Ernesto Araújo é acusado de mentir na CPI

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Foto: Reprodução

O ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou à CPI da Covid, na manhã desta terça-feira, que não fez nenhuma declaração anti-chinesa e que não houve nenhuma hostilidade ao país por sua parte. Durante o depoimento o presidente da CPI, Omar Aziz, disse que Ernesto mente sobre declarações em relação à China. O ex-ministro disse que nunca teve “nenhum atrito” com os chineses.

Ernesto disse que não conversou em outubro com Bolsonaro sobre a aquisição da Coronavac, e não tem conhecimento de quem falou sobre isso com o presidente, que, na época, desdenhou dessa vacina. Questionado sobre o impacto de suas declarações anti-chinesas, Araújo respondeu:

— Eu não entendo nenhuma declaração que tenha feita como anti-chinesa. Houve determinados momentos em que por atos oficiais, por minha decisão, nos queixamos de comportamentos do embaixador da China. Não há impacto de algo que não existiu.

Omar Aziz o alertou que ele deve dizer a verdade à CPI e lembrou declarações anti-chinesas.

— Tem várias declarações. Posso ler o seu artigo. Na minha análise, Vossa Excelência está faltando com a verdade. Peço que não faça isso. Escreveu no seu Twitter, escreveu artigo. Chegar aqui e desmerecer o que Vossa Excelência já praticou e que nunca se indispôs com a China, aí está faltando com a verdade — disse Aziz.

Durante o depoimento, Araújo confirmou negociações do Itamaraty para comprar cloroquina no começo da pandemia. Ele destacou que na época havia uma expectativa sobre a eficácia do remédio. Também lembrou que o estoque no Brasil havia diminuído e que o medicamento tem outros usos importantes. A cloroquina é utilizada em pacientes com malária, por exemplo.

Em sua fala inicial, Ernesto fez um balanço de sua gestão. Ele disse que o Ministério de Relações Exteriores “abriu frentes de promoção dos interesses” brasileiros com diversos países, citando a China como um deles. A relação com o governo chinês, que já foi alvo de críticas do ex-chanceler, deve ser um dos principais focos dos questionamentos dos senadores na CPI.

O ex-ministro de Relações Exteriores negou ter causado atritos com a China e disse que sua gestão não visava uma política de enfrentamento:

— Jamais promovi nenhum atrito com a China, seja antes, seja durante a pandemia, de modo que os resultados que obtivemos durante a pandemia na consecução de pandemia e outros temas decorrem de uma política externa que foi implementada com nossos objetivos, mas que não era de alinhamento automático com os Estados Unidos, nem uma política anti-multilateral, ficou claro isso com a nossa participação na Covax, nem uma política de enfrentamento com a China.

O ex-ministro refutou a avaliação de que ele fazia parte da ‘ala ideológica’ e deixou claro que sempre atuou sob supervisão do presidente Jair Bolsonaro. Ele afirmou, ainda, que procurou uma política externa que garantisse um “país grande e livre” e que buscou sempre os melhores caminhos seguindo os princípios internacionais.

Ainda durante discurso inicial, Ernesto afirmou que a definição das estratégias contra a pandemia coube ao Ministério da Saúde, mas que o Itamaraty atuou para viabilizar importações de doações, equipamentos e para auxiliar na campanha de vacinação.

Segundo ele, postos do Itamaraty do exterior foram instruídos em janeiro de 2020 a começar a prospecção de pesquisas de vacinas e medicamentos. Ainda de acordo com o ex-chanceler, o Brasil manifestou intenção de participar do consórcio Covax Facility em junho do ano passado.

À CPI, Ernesto disse que o presidente Jair Bolsonaro pediu que ele deixasse o cargo para melhorar a relação com o Congresso:

— O Presidente manifestou que haviam surgido dificuldades que poderiam dificultar o relacionamento especialmente com o Senado. Diante disso, pediu que eu colocasse à disposição o cargo — respondeu ao ser questionado sobre o episódio.

Perguntado pelo relator se a boa relação com o ex-presidente Donalt Trump não prejudicou o Brasil com a mudança de governo os Estados Unidos, Araújo disse que, em sua gestão, houve um contato estreito com a nova administração do presidente Joe Biden para “rearmar” a relação. Questionado se a proximidade entre Bolsonaro e Trump trouxe algum benefício, ele respondeu:

— Acredito que sim, mas, bem, recebemos uma doação significativa e 1000 respiradores em junho. Houve o convite para que o país integrasse um grupo para compartilhar pesquisas de covid. É um grupo seleto. Acho que não há outro país em desenvolvimento, salvo engano, talvez um ou dois. No caso das vacinas, os Estados Unidos adotou desde o inicio uma proibição de exportação de vacinas, não foi dirigida ao Brasil.

Antes da primeira fala de Ernesto, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) anunciou que seu partido está apresentando uma ação na Justiça contra o presidente Jair Bolsonaro para que, em eventos públicos, ele respeite as regras sanitárias. É comum Bolsonaro participar de eventos com aglomeração e sem máscara.

