Pazuello diz que agiu conforme concordância com Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Em depoimento à CPI da Covid na manhã desta quarta-feira, o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que o Brasil não é obrigado a seguir orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) ou da Organização das Nações Unidas (ONU) durante a pandemia, e que nunca recebeu ordens do presidente Jair Bolsonaro para fazer algo diferente da conduta adotada em sua gestão. Pazuello também afirmou que teve “100% de autonomia” para montar sua equipe, e lembrou que foi convidado diretamente por Bolsonaro, em abril do ano passado, para integrar o Ministério da Saúde ainda como secretário-executivo da pasta.

O ex-ministro disse que o governo nunca cogitou, na sua gestão, medidas restritivas em âmbito nacional, apenas distribuição de equipamentos e insumos. Pazuello também afirmou que em momento algum Bolsonaro pediu que o ministério se abstivesse de medidas de distanciamento social em âmbito nacional, e que havia convergência entre posicionamentos dele e do presidente:

— Em momento nenhum o presidente me deu ordem para fazer diferente do que eu já estava fazendo.

Ao tomar o depoimento de Pazuello, o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se Bolsonaro tinha uma aconselhamento paralelo, ou seja, fora do Ministério da Saúde, para orientá-lo na política de enfrentamento à pandemia. Pazuello disse que chegou a ter uma reunião com médicos, proposta pelo empresário Carlos Wizard, para um aconselhamento independente. Mas, de acordo com ele, na primeira reunião o ex-ministro ficou incomodado com o formato proposto por Wizard e o grupo não se reuniu mais.

— Eu não aceitei o formato de aconselhamento que ele tinha pensado — afirmou o ex-ministro.

Segundo Pazuello, ele é amigo de Wizard e os dois ainda mantêm contato informal. O ex-ministro também disse que acredita que não foi esse grupo o responsável pela adoção da cloroquina no tratamento da Covid-19. O general relatou que o próprio Bolsonaro disse que cabia a ele, Pazuello, cuidar da saúde.

— Não quero dizer com isso que qualquer pessoa, e principalmente o presidente a República, não ouça, ou não levante dados, ou não procure avaliar o que está acontecendo em volta dele — ponderou.

Questionado especificamente sobre o deputado Osmar Terra (MDB-RS), que chegou a ser cotado para o Ministério da Saúde e minimizou o impacto da pandemia, Pazuello disse ele “não tinha papel nenhum no ministério”. Pazuello também negou influência dos filhos de Bolsonaro — o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro — e até lamentou não falar mais com eles.

Perguntado sobre ordens de Bolsonaro em relação à cloroquina, remédio que, mesmo sem eficácia no tratamento da Covid-19, era a aposta do presidente contra a pandemia, Pazuello respondeu:

— Em hipótese alguma. O presidente nunca me deu ordens diretas para nada.

Ainda sobre as orientações de Bolsonaro, Pazuello afirmou que foi orientado a executar ações do ministério o mais rapidamente possível.

Pazuello disse que 29 países têm algum protocolo para uso da cloroquina, incluindo China, Índia, México, República Tcheca, Cuba e Venezuela. Segundo ele, era válido tentar o uso “off label”, ou seja, fora da bula, conforme uma orientação do próprio Ministério da Saúde antes da chegada dele à pasta. Pazuello argumentou à CPI que o ministério se amparou numa norma do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre autonomia médica para redigir uma nota informativa, com orientações sobre a dosagem de cloroquina e alertas para não utilização na “fase final” da doença.

Sobre as orientações de entidades internacionais, inicialmente Pazuello afirmou que a OMS “não impõe nada”:

— A OMS e a OPAS não impõem nada para nós, nossa decisão é plena, o Brasil é soberano para tomar suas decisões em qualquer área, inclusive saúde, não somos obrigados a seguir nenhum tipo de orientação de OMS, ONU, de lugar nenhum. Somos soberanos — declarou o ex-ministro.

Depois, diante da insistência para saber se o Ministério da Saúde seguia orientações da OMS ou tinha outras, Pazuello mudou o tom e disse que as posições da entidade “não eram contínuas pela própria incerteza da situação”, mas que “amparavam o nosso processo decisório”. Ainda assim, o ex-ministro reiterou que as orientações para combate à pandemia no país “eram do ministério, não da OMS”.

