Diretor do Butantan dá “baile” em governistas da CPI

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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Em um depoimento saudado pelos entusiastas da apuração da CPI da Covid sobre o governo federal, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, deu carne e tempero para o cozido que está sendo preparado pelo comando da comissão.

Não que houvesse novidades estrondosas. Como qualquer um que acompanha o noticiário sobre a pandemia e a política pandêmica desde 2020 sabe, a CPI está criando um corpo narrativo ao que já é conhecido acerca do desgoverno de Jair Bolsonaro na crise sanitária.

Mas ao alinhavar tudo em algumas horas de fala, Covas ajudou os senadores ditos independentes e os oposicionistas a construírem seu caso. Sua fala careceu de didática, mas não deixou aberto nenhum flanco importante.

A impaciência do cientista ante perguntas toscas gerou momentos engraçados, como naquele em que teve de dizer que “seu amigo chinês” citado em um áudio de conversa com o governador João Doria (PSDB-SP) era o vice-presidente da Sinovac, o laboratório que criou a Coronavac.

Para os governistas sedentos de impingir a Doria e ao Butantan uso político da principal vacina ora em uso no Brasil, o despreparo custou caro.

Sobrou o papelão: Eduardo Girão (Podemos-CE), depois de quase se desculpar por falar mal da Coronavac, desfiou um constrangedor rosário de ilações colhidas em redes sociais ou já esclarecidas contra imunizantes.

Mesmo a suposta prova do uso político do tucano, rival de Bolsonaro que tenta se viabilizar como presidenciável em 2022 e já admitiu ver na vacina um ativo, foi pífia: um conhecido áudio no qual ele diz o óbvio, que há um custo de imagem se não forem entregues as vacinas que prometeu.

Ainda que, com má vontade, se veja apenas a obstinação do paulista em ser candidato, o corolário é fatal para o inquisidor: é pecado colher fruto por algo que visa o bem comum? Ou pecado maior seria o cometido pelo presidente que rejeitou a vacina, com provas abundantes disso?

É essa lógica que dificulta a vida do Planalto e sua tentativa de transformar a CPI num patíbulo para execução de governadores, descolando de Bolsonaro suas responsabilidades.

Poderiam ter feito melhor, os governistas. O caráter secreto e nebuloso do contrato do Butantan com a Sinovac, com cláusulas draconianas que levaram a decisões de comunicações erradas do governo paulista, passou ao largo de questionamentos sérios.

Ainda assim, isso e erros pontuais são questões menores perto do central: o depoimento de Covas engrossa o rol de evidências que, confrontadas com o que disseram os alvos federais à CPI, desenham um quadro de omissão deliberada por parte de Bolsonaro.

Se ela já era clara no caso da Pfizer, evidenciado no depoimento do representante da farmacêutica, ganha ares trágicos quando se leva em conta a capacidade produtiva em solo nacional do Butantan.

Com as atuais dificuldades no recebimento de insumos chineses, vitais não só para a Coronavac mas também para a vacina de Oxford elaborada na Fiocruz, o peso da sombra dessas decisões, salpicadas pela ação do Itamaraty de Ernesto Araújo e dos filhos de Bolsonaro, fica ainda maior.

Quando voltarem à CPI, o ex-ministro Eduardo Pazuello e outros encontrarão um chão bem mais apertado sob suas cadeiras de depoentes.

Folha de S. Paulo