— O PSDB está entrando com uma ação em que obrigue o presidente a obedecer as regras sanitárias estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. É um problema que estamos vendo ocorrer. É um boicote ao programa de afastamento social. Lembro aos senhores que estamos vivendo hoje uma crise de vacinas. E o distanciamento social é a alternativa — disse Jereissati.

O senador Marcos do Val (Podemos-ES) reclamou que algumas pessoas estão se sentindo intimidadas na CPI. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e o senador Otto Alencar (PSD-BA) saíram em defesa do trabalho do relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Omar Aziz ainda ironizou quem tenta obter no STF habeas corpus para ficar calado na CPI. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello já conseguiu uma decisão nesse sentido, e a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, tenta o mesmo.

— É bom ver algumas pessoas procurando o Supremo. Essas mesmas pessoas queriam queimar o Supremo — disse Aziz.

Em seguida, o senador governista Eduardo Girão (Podemos-CE) também reclamou de Renan Calheiros e afirmou que tem ocorrido intimidação. Segundo ele, a CPI tem sido parcial, ou seja, focada no governo federal.

— Espero não ver espetáculos, “vai prender, não vai prender” — disse Girão, em referência ao pedido de prisão feito por Calheiros contra o ex-secretário de Comunicação Social do governo federal Fábio Wajngarten, que, em depoimento na semana passada, caiu em contradição.

— Não adianta constranger o relator. Isso não vai pegar na população. A indignação dos brasileiros é a falta de vacinas — rebateu Aziz.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que reuniu ameaças que membros da comissão têm sofrido e pediu que elas sejam encaminhadas à Polícia Federal. O presidente da comissão, Omar Aziz, acatou a solicitação.

— Isso daí está virando uma rotina, mas o papel nosso é continuar trabalhando aqui — afirmou Aziz.

Parlamentares da comissão afirmam ser um objetivo da audiência aferir se as críticas de Ernesto à China, principal parceiro comercial do Brasil, prejudicaram as tratativas para compra de vacinas e insumos contra o novo coronavírus. Além disso, parlamentares da oposição pretendem indagar Ernesto sobre o esforço feito no âmbito internacional para garantir a compra de medicamentos sem comprovação científica que seriam utilizados no tratamento precoce da Covid-19. O intuito, neste caso, é verificar se o Ministério de Relações Exteriores priorizou outras negociações em detrimento da aquisição de vacinas.

— Queremos saber das tratativas que foram feitas e também das que (eles) deixaram de fazer em relação às vacinas e também em relação à importação de insumos para o tratamento precoce… A relação com a China, de que forma isso impactou — disse o relator Renan Calheiros (MDB-AL), ao GLOBO.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) considera que o principal foco será saber de que forma Ernesto atuou para ajudar o Brasil a comprar mais vacinas no exterior.

—- Ele tem que falar quais foram as intervenções do MRE para comprar vacina para o Brasil. O Brasil tem boa relação com todos esses países que produzem vacina. Ele deve ter se esforçado, né? — questionou, em tom irônico.

Para senadores da oposição e da ala independente, que compõem o grupo ‘G7’, uma possível omissão do Ministério de Relações Exteriores para a compra de vacinas representaria mais um indício de que o governo federal não se empenhou para adquirir os imunizantes no auge da crise sanitária.

Apesar de críticas abertas e veladas ao governo chinês em sua gestão, Ernesto afirmou, após deixar a pasta, que construiu uma política “não de afastamento em relação à China, mas de objetividade e cautela”.

O advogado do ex-ministro, Rafael Martins, afirmou ao GLOBO que não houve intenção da defesa de pedir um habeas corpus por ele depor como testemunha.

— O ministro Ernesto não é investigado e não tem como colocá-lo nesta posição. De fato, ele nada fez que possa ser alvo de apuração de suposta irregularidade. Sempre teve uma atuação interessada nos interesses do país, de resguardar a soberania nacional e os interesses da população brasileira — disse Martins.

O advogado é apontado como amigo do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas ele nega que represente o ex-chanceler pela proximidade com o filho do presidente.

Ontem, o Itamaraty buscou minimizar nesta segunda-feira atritos com o país asiático — ainda que na semana passada o presidente Jair Bolsonaro tenha insinuado que o coronavírus pudesse ser parte de uma “guerra química’.

Em audiência no Senado sobre os entraves à aquisição de vacinas no país, o diretor de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério de Relações Exteriores, João Lucas Quental de Almeida, disse que o Itamaraty “não tem medido esforços” nas negociações e elogiou os chineses.

— Nós devemos de fato louvar a China (…) porque a China é um país que realmente tem mais exportado IFAs (ingredientes farmacêuticos ativos) e vacinas neste momento de pandemia. A China exportou metade de toda a sua produção. Nenhum outro país chega perto a isso, e nós reconhecemos plenamente esse esforço gigantesco da China para ajudar mundo e o Brasil, particularmente, nesse momento.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, informou que novos lotes de IFA para a vacina produzida pela Fiocruz devem ser enviados ao Brasil na próxima sexta-feira. O Instituto Butantan está com a produção da Coronavac suspensa por falta de insumo e anunciou que só deve receber mais material na próxima semana.

O Globo