Embora o depoimento tenha se iniciado de forma pacífica, Pazuello foi advertido pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), ao dizer que “não gostaria que fossem feitas” perguntas com “respostas simplórias”. A fala de Pazuello ocorreu após ser instado a responder com objetividade os questionamentos do relator.

— Vossa Excelência não vai dizer para a gente o que a gente vai perguntar ou não. Está aqui para responder as perguntas dos senadores. Para muitas delas, basta um sim ou não. Quando fala muito sem explicar nada fica difícil — rebateu Aziz.

Pazuello chegou ao Senado Federal às 8h49. Ao contrário da expectativa, o general do Exército chegou vestindo um terno civil e não a sua farda militar. Ele chegou acompanhado de uma comitiva — e era esperado por assessores da Secretaria-geral da Presidência da República. Ao iniciar sua fala, Pazuello fez um balanço de sua atuação no Exército e destacou que tem experiência na área de logística.

Logo no início do depoimento, questionado sobre a qualificação que tinha para assumir cargo no Ministério da Saúde, Pazuello disse que no Exército tinha cinco hospitais sob sua responsabilidade, além da saúde de 30 mil homens, e também o atendimento a imigrantes venezuelanos.

— Isso só para falar na área de saúde. Sobre gestão e liderança, eu acredito que seria perguntar se a chuva molha, se um oficial tem competência de gestão e liderança. Se nós não tivermos, temos que começar do zero na nossa instituição. Eu me considero sim, senhor, plenamente apto a exercer o cargo de ministro da Saúde — disse Pazuello.

Em pronunciamento antes das perguntas dos senadores, Pazuello disse que não há medicamentos cientificamente comprovados e, portanto, que a recomendação de fármacos “off label” por médicos é uma prática prevista. Ele não citou diretamente medicamentos como a cloroquina, que foram propagandeados em sua gestão no Ministério da Saúde, inclusive no colapso em Manaus.

Durante sua fala inicial, Pazuello também procurou afastar acusações de demora do governo federal em negociar vacinas com a Pfizer. Segundo o ex-ministro, houve uma opção de sua pasta em ir “escolhendo a tecnologia que pudesse ser transferida para nós, em detrimento apenas da compra direta”. Embora tenha fechado em 2020 um acordo com a farmacêutica AstraZeneca para produção de vacinas em conjunto com a Fiocruz, ainda não foi assinada a transferência de tecnologia.

Pazuello afirmou ainda que sua indicação para compor a equipe do Ministério da Saúde foi feita por oficiais generais do governo, e que ele foi convidado diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro. O general foi nomeado como secretário-executivo do Ministério da Saúde em abril de 2020, após a saída de Luiz Henrique Mandetta e a nomeação de Nelson Teich como ministro, e assumiu o cargo de Teich após sua exoneração, em maio.

— Entre os dias 14 e 16 de abril de 2020, recebi algumas ligações telefônicas de oficiais generais que estavam no governo federal pra discutir psosível indicação para que eu pudesse auxiliar na transição do ministro Mandetta para o ministro que seria nomeado. Confesso que fiquei muito dividido. Estava ciente de minhas responsabilidades como comandante da 12ª Região Militar. Aquela sensação de coração dividido acabou no dia 16 de abril à tarde, quando o comandante supremo das Forças Armadas, nosso presidente da República, me ligou e se posicionou de forma clara e direta pra eu vir — afirmou Pazuello durante seu depoimento à CPI da Covid.

Ao comentar a sua atuação como secretário-executivo na gestão de Teich, Pazuello disse que “aquele primeiro desenho era o melhor que poderíamos ter tido”. Os dois tinham um acordo de que Teich, que é médico, ficaria com a parte finalística da pasta, no diálogo com as secretarias de saúde, enquanto Pazuello cuidaria da área de gestão logística e administrativa.

Pazuello relatou que, antes de assumir o Ministério da Saúde, mantinha uma “relação de amizade simples” com Bolsonaro. Ele disse que não poderia se “eximir da responsabilidade” de assumir a pasta da Saúde em meio à pandemia. Segundo o ex-ministro, a orientação do presidente era “trocar a roda do carro com o carro andando”, sem perda na continuidade das ações de combate à pandemia. De acordo com ele, a ideia era provisória, de transição.

