Jornal Nacional joga bomba em Pazuello na véspera de sua fala à CPI

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Foto: Anderson Riedel

O Jornal Nacional encontrou indícios de fraudes em contratos do Ministério da Saúde no Rio. Sem licitação, militares escolheram empresas para reformar prédios antigos durante a gestão de Eduardo Pazuello e usaram a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes. A reportagem é de Arthur Guimarães, Marco Antônio Martins e Pedro Bassan.

No estado do Rio, 823 mil pessoas já tiveram Covid, mais de 48 mil morreram. Mesmo diante desses números, os representantes do Ministério da Saúde no estado decidiram investir recursos públicos num galpão para guardar arquivos e sem licitação.

A decisão foi tomada em novembro de 2020 por gestores nomeados pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. Meses antes, em junho, o general que comandava a Saúde tinha reforçado a presença de militares na Superintendência Estadual do ministério no Rio, ao nomear o coronel da reserva George Divério para o cargo máximo. Antes disso, o coronel dirigia uma fábrica de explosivos.

Em novembro, com um intervalo de dois dias, Divério autorizou duas contratações sem licitação que somam quase R$ 30 milhões. Só para a reforma dos galpões na Zona Norte do Rio, quase R$ 9 milhões.

Dois sócios da LLED Soluções, a empresa escolhida para a reforma, se envolveram num escândalo em contratos com as Forças Armadas.

Fábio de Resende Tonassi e Celso Fernandes de Mattos eram donos da CEFA-3, que fornecia material de informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação mostrou que o material vendido não foi entregue, numa fraude aos cofres públicos de mais de R$ 2 milhões.

No longo processo na Justiça Militar, Fábio Tonassi foi condenado à prisão em terceira instância, mas segue recorrendo em liberdade. A empresa CEFA-3 está proibida de celebrar contratos com o governo federal por cinco anos, até 2022. Mas os mesmos sócios simplesmente abriram uma empresa nova, a LLED.

Eles continuam apresentando as Forças Armadas como principais clientes. Só no governo Bolsonaro, a empresa ganhou R$ 4 milhões em contratos.

A sede da empresa não tem nem nome na porta. O único letreiro é meio abusado: ‘Ga-ra-gem, sabe ler?’ Mesmo quem sabe não consegue ler o contrato da empresa com o governo federal.

O processo de reforma dos galpões é mantido em sigilo no portal público do Ministério da Saúde, postura criticada pelo advogado e professor Carlos Ari Sundfeld, um dos principais especialistas em contratos públicos do país: “No caso da pandemia, como se autorizou, em algumas situações, a fazer contratos sem licitação, a lei exigiu ainda mais transparência, mais rapidez em colocar as informações – todas elas – à disposição do público. Se as informações não estão disponíveis, tem alguma coisa errada.”

Procurando os contratos secretos, o Jornal Nacional encontrou indícios de fraudes numa obra ainda maior e bem mais cara. Também no mês de novembro, o coronel George Divério autorizou uma reforma completa na sede do Ministério da Saúde no Rio, por quase R$ 20 milhões, novamente sem licitação

A obra foi considerada urgente com os mesmos argumentos usados no galpão. Ou melhor, mesmíssimos argumentos, incluindo longos trechos idênticos. É difícil entender a urgência de vários itens do projeto. Por exemplo: iluminação automática de LED na fachada, por R$ 1 milhão, e até a reforma do auditório, com 282 poltronas novas, a R$ 2,8 mil cada uma.

“Numa pandemia, é urgente contratar remédios, contratar equipamentos, contratar profissionais que atendem diretamente a população. Mas não é urgente reformar prédios públicos para fins burocráticos e outras finalidades que são comuns, são do dia a dia da administração. Essas coisas não podem ser contratadas sem licitação sob o pretexto de que nós estamos numa pandemia”, afirmou Carlos Ari Sundfeld.
A empresa escolhida, sem licitação, para uma obra de R$ 20 milhões fica numa área dominada pela milícia no município de Magé, na Baixada Fluminense. À primeira vista, parece uma empresa pequena para uma obra tão grande.

Jean Oliveira é o dono e o único gestor da SP Serviços, que está inscrita na Prefeitura de Magé como microempresa. Mesmo assim, por telefone, ele disse que a empresa teria condições de fazer a obra: “Eu tenho caminhão caçamba, tenho duas vans, eu tenho retro. A empresa hoje tem 16 equipamentos. Eu ia vender uma parte dessa frota para você iniciar ela, mas eu tenho caixa também.”

Os únicos contratos da SP Serviços com a União tinham sido com a Imbel, Indústria de Material Bélico, ligada ao Exército. Mais exatamente, com a fábrica da Estrela, a fábrica de explosivos que, na época, era dirigida pelo coronel George Divério, o homem nomeado por Pazuello para comandar o ministério no Rio.

Divério contratou três vezes a empresa de Jean Oliveira sem licitação.

Repórter: Você conhece o coronel George Divério?
Jean Oliveira: Se eu conheço ele?
Repórter: Sim.
Jean Oliveira: Não. Que que tem a ver?
Repórter: Você não conhece? Nunca esteve com ele?
Jean Oliveira: Não… Conhecer, eu conheço pessoalmente, não.

Diante de tantos indícios, a Advocacia-Geral da União não aprovou as duas dispensas de licitação. Depois de assinados, os contratos da reforma no ministério e nos galpões foram anulados. Mesmo assim, a AGU quer que a investigação continue para verificar se há indícios de conluio entre os servidores e a empresa contratada.

Os pareceres reconhecem que os prédios precisam de reformas, mas afirmam que agora só seria possível fazer obras ligadas à segurança e nada mais. Durante uma pandemia, enquanto seres humanos lutam pela vida, até as paredes sabem que elas podem esperar.

A Superintendência do Ministério da Saúde no Rio declarou que atuou dentro da normalidade em relação à dispensa de licitação, que os processos foram anulados e encaminhados à Corregedoria-Geral do ministério e que atua com transparência e lisura nos processos.

A empresa LLED declarou que não tem nenhuma relação com a CEFA-3 e que é apta a participar de licitações, tanto de forma técnica, quanto de forma fiscal.

G1