Especialistas dizem que governo não agiu para impedir cepa indiana

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Foto: Tati Hauer

O governo do Maranhão confirmou na quinta-feira os primeiros casos de Covid-19 provocados pela variante do coronavírus que emergiu na Índia, em seis tripulantes de um navio ancorado no estado. Cerca de 100 pessoas que tiveram contato com aqueles que precisaram ser atendidos estão sendo monitoradas. Para a epidemiologista Ethel Maciel, no entanto, é “muito improvável” que não existam outras pessoas contaminadas com a cepa no país.

A professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) afirma que a atuação do Ministério da Saúde para tentar evitar a chegada da variante ao Brasil foi “atrasada”. E alerta para medidas necessárias a serem adotadas com urgência, como o aumento da vigilância genômica, mais testagem e estudos sobre possíveis impactos da cepa nas vacinas contra a Covid-19 utilizadas no país.

O Ministério da Saúde falhou no controle sanitário para evitar a chegada da cepa indiana? O que deveria ter sido feito?
Sim. Quando veio o anúncio da variante e aumentavam os números de caso da Índia, todos os países começaram a fazer barreiras sanitárias e controlar quem chegava do país asiático. O Brasil não tem voos diretos da Índia, mas as pessoas estavam vindo de lá, com escalas. Deveria ter sido feito controle de portos e aeroportos. Demoramos muito para agir. Foi só na sexta-feira passada que o governo publicou no Diário Oficial que faria controle, acatando recomendação da Anvisa que tinha sido feita dez dias antes. A tomada de decisão foi atrasada em cerca de 15 dias.

A prefeitura de São Paulo pediu à Anvisa barreiras sanitárias em aeroportos para conter a variante indiana. Medidas como esta são as corretas?
Sim. São fundamentais. São Paulo é uma das mais importantes entradas no Brasil. Analisar quem está chegando, fazer ou apresentar testes, é o que acontece quando o brasileiro vai para qualquer país. Precisamos fazer isso com os que estão chegando aqui também.

O governo do Maranhão informa que, por enquanto, não há transmissão local. Mas 100 pessoas estão sendo rastreadas e testadas. O risco de transmissão local é grande? Qual seria o impacto para o combate à pandemioa?
É muito provável que as pessoas que já entraram em contato acabem espalhando a cepa. É possível que mais pessoas tenham sido infectadas. E como não foi feito controle nos aeroportos, há o risco de se ter outras pessoas que entraram no país com a variante. Precisamos ter uma intensificação da testagem, para compreender o efeito dessa variante, se já está presente em outros locais. Do jeito que está se espalhando na Argentina, por exemplo, com a proximidade do Brasil, acho improvável que a gente não tenha tido mobilidade e ela tenha entrado no país (pela fronteira terrestre). É muito improvável que ela não tenha chegado aqui.

A variante pode complicar ainda mais o controle da Covid-19 no caso de uma terceira onda no país?
Desde o início da semana há aumento considerável nos casos novos diários. Projetamos que em duas ou três semanas teremos aumento de internação, e em três ou quatro semanas, aumento de óbitos. É muito provável que ocorra, entre meados e final de junho, uma nova grande ocupação de leitos e que os óbitos ultrapassem três mil por dia.

O que essa variante pode fazer é piorar ainda mais a situação. Ainda não sabemos o impacto exato, mas há a possibilidade de reinfecção para pessoas que já se infectaram com outra variante.

É uma variante classificada pela Organização Mundial da Saúde como de preocupação. Não temos evidências de que provoque mais mortes, mas observamos que na Índia as pessoas ficavam mais graves mais rapidamente.

Quais medidas devem ser tomadas para evitar uma tragédia por causa da cepa?
Precisamos ampliar a vigilância genômica, para analisar o percentual de pessoas doentes com cada variante, e se hái crescimento da nova. Em todos os estados, e principalmente no Sul, pela proximidade com a Argentina, Isso preocupa porque se tem uma variante dominante em um estado, e outra chega, é possível que pessoas possam se reinfectar.

Precisamos trabalhar a prevenção, testando muito e isolando rápido, e não testando apenas pessoas doentes. Pode ser necessário implantar medidas de restrição para impedir que a variante se espalhe. E, na preparação para a terceira onda, precisamos estar preparados para ter insumos: oxigênio, medicamento para intubação. E lembrar de continuar com as medidas de prevenção, mesmo as pessoas vacinadas.

E qual o impacto em relação à vacinação?
O que sabemos é que a variante indiana não tem impacto, mas a maior parte das vacinas testadas foram as americanas, da Pfizer e Moderna, ainda precisamos saber das vacinas daqu (nesta quinta-feira a OMS anunciou que as vacinas já aprovadas pela organização, entre elas a AstraZeneca, conseguem conter as variantes. A CoronaVac não foi aprovada ainda). Fiocruz e Butantan deveriam, com o Ministério da Saúde, fazer essas análises. Se existir algum impacto grande na vacina, o problema seria ainda maior.

O Globo