— Não poderia me eximir de tal responsabilidade. O nosso hino diz “verás que um filho teu não foge à luta”, e eu não fugi — afirmou.

Exonerado do cargo de ministro em março deste ano, Pazuello disse que o governo “sempre ressaltou as medidas preventivas” à população, com a busca imediata pelo “atendimento profissional” e a ideia de “manutenção da esperança na vitória”. O ex-ministro alegou que defendeu o uso de máscaras e a higienização das maos como medidas de combate ao coronavírus.

Pazuello também reforçou o discurso do governo de que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2020, que conferiu autonomia a estados e municípios para decretar medidas restritivas na pandemia, teria limitado a atuação do governo federal — argumento que já foi rebatido por juristas e ministros da Corte. Segundo o ex-ministro, só seria possível ao Ministério da Saúde interferir nas ações em estados e municípios com uma intervenção federal.

O ex-ministro defendeu ainda o planejamento de entrega de vacinas aos estados na sua gestão e os acordos com países como China, Inglaterra, Estados Unidos, Índia, Rússia e Uruguai para a vinda de insumos e outros itens de saúde ao Brasil.

Como é general da ativa, a convocação de Pazuello foi feita por intermédio da Secretaria-Geral do Exército, onde está lotado atualmente. Portanto, a ida dele à CPI é considerada um ato oficial. Apesar disso, segundo interlocutores, o general foi orientado a comparecer nesta quarta-feira ao Senado usando traje civil.

Segundo interlocutores do general, Pazuello também estudou o estilo de cada senador para evitar ser surpreendido. O militar também teve conversas com o presidente Jair Bolsonaro, pessoalmente no Palácio da Alvorada e por telefone, além de ter sido orientado pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni.

Pazuello foi à CPI acompanhado pelo advogado da União, Diogo Palau, e de dois assessores designados pelo Exército para auxílio a checar datas e documentos a cada tema que for questionado por parlamentares.

Entre militares, existe o receio de que o depoimento de Pazuello associe as ações do governo com o Exército. Um senador governista contou ao GLOBO ter sido procurado por um representante do Exército para que os parlamentares diferenciassem a gestão Pazuello da instituição militar. O objetivo é tentar evitar que a atuação do general na Saúde gere desgaste à Força.

Após o depoimento do ex-secretário especial de Comunicação Fabio Wajngarten, o Palácio do Planalto cobrou de sua tropa de choque na CPI da Covid uma atuação mais contundente, inclusive cobrando responsabilidades de governadores. Durante a oitava de Pazuello, senadores governistas querem mostrar um vídeo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciando a compra de cloroquina ao lado do médico infectologista David Uip.

Os aliados do Planalto também vão adotar a estratégia de atribuir a culpa ao governo do Amazonas durante os questionamentos sobre a falta de oxigênio hospital em Manaus, em janeiro. Parlamentares deveram afirmar que Pazuello fez o que pôde para ajudar “um problema que era para ter sido solucionado pelo estado”.

No Twitter, o advogado Zoser Hardman, que foi assessor jurídico no Ministério da Saúde e ajudou na preparação do general para a CPI, disse ainda que “aquele que espera que o ex-ministro Pazuello entre em alguma provocação ou não aguente a maratona se surpreenderá.”

Na sexta-feira passada, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu habeas corpus ao ex-ministro da Saúde para que ele possa ficar em silêncio em perguntas que possam se auto incriminar. Porém, Pazuello terá que responder a perguntas sobre a conduta de outras pessoas, como Bolsonaro. A defesa, no entanto, quer evitar que Pazuello dê opinião sobre o comportamento do presidente e se limite a responder sobre “fatos objetivos.”

Segundo Hardman, advogado de Pazuello, o ex-ministro está mais preparado do que no dia 5 de maio, primeira data marcada para o comparecimento de Pazuello à CPI. Na ocasião, Pazuello alegou que teve contato com pessoas infectadas e seu depoimento foi adiado para esta quarta-feira.

O Globo