Ditador de Belarus diz que blogueiro faz “terrorismo” com posts

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Foto: Maxim Guchek/Belta/AFP

Em seu primeiro pronunciamento público sobre o desvio do voo da Ryanair, o ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko, afirmou que agiu legitimamente para proteger seu país de uma ameaça de bomba enviada da Suíça.

Na segunda (24), seu governo havia atribuído a ameaça ao Hamas, grupo islâmico que governa Gaza e que negou a versão. “Hamas, não Hamas, não importa hoje. A tripulação tinha hora de tomar uma decisão. Tínhamos 123 passageiros de diferentes países e seis tripulantes no ar sob ameaça”, afirmou Lukachenko em discurso a parlamentares divulgado nesta quarta (26) pela agência de notícias oficial Belta.

Segundo ele, foi o piloto da Ryanair que resolveu pousar em Minsk, embora estivesse muito mais próximo do aeroporto de Vilnius e a dois minutos de cruzar para o espaço aéreo da Lituânia. Lukachenko sugeriu que os lituanos se recusaram a receber o avião.

O ditador belarusso também justificou a interceptação do Boeing por um caça militar —ação que foi chamada de “sequestro” e de “pirataria” por governos estrangeiros: “O avião deu a volta perto da BelNPP [usina nuclear na Belarus]. Se realmente houvesse uma bomba, o que teríamos feito?”

Ele disse que o envio do caça seguiu todos os regulamentos e foi feito só após a mudança de rota para Minsk. “Não podia permitir que o avião caísse na cabeça do nosso povo.”

De acordo com o direito aeronáutico internacional, a legítima defesa —que ficaria caracterizada num caso de ameaça de bomba— é uma das poucas exceções em que um país pode interceptar um voo civil.

Governos internacionais e opositores de Lukachenko afirmam, contudo, que a história é uma farsa e que o verdadeiro objetivo do ditador era prender o jornalista Roman Protassevich, que estava a bordo.

No discurso, Lukachenko citou a necessidade de combater “malfeitores” e afirmou que havia no avião “um terrorista que iria iniciar uma rebelião sangrenta”.

Um dos fundadores do Nexta, canal de aplicativo de mensagens que se tornou crucial durante os protestos contra as eleições do ano passado —consideradas fraudadas—, Protassevich, 26, é acusado de três crimes que são punidos com até 15 anos de prisão.

Ele também foi listado como terrorista pela KGB (serviço secreto belarusso) —se for acusado por terrorismo, ele pode, em tese, ser condenado à pena de morte.

A namorada dele, Sofia Sapega, 23, também foi detida, embora não fosse suspeita de nada no domingo. Na terça (25), ela foi acusada de perturbar a ordem pública e recebeu prisão preventiva por dois meses.

No discurso desta quarta, Lukachenko insinuou que o Nexta —editado na Polônia por jornalistas belarussos que se exilaram após ameaças— é patrocinado por países estrangeiros que pretendem desestabilizar a Belarus e, em seguida, a Rússia. “Um canal bem conhecido que começou cobrindo questões belarussas, mas não em nossa terra, já está trabalhando a todo vapor contra a Rússia, mostrando assim o verdadeiro objetivo dos estrategistas ocidentais”, disse.

O ditador se reúne nesta sexta em Sochi com o presidente russo, Vladimir Putin, que, segundo analistas, deve se aproveitar das crises interna e externa da Belarus para aumentar sua influência sobre o país.

Para especialistas nas relações entre os dois países, como Piotr Kuznetsov, fundador da Strong News e da Mogilev.Online, o aumento da oposição do Ocidente a Lukachenko deixa Putin em condições de cobrar mais caro para manter seu apoio ao ditador da Belarus.

Kuznetsov afirma também que o incidente do domingo foi um ponto de inflexão para países ocidentais. “Eles pararam de olhar para a Belarus como apenas um problema de direitos humanos. A ação de Lukachenko afetou desta vez os interesses da União Europeia e as questões de segurança na região.”

A opinião é compartilhada pelo analista político belarusso Artem Shraibman: “O isolamento internacional de Lukachenko era crescente, mas atingiu um novo nível, de pontes queimadas para sempre”. Segundo ele, o ditador pode não ter previsto o tamanho da reação internacional, porque “toda a energia é direcionada para um ponto: neutralizar os inimigos internos”. E o desvio do voo fez o regime passar “da categoria de violadores das normas europeias para violadores da paz e da segurança; o país ficou muito mais tóxico do que nunca para qualquer forma de cooperação internacional”, afirma.

Nos últimos dias, a UE, o Reino Unido, os Estados Unidos e a Otan (aliança militar de países europeus e norte-americanos) pediram a libertação imediata dos dois prisioneiros e estudam sanções contra o regime de Lukachenko e empresas ligadas a ele. Em comunicado, o Conselho do Atlântico Norte —principal órgão político da Otan— pediu investigação independente urgente sobre o desvio do voo da Ryanair.

Várias empresas deixaram de sobrevoar a Belarus desde o domingo e, nesta quarta, o regulador da aviação da Europa (Easa) pediu a todas as companhias aéreas que evitem o espaço aéreo belarusso, por razões de segurança. Segundo a mídia belarussa, o regime pode perder cerca de US$ 150 milhões (R$ 797 mi) com os boicotes aéreos, mesmo que a redução de voos sobre a Belarus seja compensada por companhias aéreas russas, hoje responsáveis por cerca de 30% das receitas de controle de tráfego.

Antes da pandemia, eram 300 mil voos por ano, e o Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Minsk atendia 980 empresas de cem países do mundo, 83% com sobrevoos e 17% com pousos na Belarus. O setor de aviação —incluindo controle de tráfego, aterrissagens no país e receitas da Belavia— representa cerca de 2% do PIB do país.

As sanções devem afetar também outras companhias aéreas que atuam no transporte e no comércio internacional, como RubiStar, Rada Airlines, Genex e a estatal Transaviaexport. Essa última, a maior delas, perderia uma receita anual estimada em cerca de R$ 150 milhões (com lucros de R$ 9 milhões).

Mais prejuízos devem vir do rompimento diplomático com a Letônia, de cujos portos é exportado cerca de um terço do petróleo da Belarus —uma de suas principais fontes de divisas.

As sanções já afetaram o fluxo de passageiros nesta quarta. No começo da tarde, um avião da Belavia que ia de Minsk para Barcelona com 54 passageiros não conseguiu cruzar a fronteira com a Polônia e circulou no céu por quase duas horas para gastar combustível antes de voltar ao aeroporto de partida.

Segundo a companhia, três minutos antes da decolagem as autoridades da aviação francesa desativaram manualmente o plano de voo sem notificar a Belarus. A informação de que não seria possível prosseguir foi transmitida pelos controladores poloneses, obrigando o avião a voltar.

Folha de S. Paulo