Oposição na CPI vence governistas em popularidade digital

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Foto: Edilson Rodrigues

Protagonista dos debates nas redes sociais com o fim do Big Brother Brasil, a CPI da Covid até agora favoreceu a oposição e contribuiu para o desgaste do governo Jair Bolsonaro (sem partido) no ambiente virtual, segundo levantamento da consultoria Quaest.

Criadora do IPD (Índice de Popularidade Digital), a empresa monitorou a pedido da Folha o desempenho de 18 pessoas, entre senadores que integram a comissão e os principais depoentes das três primeiras semanas de funcionamento do colegiado, para acompanhar os reflexos na internet.

A título de comparação com o reality show da TV Globo, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que assumiu uma postura de defesa do governo na CPI, estaria hoje em um lugar equivalente ao da vencedora da edição mais recente do BBB, Juliette.

O parlamentar cresceu 31% no IPD e atingiu a liderança do ranking na sexta-feira (21), quando o relatório da Quaest foi concluído. Ele foi o único aliado do governo na CPI, contando senadores e depoentes, que ganhou pontos na ferramenta.

Dois senadores identificados como de oposição apareceram na sequência: o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), com alta de 27%, e Kátia Abreu (PP-TO), com aumento de 26%.

Entre os que prestaram depoimento, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) foi o único a registrar elevação, com ganho de 9%. Todos os outros depoentes perderam espaço nas redes.

Mandetta se tornou um crítico do governo ao deixar o cargo, em abril de 2020. Envolvido nos esforços em busca de uma terceira via para a eleição de 2022, ele também é pré-candidato à Presidência.

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo foi, entre os 18 mapeados, o que saiu com a popularidade mais prejudicada. Após ser inquirido, ele teve queda de 25% e foi parar na lanterninha do ranking.

A métrica do IPD avalia, desde 2019, o desempenho de personalidades da política nacional nas plataformas Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Wikipedia e Google.

São monitoradas seis dimensões nas redes: fama (número de seguidores), engajamento (comentários e curtidas por postagem), mobilização (compartilhamento das postagens), valência (reações positivas e negativas às postagens), presença (número de redes sociais em que a pessoa está ativa) e interesse (volume de buscas no Google, YouTube e Wikipedia).

Bolsonaro, uma das pessoas analisadas pela ferramenta, encabeça o ranking ao longo do tempo, mas vem perdendo força. Como a Folha mostrou, a pontuação do ex-presidente Lula (PT) disparou depois que ele recuperou o direito de se candidatar e se tornou pré-candidato à Presidência em 2022.

Lula ultrapassou o atual titular do Planalto em meados de março e chegou a abril empatado tecnicamente com ele no monitoramento diário.

No caso da CPI da Covid, de acordo com o coordenador do IPD, o cientista político Felipe Nunes, a Quaest adotou parâmetros específicos com o intuito de capturar com precisão a variação entre um período anterior à presença na comissão e um intervalo posterior.

Tanto para os senadores quanto para os depoentes, foi adotada como referência inicial a média de pontuação no IPD durante os 30 dias anteriores ao início da CPI, que foi instalada em 27 de abril.

Já o indicador seguinte, que resulta na variação porcentual, foi calculado de maneiras distintas.

Para os parlamentares, que têm uma participação mais perene na comissão, a pesquisa levou em conta a média de popularidade nos três dias anteriores ao fechamento do relatório: 19, 20 e 21 de maio. A pontuação foi, então, comparada à que apresentaram nos 30 dias pregressos.

Para os ex e atuais auxiliares do governo que prestaram depoimentos, o referencial foi a média no IPD até três dias depois das respectivas oitivas. O objetivo foi abranger o espaço de tempo em que eles permaneceram em evidência na mídia e tiveram suas falas repercutidas nas redes.

Apesar de terem perdido popularidade, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (que caiu 5% no ranking) e o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten (queda de 4%) não chegaram a despencar.

“Pazuello se saiu melhor do que se imaginava, com uma queda pequena, tendo em vista que ele é uma figura central nessa crise. Os bolsonaristas viram na atitude do general em relação ao presidente algo positivo e o defenderam na rede. Perdeu menos do que se esperava”, diz Nunes.

Na avaliação do diretor da Quaest, a presença de Marcos Rogério no topo indica que o senador foi abraçado pela militância bolsonarista nas redes, ao se contrapor aos detratores do governo, defender a atuação do governo no enfrentamento da pandemia e relativizar falas graves de Bolsonaro.

Os demais titulares de perfil governista —Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Girão (Podemos-CE) e Ciro Nogueira (PP-PI)— estão todos no grupo dos que tiveram redução no IPD.

“Como a internet funciona pela lógica da polarização”, acrescenta o responsável pelo IPD, “na sequência de Marcos Rogério, e com percentuais bem altos, aparecem os senadores Renan e Kátia, que têm vocalizado contestações ao governo e sido impulsionados pelos críticos de Bolsonaro”.

Após um início classificado como excessivamente duro, Renan baixou o tom nas sessões da comissão, mas sem deixar de pressionar depoentes sobre as falhas de gestão que contribuíram para o país alcançar o patamar de 450 mil mortes por Covid-19.

Kátia, que não faz parte do grupo de 11 integrantes titulares da CPI, mas usou o espaço da bancada feminina, na semana passada, para disparar cobranças a Araújo durante o depoimento dele. Com declarações enfáticas, sua participação viralizou nas redes.

A senadora o chamou de “negacionista compulsivo” e expôs evidências da inabilidade do Itamaraty na diplomacia das vacinas.

“O caso dela mostra que não necessariamente uma personalidade tem que produzir conteúdo o tempo todo para ter popularidade. Se produzir algo afiado, que mobiliza e engaja, isso dá relevância”, diz Nunes, que também é professor de ciência política na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Para o pesquisador, o fato de Araújo ter amargado uma queda vertiginosa indica que simpatizantes do presidente se engajaram menos na defesa do ex-chanceler, abrindo flancos para que detratores ecoassem mensagens críticas ao diplomata.

Do ponto de vista do governo, afirma o pesquisador, até aqui o cenário é de derrota na dimensão online. “Os atores do governo, de maneira geral, mais perderam do que ganharam”, diz ele, que continua de olho nas sessões mais vigiadas do Brasil.

Folha de S. Paulo