Mortalidade por covid no SUS foi de 25% em março

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Foto: BRUNO KELLY/REUTERS

A alta taxa de ocupação de leitos de UTIs (unidades de terapia intensiva) e enfermarias no mês de março fez a mortalidade de pacientes com covid-19 internados em hospitais financiados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) ter a maior alta desde o início da pandemia no Brasil. Uma em cada quatro pessoas contaminadas com o coronavírus morreu.

Segundo dados do sistema DataSUS, a mortalidade em março chegou a 24,2%, similar a maio do ano passado —quando muitos estados também enfrentavam o primeiro pico da doença. Em fevereiro deste ano, o índice foi de 20,9%. O percentual inclui leitos de UTI e enfermaria. A conta não faz distinção entre pacientes com sintomas leves, moderados e graves.

De agosto a dezembro de 2020, a taxa de mortalidade ficou abaixo de 21%, mas voltou a subir para 21% em janeiro. Ao longo dos meses, com o avanço nas formas de tratamento e expertise de equipes, a taxa de mortalidade vinha caindo ou se mantendo estável.

Médicos ouvidos pelo UOL são unânimes em apontar que a ocupação máxima dos leitos é o fator que aumenta o risco de morte de pacientes. Para eles, o dado de março serve de alerta porque o colapso, além de matar pessoas que não conseguem ter acesso a um leito, se torna também mais letal para quem tem vaga no sistema de saúde.

Sempre que a ocupação da UTI cresce, a mortalidade cresce proporcionalmente, pois a demanda por atenção de cada paciente grave é mais dividida na equipe.
Felipe Bueno, médico que atua na linha de frente em Curitiba

O estado do Paraná, por exemplo, enfrentou falta de leitos em hospitais em março e com isso teve a maior mortalidade já registrada até então, alcançando 23,9% dos pacientes.

A alta na mortalidade em março foi puxada justamente por estados que enfrentaram seus picos da doença em março. Foi o caso do Rio Grande do Sul, que por muitos dias teve com ocupação de UTIs superior a 110% —ou seja, com fila—, e alcançou recorde 26,9% de óbitos entre os internados.

Rio de Janeiro (mortalidade de 32%) e São Paulo (26,6%) também tiveram suas maiores taxas desde pelo menos abril de 2020 (quando os dados do DataSUS começaram a ser registrados especificamente para covid-19).

“O estresse do ambiente de trabalho aumenta, culminando em um índice de erro maior também. Os índices de infecção bacteriana se elevam —as infecções por corrente sanguínea e pulmonares são as principais. Profissionais não habituados ao cuidado intensivo são deslocados para setores de UTI e enfermarias, e com menor experiência e expertise, incorrem em mais erros também”, afirma Bueno.

No Amazonas, em janeiro, chegou a faltar oxigênio em hospitais. Naquele mês, a mortalidade de pessoas internadas chegou a 29% —o estado foi o primeiro a ter pico nesta nova onda da pandemia.

A médica infectologista Silvia Leopoldina, que atua na linha de frente em hospitais de Manaus, afirma que, no cenário de colapso, as equipes enfrentam também uma falta de insumos.

A grande dificuldade quando há superlotação é o número de leitos insuficientes, bem como EPIs (equipamentos de proteção individual), bloqueadores neuro-musculares e até oxigênio. São pacientes de difícil manejo pois a covid atinge vários sistemas. É estressante também devido ao medo de ser contaminado.
Silvia Leopoldina, média que atua na linha de frente em Manaus

Segundo o infectologista do Hospital Oswaldo Cruz, no Recife, e mestrando em Saúde Pública pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Bruno Ishigami, o aumento na oferta de leitos tem um limite imposto pela falta de equipes preparadas para lidar com pacientes de alta gravidade.

“Só aqui em Pernambuco, foram mais de 600 leitos abertos neste ano. Só que uma UTI não é só equipamento e um espaço físico. A gente precisa de equipe treinada. Então, eu atribuiria esse aumento da mortalidade tanto ao colapso do sistema de saúde como à quantidade de profissionais que não são devidamente capacitados para darem assistência em leito de terapia intensiva, mais especificamente”, afirma. “E aí não é só médico, a gente vai entrar também na fisioterapia, equipe de enfermagem…Tudo isso demanda uma formação.”

Ele também destaca que já é notório o cansaço dos profissionais. “Entra nessa conta também o esgotamento dos profissionais de saúde —que já vêm trabalhando em um contexto de sobrecarga pelo menos desde o meio do ano passado.”

Para ele, há uma diferença em relação ao serviço prestado por hospitais particulares. “Os serviços privados têm um critério maior de contratação, uma fiscalização maior sobre a formação desses profissionais que estão sendo contratados.”

A infectologista e professora de doenças tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Vera Magalhães, afirma que a alta na mortalidade pode ser atribuída ao colapso e a dificuldade de atender os pacientes adequadamente. Ela lembra que as equipes estão mais familiarizadas com a doença e houve avanço no tratamento e antecipação a problemas das pessoas doentes.

Há uma série de recursos e drogas que vêm auxiliar na diminuição da mortalidade e do tempo de hospitalização dos pacientes. No mundo todo não está havendo aumento de mortalidade, ao contrário, está havendo um melhor tratamento, e as pessoas tendem a morrer menos. No Brasil isso ainda não ocorreu.
Vera Magalhães, infectologista e professora da UFPE

O colapso, pontua Magalhães, causa mais problemas ao sistema de saúde. “A gente tem uma inadequação dos cuidados. O excesso de pacientes faz com que muitos demorem a chegar até a UTI, demorem a ter o tratamento adequado. São fatores que auxiliam no aumento da mortalidade, e aqui no Brasil existe um dos maiores percentuais de óbitos por covid em UTI do mundo, chegando a 80% [no caso de intubados].”

Magalhães também aponta que há uma falta de profissionais capacitados em número suficiente para lidar com um paciente grave e com lesões multissistêmicas. “É muito difícil você encontrar um intensivista treinado. Então, muitas pessoas recém-formadas estão em UTIs justamente pela alta demanda. E essa formação não se faz rapidamente”, alerta.

Uol