional da saúde promove que ‘não atrapalhemos a evolução natural da doença’?”, escreveu Átila, antes de completar:

“Quando ouço alguém defender ‘o curso natural da doença’ me pergunto se a pessoa não sabe sobre ou se aceita a morte de mais de um milhão de brasileiros que aconteceria nesse cenário. Quando a pessoa em seguida mente sobre ter defendido essa ideia, eu sei a resposta”.

 

Em seu depoimento, embora tenha admitido a defesa da “imunidade de rebanho” em crianças, Mayra negou ter pregado a tese em larga escala.

“Por que eu não estou comentando as respostas de Mayra? Porque eu não sou crítico literário do gênero ficção”, ironizou o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP.

O médico e advogado sanitarista Daniel Dourado avaliou, também em suas redes sociais, que o depoimento de Mayra é o primeiro “que está bancando o discurso negacionista abertamente na CPI”. Dourado pontuou ainda que a discussão principal não é sobre autonomia médica para receitar tratamento “off-label”, isto é, fora da prescrição original da bula, mas sim sobre a adoção de medicamentos ineficazes como política pública.

“Senadores, não caiam na armadilha de debater evidências científicas, o foco da CPI não é esse. O ponto é: tratamento off-label NÃO pode ser política pública. Se nunca houve comprovação de eficácia, jamais poderia ter sido adotada cloroquina e nem o kit-Covid. O essencial é a CPI mostrar que a opção política foi feita para promover a estratégia absurda de imunidade de rebanho por contágio. A cloroquina e o kit-Covid foram instrumentos para isso: incentivar a população a se contaminar”, escreveu.

O Globo