Japão sediará Olimpíada no pior momento da pandemia

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Foto: Noriko Hayashi/The New York Times

A dois meses dos Jogos Olímpicos, o Japão vive o momento mais delicado em termos de saúde pública desde o início da pandemia de coronavírus. Autoridades do governo e o próprio primeiro-ministro, Yoshihide Suga, no entanto, têm insistido que a competição pode ser realizada de forma segura, com medidas como a proibição de espectadores estrangeiros durante a competição e a testagem diária dos atletas. Só falta convencer a população.

Enquanto o Japão avança lentamente, com o pior ritmo de vacinação contra a Covid-19 entre os países do G7, o grupo das principais economias do mundo, o governo tem sido pressionado pela opinião pública. De acordo com as pesquisas mais recentes, diminuiu significativamente seu apoio à realização da Olimpíada.

Um levantamento publicado pelo jornal Asahi Shimbun na semana passada mostrou que 83% dos entrevistados japoneses disseram acreditar que a competição deveria ser cancelada ou adiada pela segunda vez, repetindo o fato do ano passado que, até então, era inédito. Nunca antes uma Olimpíada havia sido adiada, embora três (1916, 1940 e 1944) tenham sido canceladas devido às Guerras Mundiais.

A pesquisa aponta que são 43% os que dizem que o Japão deveria cancelar, 40% os que preferem um novo adiamento e apenas 14% os que acreditam que os Jogos devem ser realizados a partir de 23 de julho. Em uma sondagem no mês passado, as porcentagens eram, respectivamente, 35%, 34% e 28%.

O mesmo levantamento constatou ainda que 73% dos entrevistados não estão convencidos das afirmações de Suga de que é possível manter o cronograma da Olimpíada em segurança —uma falta de apoio que, para Paulo Watanabe, doutor em relações internacionais pela Unesp e professor da Universidade São Judas Tadeu, representa um risco político para a estabilidade do premiê japonês no governo.

“Para um político japonês, a rejeição pública é muito arriscada, pois afeta resultados do partido em futuras eleições para a Dieta [nome dado ao Parlamento do Japão]”, explica o especialista. “Caso a Covid saia do controle antes ou durante os Jogos, a situação de Suga será muito incerta no poder. A confiança e a certeza na realização dos Jogos com segurança se tornaram a principal ou a única aposta de Suga, que pode custar-lhe o cargo.”

Mesmo entre lideranças do Partido Liberal Democrático (PLD), a legenda de Suga, falta unidade a respeito da manutenção da Olimpíada. As medidas adotadas para conter o avanço dos casos de coronavírus, particularmente a declaração de estado de emergência em âmbitos regionais, também não são unanimidade, e os especialistas têm recomendado restrições mais rígidas em todo o país.

Atualmente, das 47 províncias japonesas, 20 receberam classificação de estágio 4 pelo Ministério da Saúde, o que significa que registraram “aumento explosivo de novos casos”. Destas, dez estão sob estado de emergência, um status legal que permite a líderes regionais a imposição de medidas como o fechamento de estabelecimentos e restrições à mobilidade.

Suga decretou emergência em 23 de abril nas províncias de Tóquio, Osaka, Kyoto e Hyogo. A medida deveria durar até 11 de maio, mas acabou sendo estendida até o final deste mês e ampliada para Aichi e Fukuoka. Depois, o mesmo recurso foi aplicado às províncias de Hokkaido, Okayama e Hiroshima e, na sexta-feira (21), Okinawa também entrou na lista, na qual deve permanecer até pelo menos 20 de junho.

O principal objetivo é reduzir as infecções por coronavírus. O Japão registrou em 13 de maio a maior média móvel de novos casos diários (6.460) desde o início da pandemia e, cinco dias depois, a maior média de mortes (108,29).

Os picos anteriores eram de 6.455 casos em 11 de janeiro e 97 mortes em 6 de fevereiro, que foram seguidos por quedas acentuadas até o começo de março e, novamente, registros de altas até os momentos mais críticos deste mês.

Embora apresentem tendência de queda na última semana, os índices preocupam os especialistas, principalmente em meio ao ritmo lento da vacinação. Apenas 4,37% (5,53 milhões) da população receberam ao menos uma dose dos imunizantes contra o coronavírus. Os que receberam duas doses e estão mais protegidos contra a doença são apenas 1,95% (2,46 milhões). Os índices colocam o Japão atrás dos demais membros do G7 no ritmo da imunização e mesmo atrás do Brasil, que aplicou duas doses em 8,57% da população.

Para Watanabe, faltou uma política clara sobre vacinação e sobre necessidade de isolamento, e o governo japonês falhou em aprovar os imunizantes com antecedência —o que contradiz o perfil político de Suga, considerado, tradicionalmente, um líder estrategista e pragmático. O país aprovou o uso do imunizante desenvolvido pelas empresas Pfizer e BioNTech em 14 de fevereiro, e iniciou a campanha de vacinação quatro dias depois.

Segundo o professor, o povo japonês é muito desconfiado em relação a vacinas, e o processo de aprovação da vacina da Pfizer gerou diferentes níveis de incerteza em relação à sua eficácia. Conta a favor da imunização, entretanto, o fato de que a população é tradicionalmente muito disciplinada com o bem-estar coletivo —característica fundamental para que medidas de controle sanitário e epidemiológico cumpram seus objetivos

Na sexta-feira, as autoridades também deram aval às vacinas produzidas pela Moderna e pela AstraZeneca, embora a última terá sua aplicação adiada devido aos relatos de efeitos adversos. O objetivo, segundo o ministro da Economia, Yasutoshi Nishimura, que lidera a resposta à pandemia, é vacinar ao menos todos os idosos, parcela expressiva da população japonesa, até o final de julho —quando, ao menos em tese, o mundo já estará acompanhando os Jogos Olímpicos.

Folha